fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Listas de espera, recusas e assimetrias regionais. A PrEP trava o contágio por VIH, mas ainda chega a poucos

É um medicamento com eficácia comprovada na prevenção da infeção por VIH. Está disponível no…

Texto de Sofia Craveiro

Ilustrações de Marina Mota

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

É um medicamento com eficácia comprovada na prevenção da infeção por VIH. Está disponível no Serviço Nacional de Saúde gratuitamente, mas o universo de pessoas que toma a PrEP é, segundo os especialistas, muito reduzido. Os longos tempos de espera para obter uma consulta ajudam a explicar o problema, mas há outros fatores. Há, por exemplo, mulheres a quem o acesso ao medicamento é negado, caso não admitam ser trabalhadoras do sexo. Também há quem se veja obrigado a deslocar-se centenas de quilómetros para aceder à consulta. Associações e ONGs pedem descentralização do serviço, mas as mudanças tardam em sair do papel.

Assim que decidiu começar a fazer trabalho sexual para ajudar a suportar os custos dos estudos, Andreia (nome fictício), de 23 anos, sabia que não queria correr riscos. Para além dos exames mensais que realiza, decidiu iniciar o tratamento de Profilaxia Pré-Exposição, vulgarmente conhecido como PrEP, que utiliza antirretrovirais (tenofovir DF e emtricitabina) para prevenir a infeção por VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana). “Eu tenho muita preocupação com a minha saúde, porque isto não é algo que eu queira para a minha vida”, diz. 

O contacto foi feito na associação Abraço, que possibilita, na cidade do Porto, o acesso a consultas descentralizadas. “Já tinha ouvido falar [da PrEP], mas tinha algum receio das consequências que pudesse ter no meu corpo”. 

Como todos os antirretrovirais, esta medicação pode causar efeitos secundários (como náuseas, cansaço, sintomas gastrointestinais e dor de cabeça, além da possibilidade de complicações ligadas à função renal e à densidade mineral óssea). Apesar disso, refletiu e, em dezembro de 2022, “deu o nome” e foi colocada em lista de espera para ser encaminhada para o hospital São João, onde terá a primeira consulta de análise e eventual iniciação do tratamento, só não sabe quando. A previsão é que esta aconteça em “abril ou maio” deste ano, o que se traduz em cerca de seis meses de espera. “Me surpreendeu um pouco, porque a lista de espera estava muito, muito grande”, conta a estudante.

Afinal de que estamos a falar?

Pelo facto de realizar trabalho sexual, Andreia insere-se numa população considerada mais vulnerável à aquisição de infeção por VIH. 

Tanto nas normas da Direção-Geral de Saúde, como nas brochuras de organizações não-governamentais que atuam nesta área, é referido que a PrEP é indicada para “pessoas adultas em risco, independentemente da idade, género, orientação sexual e país de origem”. Isto mesmo está escrito num documento divulgado pelo GAT (Grupo de Ativistas em Tratamento). 

Ilustração de Marina Mota

Apesar disso, são destacadas situações em que haja sexo comercial, sexo desprotegido com alguém cujo estatuto serológico para VIH é desconhecido ou que esteja diagnosticado e não realize tratamento retroviral (que impede o contágio). Também pessoas que tenham sexo sob o efeito de drogas ou pessoas que partilhem material usado no consumo (no caso das drogas injetáveis) são aconselhadas a fazer a PrEP, assim como “parceiros serodiscordantes em situação de preconcepção ou gravidez”. 

Em todas estas situações, consideradas “de risco acrescido”, a PrEP, impede que a pessoa seja infetada com VIH, mas não protege contra outras infeções sexualmente transmissíveis.

A consulta de acesso à PrEP é feita exclusivamente por médicos infecciologistas em hospitais. Quem pretender solicitar o acesso pode dirigir-se ao médico de família, para que este o encaminhe para a consulta hospitalar. Em alternativa - que é aliás, a mais utilizada - a Abraço (no Porto) e o GAT (Área Metropolitana de Lisboa) disponibilizam espaços descentralizados para esta consulta, mas são as duas únicas entidades a fazê-lo.

