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Para as associações lisboetas, os Santos não são apenas tradição, mas também resistência

Coletivos aproveitam a festa para reunir a comunidade local e trazer de volta a essência da tradição. Ao mesmo tempo, rentabilizam as festas para angariar fundos e financiar as suas atividades.

Texto de Sofia Craveiro

Fotografia do arraial Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes” 2024 cedida pela associação

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Após quatro anos a integrar o arraial de Santos Populares promovido pela Junta de Freguesia, a Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários do Beato e Penha de França decidiu, pela primeira vez, assumir o controlo e organizar de forma autónoma a sua celebração.

A vontade de honrar a tradição lisboeta e de aproximar a comunidade esteve na base desta mudança. Para Artur Costa, Coordenador Central de Comunicações e Operações, na zona do Beato a tradição dos Santos tem vindo a perder força, já que a crise habitacional e a gentrificação faz com que muitas pessoas se vejam obrigadas a deixar o centro da cidade e ir viver para outros locais. “As coletividades também sofrem um bocadinho com isso”, lamenta. 

O grupo de bombeiros voluntários decidiu, assim, assumir as rédeas da organização da festa, de forma a “impulsionar também um bocadinho aquilo que nós vivemos nas nossas infâncias e aproximar a comunidade aos bombeiros com este tipo de iniciativa”, diz o responsável. 

No número 4 da Rua Direita de Marvila as comemorações vão prolongar-se até ao final do mês de junho. São 22 dias de arraial, no total. O espaço, ainda provisório, é a atual sede da corporação, que após 94 anos viu cumprido o objetivo de mudar de morada. Para que as condições de trabalho sejam as ideais há ainda muito a fazer: é necessário transitar do edificado de contentores que ali foi colocado para um edifício permanente, adquirir mais equipamentos e veículos automóveis. As festas dos Santos Populares são uma ajuda valiosa, já que permitem angariar fundos para fazer face a essas despesas. 

Arraial dos Bombeiros Voluntários do Beato e Penha de França. Fotografia via Facebook

Além disso, a iniciativa é considerada uma forma de resistência perante todas as dificuldades enfrentadas pela coletividade, já que assenta no trabalho voluntário de todos os envolvidos. “Tudo o que estamos aqui a fazer é por ‘carolice’. Ninguém está aqui a auferir nenhum tipo de vencimento”, acrescenta o responsável. 

Em Lisboa, a quantidade exata de arraiais organizados por associações varia anualmente, pelo que não é possível contabilizar com exatidão. Apesar disso, sabe-se que a Câmara Municipal apoia, este ano, 16 coletividades, segundo o site Informação Lisboa. A autarquia disponibilizou um montante global de 80 mil euros, sendo que cada coletividade recebeu 5 mil euros, o que representa um aumento de mil euros relativamente a 2024. O grupo de Bombeiros Voluntários do Beato e Penha de França está nesta lista, assim como o Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes”, que organiza um dos mais conhecidos arraiais de Lisboa. 

João Lourenço, que integra a direção da associação desde 2023, afirma que a festa tem vindo a ganhar maior dimensão nos últimos anos, o que se reflete também numa maior complexidade logística. Por beneficiar de apoios camarários, há um conjunto de critérios a que a festa tem de obedecer, nomeadamente a nível de seguros, normas técnicas de electricidade, etc.

Apesar de estar num edifício arrendado, na Rua do Possolo, a associação tem trabalhado para “adiar o mais possível o aumento da renda”, segundo João Lourenço, que refere o Estatuto de Utilidade Pública da associação e o Estatuto de Edifício de Interesse Cultural como duas proteções relevantes e que permitem manter a situação “estabilizada”. Apesar disso, não nega a preocupação com o futuro. 

Neste sentido, os festejos populares são, para o responsável, uma forma de as coletividades mostrarem a sua “importância”, o seu “dinamismo” e a sua “força” servindo como espaços de partilha e convívio. “Olho para o arraial como algo que faz parte da vida em comunidade”, frisa. 

