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Marco Rodrigues: “A minha mãe, para além de me ter dado a vida, foi ela que me fez apaixonar pelo fado”

Uma homenagem à mãe [Judite] precocemente desaparecida em 2020. É assim que o fadista Marco…

Texto de Isabel Marques

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Uma homenagem à mãe [Judite] precocemente desaparecida em 2020. É assim que o fadista Marco Rodrigues nos começa por explicar o seu sexto-álbum, Judite.

Composto por onze temas, o álbum reúne canções que partem tanto do fado tradicional como de temas pop, de forma a relembrar a mulher “lutadora, forte, sempre com aquela ideia de que as coisas iam correr bem viessem as pedras que viessem”, que era a sua mãe.

Precisamente, a seleção dos temas seguiu a memória das preferências de Judite, tal como Marco Rodrigues recorda nos agradecimentos do disco: “Este disco é, seguramente, o mais sentido e profundo de toda a minha vida. A minha mãe, Judite, está presente da primeira à última nota, anima e inspira todo o álbum. Os fados tradicionais que aqui se encontram são os seus favoritos, escolhidos dentre memórias de conversas sobre o fado que tanto amava. Aqui estão, na minha voz como era sua vontade, para a homenagear. Um álbum não se faz sem cúmplices musicais e tenho de agradecer ao Tiago Machado, que partilhou momentos com a minha mãe e faz parte da família, para além de toda a relação profissional que nos une e que já resultou em quatro álbuns por ele produzidos. Aos músicos, que partilham comigo o estúdio e a estrada, a todos os que participaram neste disco, agradeço a entrega e a partilha do talento. Aos técnicos sem os quais nada era possível. À Universal Music e sua (e minha) equipa, um agradecimento especial pelo caminho que trilhamos juntos. Ao universo, pelo privilégio de ter tido uma mãe como a minha.”

O disco apresenta ainda a particularidade de ser composto por alguns artistas nacionais como Diogo Piçarra, David Fonseca, Tiago Nogueira e Ricardo Liz Almeida (d’Os Quatro e Meia), Marisa Liz, Tiago Pais Dias, Boss AC, Manuela de Freitas, Jorge Mangorrinha, Guilherme Pereira da Rosa e Tiago Machado, que fizeram igualmente parte do percurso de Marco Rodrigues e de Judite.

“Do pilar que ela era a nível familiar para toda a gente, à capacidade “que ela teve em vir com um filho de 15 anos para Lisboa sem conhecer nada, nem ninguém”, o Gerador esteve à conversa com o fadista para procurar relembrar e conhecer as histórias da protagonista do seu novo projeto.

Gerador (G.) – Judite é o teu sexto-álbum, lançado este mês, que pretende, acima de tudo, ser uma homenagem à tua mãe precocemente desaparecida em 2020. Como sabemos, março é também conhecido como o mês do celebrar das mulheres da nossa vida. O lançamento do álbum, nesta altura, foi também pensado neste aspeto?

Marco Rodrigues (M. R.) – Não, de todo, até porque este álbum foi, dos meus seis discos, o que teve um processo de gravação mais demorado. Isto era para ter sido um tipo de disco e depois mudou por causa da minha mãe ter desaparecido. Havia temas que faziam sentido antes e depois deixaram de fazer sentido. Outros que foram anexados ao disco, exatamente, para homenagear a minha mãe, portanto, não foi premeditado essa índole do disco. Nós já queríamos ter lançado o disco no final do ano, mas por todas as condicionantes que têm acontecido decidimos deixar o disco para agora. Portanto, foi uma coincidência nesse caso. 

"Judite" - Marco Rodrigues

G. – E assim surge o Judite para a homenagear... Porquê a escolha do fado para a relembrar?

M. R. – Em primeiro lugar, porque a minha mãe para além de me ter dado a vida foi ela que me fez apaixonar pelo fado. Não fazia sentido eu não fazer um disco de homenagem ou de celebração à minha mãe e da pessoa que foi a minha mãe. Do pilar que ela era a nível familiar para toda a gente, da capacidade de luta e da capacidade que ela teve em vir com um filho de 15 anos para Lisboa sem conhecer nada, nem ninguém. Tudo o que representava a minha mãe, eu queria conseguir pôr neste disco. Por isso é que neste disco não está só aquela parte mais intensamente profunda de tristeza. Está também uma celebração do que era a minha mãe enquanto mulher. Uma mulher lutadora, forte, sempre com aquela ideia de que as coisas iam correr bem viessem as pedras que viessem. E eu queria muito que este disco fosse o reflexo disso. Não só a minha profunda tristeza por não poder ter a minha mãe ao meu lado, mas, mais do que isso, também consegui-la representar com toda a força que ela tinha e como era também. 

G. – Precisamente, é através da tua voz que esta homenagem nos chega tal como era a sua vontade. Há algum episódio que te tenha marcado de uma forma especial e que represente este desejo de ela te ouvir?

