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Opinião de Helena Mendes Pereira

O “Cervo” de José Rodrigues no cume da utopia

Se fosse vivo faria, dia 28 de outubro, 84 e cumpriram-se, a 10 de setembro…

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Se fosse vivo faria, dia 28 de outubro, 84 e cumpriram-se, a 10 de setembro de 2020, quatro anos sobre o seu desaparecimento. Falo de José Rodrigues (1936-2016), unanimemente considerado como um dos maiores nomes da escultura portuguesa a partir da segunda metade do século XX. Só na cidade do Porto, são perto de duas dezenas de obras de arte em espaço público de sua autoria, tendo com o “Cubo”, escultura que renomeou a Praça da Ribeira, criado um dos elementos identitários da cidade invicta.

Por todo o país, José Rodrigues plantou bronzes, complexas formas em metais e em pedras. José Rodrigues faz ainda parte daquela geração de artistas com apreço às matérias e que via a criação artística como elemento unificador dos contextos urbanos e das paisagens onde se inseria.

A obra vai somar uma estória, ainda que, em muitos casos, se tenha tornado a História. É o caso do “Cervo”, escultura inaugurada em agosto de 1984 e que evoca a lenda do “Cervo Rei” que será a origem destas “Terras de Cervaria”. O “Cervo Rei” terá vencido, primeiro com a sua manada, todos os invasores humanos (romanos, bárbaros, celtas, mouros) e, depois, sozinho por morte dos seus companheiros, um cavaleiro português, cumprindo a promessa de aquele monte ser, para sempre, reservado e dominado pelos animais, contrariando o resto do planeta, casa do Homem. Há mesmo quem diga que este veado se tornou imortal e que continua a vaguear por Vila Nova de Cerveira. Certo é que José Rodrigues projetou a escultura para que o corpo do animal fosse percecionado num raio de cerca de 10 km, empoderando e enaltecendo a força da natureza.

O caminho de acesso à escultura foi construído em 1988, transformando o espaço num miradouro com vista para o rio Minho. O momento foi integrado na programação da IV Bienal Internacional de Arte de Cerveira. José Rodrigues já havia descoberto e se instalado no Convento Sanpayo e era, à época, um artista de prestígio que já em 1983 havia doado a obra “Esforço” ao município. No “Esforço”, José Rodrigues já mira outro monte, o do Espírito Santo, e faz despertar o seu olhar e a sua curiosidade sobre os mistérios daquele cume.

Era artista das bienais desde o primeiro dia, em 1978, e havia sido Jaime Isidoro (1924-2009) a promover o coletivo “Os Quatro Vintes”, nos finais da década de 1960, de que fez parte. Os laços eram fortes e numa fase em que o mestre procurava a essência das formas no equilíbrio entre as aprendizagens, vanguardas e estilizações, que marcam o seu trabalho nas décadas de 1960 e 70, e a natureza que continha todas as subtilezas, todos os detalhes e todas as simbologias que deveriam interessar à criação artística, o “Cervo” convoca a essência da matéria bruta, do ferro, num aglomerado de planos que nos dão a figuração. Assenta sobre quatro pilares de betão, que lhe dão estabilidade e o fazem sobressair sobre toda a envolvente.

A escolha do local não foi, nem poderia ser, aleatória. Uma investigação, do arqueólogo Carlos Alberto Brochado de Almeida, indica-nos que no Alto do Castro, nesta Serra da Gávea, existem vestígios claros do castelo primitivo de Cerveira. As referências mais antigas à Terra de Cerveira datam do século IX e as Inquirições de 1258 fazem inclusivamente referência a uma torre, como elemento integrante do tal Castelo Cabeça de Terra de Vila Nova de Cerveira. O que é curioso, é que a referida investigação é, no mínimo, dez anos posterior à construção da escultura o que nos faz reforçar a intuição do nosso mestre, José Rodrigues, que à boleia de se ter apaixonado por esta terra à beira Minho, a quis sempre homenagear em Arte, dedicando-lhe talento e vida. Numa altura em que a Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira prepara o processo de classificação, como Interesse Público, do “Cervo” e de toda a área envolvente, interessa tornar pública a História feita de estórias e lembrar José Rodrigues que, de uma forma ou de outra, a intuiu perpetuar em ferro e utopia.

-Sobre Helena Mendes Pereira-

É curadora e investigadora em práticas artísticas e culturais contemporâneas. Amiúde, aventura-se pela dramaturgia e colabora, como produtora, em projetos ligados à música e ao teatro, onde tem muitas das suas raízes profissionais. É licenciada em História da Arte (FLUP); frequentou a especialização em Museologia (FLUP), a pós-graduação em Gestão das Artes (UCP); é mestre em Comunicação, Arte e Cultura (ICS-UMinho) e doutoranda em Ciências da Comunicação, com uma tese sobre a Curadoria enquanto processo de comunicação da Arte Contemporânea. Atualmente, é diretora geral e curadora da zet gallery (Braga) e integra a equipa da Fundação Bienal de Arte de Cerveira como curadora, tendo sido com esta entidade que iniciou o seu percurso profissional no verão de 2007. Integra, desde o ano letivo de 2018/2019 o corpo docente da Universidade do Minho como assistente convidada. É formadora sénior e consultora nas áreas da gestão e programação cultural. Com mais de 12 anos de experiência profissional é autora de mais de 80 projetos de curadoria, tendo já trabalhado com mais de 200 artistas, nacionais e internacionais, onde se incluem nomes como Paula Rego (n.1935), Cruzeiro Seixas (n.1920), José Rodrigues (1936-2016), Jaime Isidoro (1924-2009), Pedro Tudela (n.1962), Miguel d’Alte (1954-2007), Silvestre Pestana (n.1949), Jaime Silva (n.1947), Vhils (n.1987), Joana Vasconcelos (n.1971), Helena Almeida (1934-2018), entre tantos outros. É membro fundados da Astronauta, associação cultural com sede e Guimarães e em 2019 publicou o seu primeiro livro de prosa poética, intitulado “Pequenos Delitos do Coração”.

Texto de Helena Mendes Pereira
Fotografia de Lauren Maganete

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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