Há mais uma informação relevante: os comprimidos da PrEP podem ser tomados num regime diário ou esporádico. A primeira opção é a única viável para quem não consegue antever uma possibilidade de relação sexual desprotegida, para pessoas com vagina - já que a resposta biológica é distinta no caso de sexo anal receptivo - ou pessoas com hepatite B crónica. A segunda opção é indicada para quem consegue antever práticas sexuais esporádicas e tem de ser tomada entre 24 a duas horas antes da exposição. De frisar que só quem tem um diagnóstico negativo para o VIH é elegível, o que exige sempre análises prévias.

Antes de ter contactado com a associação Abraço, Andreia não tinha sequer conhecimento da existência da PrEP. Diz que “já tinha ouvido falar do coquetel" - expressão utilizada em português do Brasil para descrever a PEP - Profilaxia Pós-Exposição, que permite impedir a infeção por VIH, mas após ter decorrido o ato sexual desprotegido ou a exposição por outras vias -, mas que nunca tinha tido ouvido falar de um medicamento cuja toma é prévia aos comportamentos de risco. Apesar de garantir usar preservativo com todos os seus clientes, Andreia teme a possibilidade de contágio. “Vamos supor: eu posso estar com uma pessoa, tanto no âmbito do trabalho, como fora, e essa pessoa ter adquirido [VIH] por irresponsabilidade e me passar”, afirma. “Querendo ou não, isto não é uma brincadeira, é uma coisa muito séria. Então eu acho que sim, que deveria ser mais falado”, explica, referindo-se à falta de divulgação.

Pelas narrativas que ficaram cristalizadas em torno do VIH/SIDA desde a década de 80, as tecnologias de prevenção, como é o caso da PrEP, são ainda pouco conhecidas pela população heteronormativa. Isto mesmo é reconhecido pelos especialistas e voluntários que deram o seu contributo para esta reportagem. “A comunidade LGBTQIA+, por ter sido mais afetada pela epidemia”, fez um maior esforço na divulgação de informação sobre o tema, segundo Paula Meireles, investigadora no EPIUnit - Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. “Houve um movimento grande da comunidade para aumentar o conhecimento”, porém, “o mesmo não acontece noutras populações”, diz.

A questão é que a via de transmissão heterossexual continua a ser a mais frequente e representa 51,8% da totalidade dos novos diagnósticos, segundo o mais recente Relatório Infeção por VIH em Portugal, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

Neste documento, relativo ao biénio 2020-2021, é ainda referido que foram notificados em Portugal 1 803 casos de infeção por VIH (870 em 2020 e 933 em 2021), números que representam uma redução de 44% desde 2012.

O relatório diz ainda que “a maioria (71,8%) dos novos casos de infeção em adolescentes e adultos (≥ 15 anos) registou-se em homens (2,5 casos por cada caso em mulheres) e a mediana das idades à data do diagnóstico foi de 39 anos”. Além disso, dentro da população masculina, a maioria dos novos casos (56%) correspondem a homens que têm sexo com homens. “A taxa de novos diagnósticos de VIH foi mais elevada nos residentes na Área Metropolitana de Lisboa, seguida da região do Algarve”.

Disponível e grátis, sem que se saiba que existe

A PrEP está disponível em Portugal, de forma gratuita, desde 2018, porém, “além de pouco divulgada, é muito pouco acedida pelas mulheres cis ou heteronormativas”, afirma Pedro Morais, psicoterapeuta que trabalha nos programas de rastreio da Abraço, no Porto.

“É óbvio que aqui há uma data de questões culturais, de crenças [sobre] o que é uma mulher e qual é a sua capacidade de autonomia e gestão destas questões de proteção, prevenção, etc”, explica o responsável. “Sabemos bem que aí as diferenças de género existem [e isso] também representa, com certeza, algum peso nesses números.”