M. R. – Posso-te contar que quando chegámos a Lisboa, em finais dos anos 90, nessa altura, não havia Internet, não havia WhatsApp, não havia os meios de comunicação que temos hoje em dia. Para chegar até alguém era muito difícil. Imagina vires lá de cima do Norte e chegares a Lisboa e conseguires encontrar aquela pessoa… Era muito mais difícil. Então, lembro-me de que a minha mãe para me conseguir apresentar a um guitarrista de fado, que é o professor Edgar Nogueira, andou à procura nas Páginas Amarelas, durante dias, desse mesmo senhor. E isso é só um pequeno exemplo do que a minha mãe era capaz e da forma como não desistia das coisas e acreditava sempre que ia conseguir. E conseguia, efetivamente. A única coisa que a mim me deixou completamente sem tapete e sem chão foi perceber que a minha mãe, só não conseguiu dar a volta ao problema da leucemia. Inicialmente, estava tudo a correr bem, mas a segunda fase da quimioterapia é que já não correu assim tão bem. Até nisso eu achava que era mais uma pedra que a minha mãe ia conseguir ultrapassar. Portanto, era, sem dúvida, o meu grande exemplo. 

Marco Rodrigues- Fadista

Hoje em dia, para chegar até alguém temos 30 mil meios, mas antigamente, não. E ela, mesmo assim conseguiu. Fez centenas de telefonemas, levou centenas de nãos até conseguir o senhor que queria. Isso é um exemplo da forma como ela lidava com as coisas. 

G. – Ela acreditou primeiro neste bichinho do fado do que tu?

M. R. – Por acaso, não. Eu já cantava lá em cima, no Norte, com o meu pai.

O meu pai tinha uma banda, e ele já via a paixão que eu tinha em fazer música. A forma como eu me sentia bem, feliz em cima do palco. Dos 8 aos 15 anos. E, quando a minha mãe veio para Lisboa, uma das coisas que estava na cabeça dela era alimentar esse meu sonho e ajudar-me a construir uma carreira. Daí dizer que não fazia qualquer sentido não fazer um disco de homenagem à minha mãe. 

G. – Tendo em conta a proximidade e o laço familiar que te une à Judite. Queres-nos falar mais um bocadinho sobre ela e sobre outros aspetos, além da coragem, determinação, que procuraste realçar nela neste teu novo projeto?

M. R. – A minha mãe vivia de uma forma muito intensa as coisas. Particularmente, as coisas familiares. As minhas vitórias eram grandes conquistas para ela. Eu acho que as principais caraterísticas da mulher Judite era a perseverança e esse acreditar. Havia uma ilusão muito bonita e daí também ter um tema que se chama “Sorte Grande” no disco. Havia uma ilusão bonita de me estar constantemente a dizer que esta semana ia-me sair a lotaria e que me ia comprar uma casa com um estúdio de gravação por baixo. Portanto, isso também era uma caraterística. Era uma ilusão com conteúdo, não era uma ilusão oca. Tinha as ilusões e lutava para que as coisas pudessem acontecer. Não ficavam só em ilusões. Depois, era uma mulher muito bonita. 

"Sorte Grande" - Marco Rodrigues

A minha mãe, com 15 anos, emigrou para a Suíça e, com 18 anos, já falava francês, alemão, italiano, etc. Todas as línguas que se falava pela Suíça ela já as falava. E estamos a falar numa altura em que tudo era mais difícil. Estamos a falar dos anos 60/70.

Ir para fora era mais complicado, arranjar trabalho era mais complicado, evoluir dentro do próprio trabalho era mais complicado, etc. E a verdade é que toda a vida da minha mãe representa uma mulher de luta, guerreira, crente, que tinha 80 % do coração virado para a família e para as pessoas. Portanto, teria muitas mais coisas para te dizer em relação à minha mãe, mas acho que estas são, sem dúvida, as caraterísticas mais notáveis.

G. – Ou seja, esta é também uma forma de a manteres viva em ti e nos outros... 

M. R. – Sim, eu acho que pelo menos vai marcar a minha carreira. O disco surge logo a seguir ao desaparecimento dela, e isso deixa-me feliz. O facto de poder haver um marco que possa assinalar e mostrar às pessoas a minha gratidão que será eterna. 

G. – Neste caso, o álbum é composto por onze temas que percorrem tanto o fado tradicional como temas pop. Os estilos musicais foram também pensados tendo em conta as “memórias de conversas sobre o fado” que a Judite tanto amava. Dos temas presentes neste álbum há, por exemplo, dois desses que gostasses de destacar pela história que vos une?

