A palavra é uma arma poderosa.
É através dela que nós temos acesso à História e é através dela que fazemos História. Palavras são como sementes que ficam plantadas na nossa mente. A forma como nos comunicamos com o outro, tem um impacto, e a forma como o outro comunica connosco tem outro impacto. Todos nós somos feitos de palavras. Palavras de dor e palavras de incentivo. Palavras e expressões que os nossos pais e avós nos diziam quando éramos mais novos mas nós só começamos a entender depois de adultos. Palavras ou expressões que fazem tanta diferença na nossa vida que sentimos necessidade de as passar para as próximas gerações. Mas também há as palavras que magoam, que destroem, que geram violência, preconceito, dor.
As palavras podem mudar o mundo. A palavra propõe debate e reflexão, e acredito que esse foi um dos motivos que me incentivou a escrever auto publicar um livro que conta as vivências de uma mulher preta em Portugal. Porque é preciso contar estas histórias, é preciso revermos-nos nestas histórias para nos sentirmos capazes de fazer a mudança. A mudança começa muitas vezes na palavra, que depois torna-se ação.
Quem domina a palavra pode seguir dois caminhos: o de empoderar outros grupos ou de censurá-los. E este tipo de censura manifesta-se de várias formas. O preconceito linguístico é um deles e eu vi acontecer com muita frequência contra a comunidade PALOP que fala português “com sotaque” ou com outras variações. Isso expõe estas pessoas a vários constrangimentos como não conseguir um emprego ou uma casa para alugar, faltas de respeito em instituições públicas como hospitais, Finanças ou Segurança Social e perpetua o estereótipo de marginalização.
A palavra é uma ferramenta importante para o racismo estrutural. Afinal, o preconceito linguístico pesa muito mais às classes mais vulneráveis, com pouco acesso a uma educação de qualidade ou com pouco entendimento de uma estrutura linguística mais elitista, e por essa razão, muitas pessoas permanecem em subempregos e com péssima remuneração, ou vêm-se inseridas em situações comprometedoras.
A acessibilidade dentro da própria língua é necessária, e é um direito do povo pois é uma forma de emancipação. Precisamos de livros e artigos menos academicistas que explorem assuntos importantes. As instituições públicas precisam adotar uma linguagem mais acessível com menos palavras caras. Estas servem toda uma sociedade e não só parte dela.
A diversidade de sotaques dentro da língua portuguesa é um fascínio e eu gostava que fosse unânime pensar desta forma, sem exotismos. Mas nem sempre pensei assim. Cresci com a ideia de que não podia aprender a falar criolo da Guiné para não herdar o sotaque que os meus pais guineenses têm e ser alvo de mais preconceitos. Há uma espécie de distanciamento ou de comparação que se cria entre os negros da europa e os negros de africa justamente por causa disso: os sotaques.
Quantas vezes já não ouvi coisas do tipo “tu falas muito bem português”, como se só o português de Portugal fosse válido, como se só existissem portugueses brancos? Perdi as contas.
A palavra é uma arma poderosa. Seja falada ou escrita. Tenho uma preferência especial pela última, porque sinto que posso demorar-me mais nelas (as palavras) e também eternizá-las. É o compasso perfeito para me empoderar a mim mesma e outras meninas como eu.
-Sobre Sandra Baldé-
Escritora, DJ, e empreendedora digital, começou o seu percurso no digital em 2013 com o blog Diário de uma Africana, uma plataforma voltada para discussões raciais & de género e para autocuidado de pessoas negras. Em 2021 autopublicou o seu primeiro livro intitulado "Para Que Fique Bem Escurecido" cujo enredo gira em torno dos desafios da mulher negra num país maioritariamente branco.