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Maio já veio e tu?

Desde que 1995 que Maio é o mês da Masturbação, iniciativa lançada primeiramente pela sexshop…

Opinião de Carmo Gê Pereira

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Desde que 1995 que Maio é o mês da Masturbação, iniciativa lançada primeiramente pela sexshop feminista Good Vibrations, em homenagem ao trabalho de Elders, oferecendo uma oportunidade única para que as pessoas falem de amor próprio e encorajem conversas sobre bem-estar sexual. Porquê Elders? Em 1994, Joycelyn Elders, depois de um discurso no Dia Mundial da SIDA das Nações Unidas, recebe uma pergunta da audiência sobre o potencial da masturbação para desencorajar a actividade sexual precoce. Responde: "Penso que é algo que faz parte da sexualidade humana e uma parte de algo que talvez devesse ser ensinado". Dias depois, é obrigada a demitir-se. A lógica de Elders era que poderia ajudar a prevenir o aumento do HIV, ou outras infecções sexualmente transmissíveis e gravidezes indesejadas, numa altura em que as mesmas eram consideradas epidémicas nos Estados Unidos.

Rapidamente esta iniciativa globaliza-se pela mão da rede de sexshops feministas que por aqui andam. É também, para mim, um mês muito caro, pois, após um começo em 2008 — quando começo a trabalhar na área das sexualidades, levando a muitas casas portuguesas uma mala cheia de tecnologias, cosmética e adereços sexuais —, é a 13 de Maio de 2015 que reapareço mais completo, sem associação a nenhuma casa e marca.

Qual milagre feito de suor e crescimento. E assim apareço com roupagens milagrosas recebendo quem vem ter comigo com partilhas, educação, conselhos e capacidade de ouvir e relembrando:

May has Cum, so should you!

E antes de começar por falar um pouco sobre masturbação, deixem-me ressalvar que uma pessoa vir-se, quer isto signifique um orgasmo ou uma ejaculação, não é mais que parte da experiência sexual, a sós ou com companhia, e não o fim em si.

O discurso criado à volta da masturbação é parte da censura social ao prazer ilimitado, alimentando o mito da auto-corrupção através do auto-conhecimento e prazer e com supostos prejuízos para a reprodução da espécie. A sua punição religiosa, patologização e, em alguns casos, criminalização servia ambos os lados da barricada, aos Malthusianos era vista como uma prova de descontrolo e alimentar de desejo na população que desregularia as tentativas de controlar instintos reprodutivos; a quem defendia a natalidade e temia pouca população era um impedimento — para ambos qualquer prática sexual não reprodutiva era moralmente incorrecta.

Até ao sec. XX, a história traz-lhe anos de pecado, com a mal interpretação da história de Onan; crime, com o estabelecimento da pena de morte para masturbadores em 1532 pelo Carlos V Sacro Imperador Romano; e de doença, por Varenne, Tissot, Kellogs, Pouillet, Graham, Charcot, Moniz… E a lista continua quase infinitamente.

No final do século XIX, os médicos dos EUA defendem e realizam a circuncisão masculina, não por razões religiosas, mas para evitar a masturbação. A tradição americana de circuncisão é baseada no medo da excitação sexual da estimulação que uma criança com pénis pode sentir ao lavar o seu pénis não circuncisado.

Em Inglaterra, Baden Powel, pai do Escutismo, avisa para o poder destruidor da masturbação.

Entre 1890 e 1910, a masturbação tenta sair do armário. Ellis, um dos primeiros especialistas da sexologia moderna, cunha o termo auto-erotismo, ligado ao poder de imaginar e criar, sublimar através da imaginação, da arte, do sexo, classifica a masturbação como ponto de partida para um bem-estar comum, assim como uma fonte legítima de relaxamento mental.

Freud fala-nos da criança polimorficamente perversa, com capacidade de gerar prazer, e considera a masturbação como adequada a um estádio de desenvolvimento sexual infantil, mas obrigatoriamente abandonada na idade adulta, sendo até inimiga da sexualidade adulta.

Em 1910, um simpósio de três tardes organizado pela Sociedade Psicanalítica de Viena para tratar a questão da onania, masturbação, revela-se tão controverso que daí não sai nenhuma conclusão. Steckel afirma, em desacordo com a maioria dos psicanalistas da época, que além de inofensiva não era causa de suicídios, mas sim a culpa que punham nestes actos, também afirmando que poderia ser uma forma de reduzir delitos como a pederastia e violações.

Nos anos 40 aparece o estudo Kinsey, que questiona todos os limites pelos quais um comportamento é considerado excessivo ou não, demonstrando uma quantidade tão absurda de praticantes que tornaria o comportamento comum, os mitos de masturbação como patologia começam a cair, acompanhados pelos tão em voga estudos de antropologia de início do século XX que demonstram a universalidade desta prática.

Em pleno século XX, Masters e Johnson defendem a masturbação como um modo saudável de manter as funções sexuais. De Masters e Jonhson vem uma mensagem clara para as mulheres: a masturbação é o padrão do prazer.

O movimento feminista nos anos 60 e 70 proclama a viva voz: é um acto de liberdade e autonomia, e numa altura em que o pessoal é político, o corpo torna-se campo de batalha para reganhar autonomia numa sociedade patriarcalmente dominada, deixa de ser algo que supostamente seria abandonado na idade adulta em prol de práticas de coito pouco satisfatórias. É prescrita pela auto-exploração e apresentada como conquista social. Livros como Our Bodies, Our Selves do colectivo de mulheres em Chicago, publicado em 1971 e com mais de quatro milhões de cópias vendidas e tradução em, pelo menos, 16 línguas até 1995, e a consagrada educadora sexual Betty Dodson, nos anos 70, nos seus livros, defendem ferreamente a masturbação como acto de prazer e reivindicação.

No século XXI, um volte face — se, por um lado, o direito à masturbação ainda é uma conquista, e aqui ocorre-me instantaneamente as comunidades de diversidade funcional e neurodiversidade, a comunidade de pessoas em situação de rua, entre outras, torna-se medida de mercado e prescrita. O mercado global de sex toys, em 2021, gerou 30 biliões de dólares e prevê-se que, em 2030, chegue perto dos 63 biliões. As vantagens são a regulação crescente dos objectos, com o primeiro ISO acabado de sair, cada vez mais investimento em novas tecnologias facilitadoras de prazer e um mercado cada vez mais criativo e, tendencialmente, um pouquinho mais inclusivo. Por outro lado, observo como a prática menos produtiva de todos, com o seu potencial para lá de um cuidado, disruptiva, foi e está a ser capitalizada.

Celebremos então este mês quebrando os guiões que nos impõem, partindo para uma descoberta um pouco menos prescrita e desregulada do corpo, optando por prazer em vez de eficácia e falando, com crítica e vulnerabilidade, sobre masturbação, prazer, corpo e liberdade.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Carmo G. Pereira-

Carmo Gê Pereira é/tem um projeto português ligado à sexualidade com workshops, formações e tertúlias, sessões de cinema, ciclos de eventos e aconselhamento sexual. Atua de forma ativista paralelamente. Assumidamente LGBTQIA+, sex-positive de forma crítica tem-se destacado como: formadora de educação não formal, educadora sexual para adultos, na área do aconselhamento sexual não patologizante, expert em segurança, recomendação e utilização de tecnologias para a sexualidade. Formada em sexologia e doutoranda do Programa Doutoral de Sexualidade Humana da FCEUP, FMUP e ICBAS. Mais informação em www.carmogepereira.pt

Texto de Carmo G. Pereira
Fotografia de Ricardo Faria
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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