M. R. – Sim, e até posso dizer três, já que dois desses temas são profundamente tristes e sentidos.

O primeiro deles é o “Fado Fantasma”. É um fado tango e foi uma letra da Maria do Rosário Pedreira e foi uma coincidência. A letra não foi feita a pensar no desaparecimento da minha mãe até porque a letra, quando foi feita, a minha mãe ainda era viva e ainda não tinha a doença. E a Maria do Rosário Pedreira por uma daquelas coincidências de vida inacreditáveis escreveu um fado tradicional que fala sobre um amor incondicional por alguém que desapareceu, mas a presença dessa pessoa está constantemente na tua vida. Está no cheiro dentro de casa, está no sofá e é de uma profundidade gigante esta coincidência. Eu, quando fui para estúdio, já depois da minha mãe ter desaparecido, comecei a cantar este tema e não queria acreditar porque parece que foi um tema feito por encomenda. E, não. A verdade é que o tema apareceu antes de a minha mãe ter falecido. Esse é profundamente sentido.

"Fado Fantasma" - Marco Rodrigues

O outro também, e não menos sentido, não sendo um fado tradicional, mas foi uma música que me foi oferecida pelo Diogo Piçarra e pela Marisa Liz. O “Mãe”, que é um tema que fecha o disco. São dois grandes amigos que fazem parte praticamente do meu quotidiano familiar, digamos. Eles também a admiravam imenso. Não conheci ninguém que não a admirasse.

"Mãe" - Marco Rodrigues

Depois, temos o outro que é o “Sorte Grande”. Exatamente por esta ilusão que te falava há pouco. Esta coisa do vai-me sair o Euromilhões para a semana. E, mais uma vez, convidei o Boss AC para escrever uma letra antes disto tudo acontecer. Não foi feito de propósito para homenagear, mas depois acabou por fazer todo o sentido. Eu queria também mostrar nesse disco essa ilusão e essa forma de estar na vida com uma perspetiva de que tudo vai correr bem e de que tudo o que vai acontecer vai ser espetáculo. E acho que este tema também representa este lado feliz, da ilusão da vida. 

G. – Precisamente, como agora referias, este projeto conta também com a colaboração de Diogo Piçarra, David Fonseca, Tiago Nogueira e Ricardo Liz Almeida (d’Os Quatro e Meia), Marisa Liz, Tiago Pais Dias, Boss AC, Manuela de Freitas, Jorge Mangorrinha, Guilherme Pereira da Rosa e Tiago Machado. Queres-nos falar mais um bocadinho sobre a importância destes artistas nacionais para o teu projeto?

M. R. – O álbum Judite, embora seja um álbum de homenagem, não deixa de ser um álbum que está incluído dentro de um percurso. Percurso esse que a minha mãe é uma grande responsável. Já é quase a apanagem de nos meus discos eu gostar de ser um fadista a cantar temas que não são fado. E isso era uma coisa que deixava a minha mãe superorgulhosa.

A minha mãe estava-me sempre a dizer para não duvidar de que era fadista quando cantava outras coisas. Portanto, este disco também tinha de transparecer um bocado isso. Para além de repetir algumas parcerias consegui anexar outras. Por exemplo, o David Fonseca, com o “Eu sou do roque” e que fazia todo o sentido. Como te disse, há pouco, eu venho do Norte e venho das festas, dos arraiais e da música popular. E o “Eu sou do roque” consegue-nos transportar exatamente para essa realidade, para além de a nível de letra estar imensamente bem composta. É uma mensagem superfotográfica. E isso representa um bocadinho do meu trajeto. Eu comecei um bocadinho por aí. Por esses arraiais, por essa parte mais popular até chegar a Lisboa e conhecer o fado porque até aí nem gostava de fado. 

"Eu sou do roque" - Marco Rodrigues

G. – E quanto a concertos ao vivo para este projeto… Já existem datas?

M. R. – Felizmente, já tenho muitas datas que estão a ser agendadas. O disco tem uma semana, mais ó menos, por isso posso-me dar por feliz porque já tenho dois a três concertos por mês e ainda começou agora a ser marcada a agenda. Tenho também algumas saídas marcadas para o estrangeiro como França. E estamos agora a acabar de ensaiar para pôr a funcionar isto tudo no dia 1 de abril no Tivoli e arrancarmos com toda a força.

G. – Há alguma coisa que gostasses mais de destacar?

M. R. – Talvez falar na produção do Tiago Machado e falar também do facto de grande parte do disco ter sido gravado pelos músicos que estão comigo na estrada. Porque, às vezes, no fado nem sempre é assim. Muitas vezes, os músicos que são utilizados para gravar são uns e nas tournées são outros. E toda a minha equipa desde os técnicos de som até aos músicos também fazem parte deste Judite e da minha vida pessoal e da minha mãe. Portanto, também eles se sentem muito orgulhosos. 

"Passadiço" - Marco Rodrigues

À parte disso, o meu agradecimento a toda a equipa da Universal, que ultimamente tem sido incrível comigo. Pelo desaparecimento da minha mãe, pelo nascimento dos meus filhos, por tudo. Têm sido incríveis e sem a equipa incrível que tenho seria tudo mais complicado. 

Texto de Isabel Marques
Fotografias da cortesia da Universal Music Group

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