Numa Lisboa cada vez mais descaracterizada pelo turismo excessivo, os arraiais de junho são, para João Lourenço, uma forma importante de manter viva a tradição e essência da cidade. 

“Balão de oxigénio”

Sem os fundos angariados durante os arraiais dos Santos Populares, o Clube Atlético de Arroios não teria como dar continuidade a todas as 15 atividades que promove neste momento, desde xadrez, ioga, ao canto coral e ao teatro, entre outras. A festa anual, que se realiza na sua sede, na Rua de Arroios, é uma importante fonte de rendimento para o coletivo, incapaz de ser sustentável apenas com o valor das cotas dos associados. 

Alexandre Carvalho, que integra a direção do Clube, refere que a associação tem a vantagem de ser proprietária do edifício onde está sediada, mas nem por isso enfrenta menos dificuldades. “A festa é o nosso balão de oxigénio”, diz, destacando o esforço que é feito pelos membros do coletivo, que chegam a tirar dias dos seus empregos para poder trabalhar nas Festas. 

Tipicamente, o arraial do Atlético de Arroios acontece às sextas-feiras, sábados e em vésperas de feriados, até à meia-noite. A limitação horária é, para o responsável, uma desvantagem relevante, que prejudica a dinâmica da festa. “Nós vemos outros tipos de atividade e mesmo arraiais com licenças muito mais extensas, que são propriedades de grandes grupos, que já ganham quando fazem os festivais, quando fazem os concertos, mas que também se conseguiram agora introduzir neste meio”, lamenta. “Temos um ‘santódromo’”, diz Alexandre Carvalho, destacando que não é essa a dinâmica dos arraiais organizados pelo Clube. “Nós procuramos fazer algo que é familiar, algo que é seguro, algo onde os nossos filhos se movimentam em segurança”, além de também pretenderem “mostrar o que são capazes de fazer” enquanto associação.

“Desde logo, nós queremos sobreviver, não queremos o lucro independentemente de [qualquer coisa]. A questão de só fazermos em determinados dias, prende-se com essa vantagem, de fazer só na medida daquilo que precisamos, sem prejudicar aqueles que são os nossos vizinhos”, acrescenta. 

Na vizinhança, mais abaixo naquela rua, está a redação da revista digital Divergente, que este ano se viu a braços com múltiplas dificuldades para organizar o seu já típico “Arraial que Deu”.

A festa é uma importante fonte de angariação de fundos para o coletivo, já que permite assegurar o pagamento da renda do espaço da redação durante um ano, segundo explica Pedro Santos, jornalista. 

A realização de obras na Rua de Arroios foi a justificação apontada pela respetiva Junta de Freguesia para não conceder a licença para o arraial de santos da Divergente, já que a festa comprometia "em absoluto a segurança, a acessibilidade e a logística" necessárias”. 

“Neste momento, a obra encontra-se a mais de 200 metros da nossa sede, tendo inclusivamente o entroncamento com a rua Marques da Silva a separar-nos. A mesma obra — onde se vê um passeio totalmente esburacado — está pertíssimo do Clube Atlético de Arroios, que já anunciou que iria realizar a festa dos Santos Populares 2025. Face a esta informação, não compreendendo o porquê de o nosso pedido de licenciamento ter sido negado”, diz o jornalista que destaca as muitas tentativas feitas pelo coletivo para agendar uma reunião e resolver o problema.

O Gerador tentou contactar a Junta de Freguesia de Arroios mas não obteve resposta em tempo útil.

O coletivo da Divergente conseguiu uma alternativa: o arraial tem estado a realizar-se mas nos Jardins do Bombarda, nos dias 7, 8, 10 e 13 de junho. A equipa já anunciou que vai avançar com um processo contra a Junta de Freguesia, que acusa de ter levado a cabo uma decisão “discricionária”. Entre outras coisas, o arraial servirá para angariar fundos para pagar o processo judicial e continuar a resistir.

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