Pedro Morais refere-se a outros dados apresentados no relatório do INSA: em 2020, 1.586 pessoas estavam a fazer PrEP em Portugal. Destas, a grande maioria é do sexo masculino (96%), 51% são homens que têm sexo com homens (HSH), 11% migrantes e 2,5% trabalhadoras e trabalhadores do sexo. Face a 2019, o número de pessoas a tomar a PrEP aumentou 26%, mas as características da população abrangida mantiveram-se praticamente idênticas. 

Assim que esta informação foi divulgada, foram as próprias entidades responsáveis que, segundo uma notícia divulgada pela agência Lusa, consideraram que o número de pessoas abrangidas é “insuficiente, quer pelo tempo de espera para consulta de utentes referenciados, nomeadamente em alguns centros urbanos, quer por estimativas de número desejáveis de indivíduos a tratar”.

Na opinião da médica internista Teresa Branco, que desde 1989 se dedica ao VIH e questões relacionadas, o número de pessoas que beneficiam da PrEP é, efectivamente, “muito baixinho”, mas esse é um problema que não se limita às nossas fronteiras. 

A especialista e membro da Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da Sida (APECS) não arrisca estimar um número que quantifique a população potencial, mas diz que “estamos muito longe [dos objetivos]”. 

Teresa Branco retira esta conclusão a partir dos números globais: em 2021 mais de 1,6 milhão de pessoas no mundo tinham acesso à PrEP por via oral (também existe em injetável). No ano anterior eram 820 mil, pelo que o número aumentou mas, apesar disso, está ainda bastante longe do objetivo definido para 2025, que é atingir os 10 milhões de pessoas. Tudo isto consta do mais recente relatório da UNAIDS, a organização das Nações Unidas dedicada ao combate ao VIH/SIDA.

Convicta de que tudo começa pela sensibilização da população, a especialista afirma que seria “evidente” o benefício retirado da inclusão da informação sobre a PrEP em programas de educação sexual e consultas de planeamento familiar. “Devia-se incluir a informação sobre PrEP [naquela que é fornecida] às pessoas que começam uma vida sexual", diz a médica.

Mulheres? Só se fizerem trabalho sexual

Para apoiar de forma mais eficaz as mulheres utilizadoras de drogas e trabalhadoras do sexo na capital, o GAT ramificou-se num coletivo informal, denominado As Manas. O grupo, co-fundado por Joana Canêdo em 2020, intervém junto de mulheres em situação de maior vulnerabilidade social, muitas vezes sem casa, morada fixa ou suporte familiar.

Um dos objetivos deste coletivo é, precisamente, o de apoiar as mulheres no que respeita ao acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva. Segundo Joana Canêdo a tarefa já é, por si, complexa, mas acaba por ser dificultada pelas normas estipuladas. “Acompanhei de perto várias trabalhadoras do sexo, sendo que me lembro particularmente de duas delas, que queriam  [aceder] à PrEP”, conta, sem revelar as suas identidades.

Segundo o relato da responsável, enquanto uma destas mulheres era assumidamente trabalhadora sexual e não tinha problemas em admiti-lo perante os profissionais de saúde, a segunda não dispunha desse à-vontade. Apesar disso, estava grávida, pelo que a PrEP era uma urgência. 

“Mas continua a fazer trabalho sexual [mesmo estando grávida]?”, perguntou a médica, durante a consulta. O tom de reprovação fez a paciente rejeitar que o fazia, o que levou a que o acesso fosse negado. “Disseram que, se não faz trabalho sexual, não passavam a PrEP”, conta Joana Canêdo. “Ora, se nós, organizações não-governamentais, estamos a indicar esta pessoa ou a referenciá-la, se nos demos ao trabalho de acompanhá-la nesse processo é porque, sendo trabalhadora do sexo ou não, aquela mulher necessita”, acrescenta. 

Joana Canêdo acredita, por isso que, apesar dos esforços, “os critérios de acesso a esta medicação não [refletem uma vontade] de que ela seja universalizada per si.”

