Em questões ambientais, como de resto em tudo na vida, é preciso ter bom senso. Quando nos apercebemos que é necessário mudar alguma coisa para tornar a nossa vida mais sustentável, o pior que se pode pedir é querer fazer tudo de uma só vez ou investir tudo numa só opção.
Um assumido amante de carne virar vegetariano é consideravelmente mais complicado do que esse mesmo indivíduo diminuir gradualmente o consumo de carne de 7 dias por semana para, por exemplo, 2 dias. E essa considerável diminuição de 62% — mas não total inibição — do consumo de carne ofereceria uma via ao debutante que não enlouquecer ou desistir do propósito.
O mesmo se passa com o automóvel, meio anunciado como um símbolo de liberdade e independência. Se pusermos em perspectiva, vemos que, na realidade, isso só seria verdade se houvesse apenas meia dúzia deles a circular pela cidade, pois o carro representa também uma prisão, em custo, consumo e paciência.
Numa altura em que as emissões aumentaram 6,2% relativamente ao período pré-pandemia (1), mais uma vez o bom senso tem de prevalecer. Decidir substituir todos os veículos de motor a combustão ou explosão por outros — novos — de motor elétrico não resolveria os nossos problemas pois implicaria consumir recursos naturais virgens, produzir resíduos e, ainda assim, continuar a sofrer com o trânsito! Além disso, vai desiludir as pessoas que julgam ser essa a melhor solução.
Qual a solução perfeita? Perfeita não é possível, mas existem maneiras de ir diminuindo progressiva, consistente e eficazmente o problema.
O ideal é uma combinação complementar de diferentes formas de mobilidade, porque as vivências de cada um são também muito diversas e os seus condicionalismos específicos muito díspares. A título de exemplo, sugere-se:
- Melhorar os transportes públicos coletivos, em conforto, horários e abrangência, facilitando o uso de passes intermodais e acessíveis, e instalando vias dedicadas exclusivas, em particular nos troços de vias rápidas em ambiente urbano.
- Expandir a rede de ciclovias dedicadas, já que a experiência indica que, quanto mais oferta houver, mais usadas são e, ainda assim, apesar de os mais resistentes não aderirem, quanto mais utentes houver, menos veículos a motor circulam.
- Restringir a circulação automóvel em todos os locais que disponham de oferta ampla de transporte público, abrindo apenas corredores de circulação para mobilidade suave ou emergência.
- Alterar radicalmente a concepção das ligações entre localidades, parques industriais e empresariais, zonas comerciais e de lazer, para permitir que cada um possa escolher o meio de transporte que mais lhe convém. Só assim se disponibilizarão alternativas efetivas e viáveis ao transporte individual motorizado.
Reflitamos: se mais 20% das pessoas optarem pelo transporte coletivo e 10% pelos meios de mobilidade suave, quão significativa seria a diminuição dos veículos motorizados individuais(2)!
Não existe uma só solução para a mobilidade, existem múltiplos caminhos que almejam o mesmo fim, e todos eles são válidos e complementares. É importante diversificar a oferta para que possamos adaptar estruturada e consistentemente as nossas rotinas, consoante o que nos seja mais conveniente em acessibilidade, custo e rapidez.
Bom senso e criatividade são necessários, mas mais premente ainda é a capacidade de reverter um caminho que reconhecidamente não resulta e de implementar rápida e radicalmente uma alternativa, com base em já documentadas experiências de sucesso.
-Sobre Francisco Ferreira-
Francisco Ferreira é Professor Associado no Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-NOVA) e investigador do CENSE (Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade). É licenciado em Engenharia do Ambiente pela FCT-NOVA, mestre por Virginia Tech nos EUA e doutorado pela Universidade Nova de Lisboa. Tem um significativo conjunto de publicações nas áreas da qualidade do ar, alterações climáticas e desenvolvimento sustentável. Foi Presidente da Quercus de 1996 a 2001 e Vice-Presidente entre 2007 e 2011. Foi membro do Conselho Nacional da Água e do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Atualmente é o Presidente da “ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável”, uma organização não-governamental de ambiente com atividade nacional.