Da sala de aula na Universidade podemos observar muito do que se vai passando no universo juvenil, principalmente se ligarmos uma visão sincrónica (que permite analisar crescentes diferenças na coorte atual- o ensino superior é, felizmente, cada vez mais diverso, embora permaneça desigual) a uma perspetiva diacrónica, a do fio do tempo ( os alunos que passam por nós, como um filme, sem que daí se extraia uma ilusão de fixidez do observador ou uma sensação de melancolia: o professor, se quiser compreender os seus alunos, tem de se envolver, não pode ser um pedagogo tecnocrata, friamente meticuloso ou inutilmente nostálgico).
Observo, participando, que os meus estudantes estão bastante dependentes da cultura das redes sociais, mas que, ao longo do percurso (em sociologia) adquirem uma visão crítica. Mesmo que permaneçam colados aos smartphones, selecionam mais os conteúdos, diversificam fontes, detetam potenciais manipulações e adquirem consciência sobre o controlo social que o capitalismo de vigilância exerce. Tal é particularmente notório nas questões de género, pois são capazes de perceber que a lógica sistémica induz conformismo e consumismo. Inúmeras alunas abordam a questão da disforia corporal ou da tirania influencer e as suas nefastas consequências na produção de um corpo legítimo e socialmente aceite.
Apenas uma pequena parte lê livros, mas esse grupo está em crescendo. As raparigas dessa fração minoritária leem ficção, ensaios feministas ou literatura fantástica; alguns rapazes, envolvidos no ativismo, devoram ensaios ligados ao pensamento crítico e à política. Em geral, passam muito tempo em casa, vão pouco ao cinema (que assistem em streaming) e quase nunca ao teatro ou a exposições. Escassamente se dedicam a atividades criativas (pintar, escrever, tocar um instrumento, coreografar, etc.).
Observo, ainda, um crescendo número de estudantes diagnosticados com neurodivergências e/ou perturbações de ansiedade. A maior parte dos casos emergiram com a pandemia, mas o medo, a incerteza e a vulnerabilidade vieram para ficar (afinal, é o próprio contexto social que o favorece).
Identifico, também, pelas inúmeras conversas e debates, que existe em muitos um receio do contacto com o outro e da experimentação sexual, adiando relacionamentos ou mantendo-os à distância. Não raras vezes evocam as vantagens do confinamento: maior controle sobre a sua exposição, menor risco de serem magoados ou desiludidos.
Há um imenso espaço de intervenção que permanece vazio. As universidades deixam os campus sem animação, sem oferta cultural (para além dos eventos científicos), sem mediadores institucionais. As associações de estudantes, quando não são contaminadas pela praxe, têm dirigentes pouco interessados no quotidiano juvenil. E a maior parte dos professores resigna-se ao pão nosso de cada dia: dão as suas aulas, escrevem os seus sumários, fazem as suas avaliações, cumprem programas, aceleram. Não observam, isto é, não escutam, não tentam compreender e não se deixam transformar.