Questionada sobre este tipo de casos, a médica Teresa Branco, diz não compreender porque sucedem. “Cada médico terá, eventualmente, a sua maneira de fazer a consulta de PrEP, mas não há nenhuma razão para a pessoa ter de ser trabalhadora do sexo para ter acesso”. 

“É preciso que as mulheres saibam que podem exigir”, diz a especialista. “Não há nenhuma razão para lhes negarem o acesso, só porque não recebem dinheiro ou géneros por um ato sexual”, garante. “A pessoa pode ter um risco que não é negligenciável porque qualquer relação pode transmitir. Não é preciso ter muitas relações, basta uma. A mulher, se não consegue controlar a relação em que está de uma forma segura, digamos, tem que ter acesso à medicação”.

A ex-presidente e ainda membro da direção da APECS, diz ainda que a recusa de profissionais de saúde em receitar a PrEP a mulheres que não sejam trabalhadoras do sexo só pode ser explicada com “desinformação”. “Essa é outra coisa que nós precisamos de fazer, informar os próprios serviços de saúde dos direitos das pessoas”.

Pedro Morais admite que, na forma como as normas estão construídas, “a mulher, naquele perfil normativo, realmente não se enquadra numa população prioritária de prevenção”. O responsável da Abraço diz que as normas “não definem populações específicas nem discriminam ninguém que queira aceder” porém, a experiência no terreno revela que “o acesso à PrEP é mau - para ser simpático - para toda a gente, mesmo para a população mais informada, seja LGBTQIA+ ou não”.

Quem espera, desespera (e pode infetar-se)

Após decidir que desejava iniciar o tratamento da PrEP, Dio dirigiu-se ao CheckpointLX - um dos locais de rastreio e referenciação do GAT em Lisboa, especialmente dirigido a homens que têm sexo com homens -, e foi colocado em lista de espera. Estávamos em 2021. Passaria mais de um ano até que Dio fosse chamado para a consulta propriamente dita e pudesse começar a tomar a medicação.

Apesar de estar grato pelo facto de poder ter acesso à PrEP de forma gratuita, diz ser “quase um paradoxo”, sentir-se um privilegiado por isso. “Não devia ser [um privilégio], porque eu marquei isto através do Sistema Nacional de Saúde, mas senti que aquela consulta era “o” momento da minha vida”, explica. “É muito difícil conseguir tê-la, porque é preciso não só paciência - estive à espera um ano, não é? - mas também requer uma certa resiliência”, no que respeita à regularidade do acompanhamento e deslocações ao hospital.

O caso de Dio exemplifica a importância da tarefa de referenciação que é feita pelas ONGs, que divulgam e facilitam o processo para aceder à PrEP. Pedro Morais reconhece isso mesmo e critica a falta de recursos alocados. “Temos a consulta da Abraço esgotada, a do [Hospital] Santo António esgotada, a do São João esgotada, com vagas para abril”, lamenta. “Isto demonstra que o que existe é curto, as respostas que existem são curtas e que esta é uma tecnologia que é recente mas que está longe de estar a ser bem implementada ou de forma suficiente”.

O Gerador entrevistou várias pessoas que estão a tomar a PrEP ou que se encontram em lista de espera para aceder. Os relatos revelam algumas diferenças no que respeita aos tempos de espera: se nalguns casos foi uma questão de semanas, noutros a espera pode chegar a um ano (apesar de as normas da DGS definirem um prazo máximo de 30 dias para obter resposta).

Por exemplo: enquanto Marisa (nome fictício), mulher trans que realiza trabalho sexual no Porto, diz ter conseguido realizar análises, consulta e recolha da medicação em pouco mais de uma semana, Miguel (nome fictício), diz ter passado por uma “experiência exaustiva” sem fim à vista. “Já fui a 6 médicos diferentes e sinto que há um grande bloqueio na facultação do medicamento”, lamenta o jovem de 23 anos. “Sempre que o tento pedir são feitos estereótipos sobre a minha sexualidade e a partir do momento em que eu digo que não me encaixo nestes estereótipos - não participando em orgias e atividades consideradas “de risco” para os médicos - é me negado o acesso ao medicamento”, afirma.

Miguel Rocha, enfermeiro de saúde pública e diretor de saúde do GAT, aponta algumas razões para esta assimetria: há casos em que o processo pode ser mais célere pois a pessoa já fazia o tratamento, abandonou e pretende recomeçar, outros em que há uma transferência de hospital, ou uma desistência de uma consulta, sendo esse lugar ocupado por quem estiver disponível. Pode ainda suceder que a pessoa esteja referenciada para uma consulta relativa a IST e é diretamente encaminhada para PrEP, ou ainda que seja aconselhada a tomar pelo facto de o(a) parceiro(a) ter sido diagnosticado(a) com VIH. Quem realize trabalho sexual pode dispor de uma “via verde” existente em algumas unidades hospitalares, o que acelera o processo. 

Seja como for, quando a espera é longa pode mesmo ser a causa do fracasso da prevenção. João Moreira de Sousa, médico que integra a direção da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, e trabalha em dois locais de referenciação do GAT, em Lisboa, relata casos “dramáticos”: “temos até situações de pessoas que, no período em que estão à espera da consulta, seroconvertem, ou seja, passam a viver com VIH.”  Entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023 o GAT identificou 6 pessoas a quem isto aconteceu.

O sexólogo afirma que estas situações são pontuais, mas “vão-se tornando mais frequentes”.“Chego a assinar alguns pedidos de consulta de VIH, que eu referenciei há meses atrás para PrEP. Isto acontece mais frequentemente do que eu queria”, lamenta. “O essencial acima de tudo era que houvesse mais profissionais a fazer consulta de PrEP porque, de facto, isso é que é a principal barreira”, explica João Moreira de Sousa.

Falta de médicos e de consultas noutras regiões

Como iniciou o tratamento há relativamente pouco tempo, Dio está a aguardar uma consulta por telefone, da equipa de saúde que o acompanha, que “pode acontecer a qualquer momento”. O objetivo é saber como está a reagir aos comprimidos e se pretende continuar a tomá-los. “Eles basicamente disseram-me para largar tudo o que estivesse a fazer e atender, porque caso contrário seria muito difícil voltarem a contactar, já que dispõem de recursos muito limitados”. 

Mas além da falta de profissionais, que são poucos para dar resposta ao número crescente de solicitações, também o local escolhido para a consulta afeta os tempos de espera. Nas áreas metropolitanas há mais procura, logo, mais congestionamento do serviço que, além disso, não está igualmente disponível em todo o país.

Luís Veríssimo, que coordena o CheckpointLX do GAT, afirma que este cenário “cria uma grande iniquidade no acesso, em particular em muitas zonas do país, para onde se liga para ao hospital e ninguém sabe dizer o que é, quanto mais se existe consulta de PrEP”. “Claro está que, neste meio termo, as pessoas podem eventualmente seroconverter [...] e não há nada mais triste ou frustrante no nosso trabalho que isso”, lamenta. 

Além disso, o coordenador aponta outras falhas no atendimento, como o facto de existirem hospitais que “não realizam os rastreios às  outras ISTs (Sífilis, Clamídia, Gonorreia e Hepatite C) quando é recomendado”.

O Gerador tentou por diversas vezes contactar o Ministério da Saúde e a Direção-Geral de Saúde para saber exatamente em que hospitais existe consulta da PrEP. Não obtivemos qualquer resposta. Apesar disso, através de informação recolhida e cedida pelo GAT, foi possível apurar que a consulta está disponível em, pelo menos, 27 hospitais públicos (segundo dados do INE relativos a 2020, existem 113, ao todo, no país).

Fonte: Grupo de Ativistas em Tratamento (GAT)

Joaquim (nome fictício), de 46 anos, é um exemplo de utente que se deparou com o desconhecimento por parte dos profissionais de saúde que contactou. “Como não vivo em Lisboa ou no Porto a PrEP é uma miragem”, lamenta. “Pior do que isso, o meu médico de família pura e simplesmente me disse “não faço ideia de como isso funciona, mas isso também não interessa nada”.

Para Teresa Branco o problema maior não está, contudo, nos profissionais, mas antes no sistema. “Nós sabemos o que é preciso fazer, mas não somos nós [a ter de fazê-lo]. É preciso estruturas, é preciso financiamento, é preciso tudo isso e isso não parte dos médicos. Isso parte da DGS, que está responsável. É preciso haver o tal financiamento, a tal vontade política, essas coisas todas.” Até porque, na opinião da especialista,“não é justificável que as pessoas se desloquem 200 quilómetros para ter acesso [à PrEP]”.

Descentralização fica no papel

Além das consultas, também a medicação propriamente dita só pode ser recolhida em unidades hospitalares. As ONGs têm vindo a insistir na importância da descentralização mas a medida, inscrita no Programa Nacional para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e VIH, ainda não saiu do papel.

“A proximidade à comunidade é um fator chave”, afirma Andreia Pinto Ferreira. A coordenadora geral da SER+, Associação Portuguesa para a Prevenção e Desafio à Sida acredita que esta mudança poderia contribuir para melhorar o cenário atual, “evitando novos diagnósticos e um melhoramento substancial na vida das pessoas com risco acrescido de aquisição de infeção por VIH, sem julgamentos morais que condicionem o seu acesso”.

É que, segundo as normas definidas, uma pessoa que esteja em seguimento de PrEP deve ter consultas a cada três meses, deve realizar análises e ir buscar a medicação com a mesma regularidade, mas “a maior parte dos hospitais só dispensam [comprimidos] para apenas 1 mês”, diz Luís Veríssimo. “Isto faz com que haja entraves no acesso, [já que] não são todas as pessoas que podem ir todos os meses ao hospital (fazendo com que muitas pessoas faltem às várias marcações)”.

Teresa Branco questiona estes mesmos procedimentos. ”Quem é que vai a um hospital, sentar-se à espera de uma consulta, a cada três meses ir lá buscar medicação, fazer análises…? Nós temos de simplificar estes processos todos. Temos de adaptar tudo isto a uma realidade de vida das pessoas, que não é propriamente ter tempo para andar a gastar num hospital”, diz a médica.

“Quando vamos a um hospital é para fazer um tratamento. Aqui, estamos a dar medicação a pessoas saudáveis para não se tornarem doentes. É um contexto diferente”, pelo que a medicação deveria, na opinião da especialista, ser distribuída em farmácias comunitárias.

“Há a necessidade de revisão da norma da PrEP”, diz Luís Veríssimo. “Sabemos que algumas pessoas, representantes das entidade de saúde, estão conscientes do que se passa com a PrEP em Portugal, tanto na DGS, como no Governo. Há a intenção da PrEP ser alargada a centros de saúde e a organizações de base comunitária”. Apesar disso, a intenção ainda não se concretizou, nem existe uma data definida para tal.

Ilustração de Marina Mota

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

23 Abril 2024

Informação local: resistir apesar de tudo

19 Março 2024

O Teatrão: 30 anos de história, de novos desafios e de velhos problemas

19 Fevereiro 2024

Assistência sexual e a democratização do acesso ao corpo

14 Fevereiro 2024

Direito de resposta

14 Fevereiro 2024

Do Brasil até Portugal: uma “metamorfose ambulante”

12 Fevereiro 2024

Lenocínio simples: exploração ou autodeterminação?

5 Fevereiro 2024

Entre o reconhecimento e a abolição, prostituição mantém-se à margem 

29 Janeiro 2024

Entre o chicote e a massagem: como se define um trabalho sexual?

15 Janeiro 2024

Apesar dos esforços, arquivos digitais ainda deixam margem para dúvidas

8 Janeiro 2024

Das boas práticas aos problemas: como os órgãos de comunicação arquivam o seu trabalho?

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0