Redes sociais, desinformação, (i)literacia mediática, notícias, jornalismo. Todas estas palavras descrevem fenómenos ou elementos distintos, mas estão inevitavelmente ligadas por um ponto comum: a velocidade frenética de partilha de informação, que influencia a produção de conteúdos jornalísticos e pode gerar equívocos no momento de distinguir a verdade da mentira.
Foi com esta problemática em mente que o Gerador se propôs a explorar o jornalismo lento, tema de capa da última edição da revista Gerador. Para compreender verdadeiramente este conceito, foi essencial ouvir quem está nos bastidores, falar com os jornalistas e deixar que seja a sua experiência a esclarecer-nos.
Pedro Coelho, grande repórter de investigação da SIC e professor auxiliar na NOVA-FCSH foi um dos profissionais que aceitou dar o seu contributo. Sob o mote do jornalismo lento, o jornalista responsável pela célebre investigação sobre a extrema-direita europeia “A Grande Ilusão”, falou sobre os problemas enfrentados pela profissão, das dificuldades impostas aquando da formação em jornalismo, da falta de diversidade nas redações e do discurso de ódio de que também já foi alvo, através das redes sociais.
Esta é a primeira entrevista da nova rubrica Entrevistas com Jornalistas, que o Gerador irá lançar ao longo das próximas semanas e que irá debruçar-se sobre os grandes desafios que a profissão continua a enfrentar.
Gerador (G.) – Estamos aqui para falar de jornalismo lento. Partindo da sua experiência na televisão nacional, como avalia a importância de desacelerar a prática jornalística?
Pedro Coelho (P.C.) – De facto há um contraste enorme entre o jornalismo quotidiano e o jornalismo lento. Podemos entender que os dois são fundamentais à sociedade, ainda que os problemas que nós hoje identificamos no jornalismo, estão [presentes], sobretudo, no jornalismo quotidiano.
O jornalismo quotidiano, nesta fase, está claramente condicionado pelo mercado. Atravessa ainda os efeitos de uma longa crise de sustentabilidade que se instala na viragem do século, com a associação do jornalismo à Internet, que teve reflexos enormes nos meios tradicionais (e ainda não ultrapassámos esse problema). Sobretudo porque, em 2008, com a crise dos mercados norte-americanos, o efeito foi ainda maior nas empresas de jornalismo. Hoje, ainda estamos a atravessar essa crise.
E uma crise de sustentabilidade é, também, uma crise de ética, porque o jornalismo comprometido eticamente não é um jornalismo sustentável do ponto de vista dos valores. Por isso, aquilo que os estudos nos apontam – nomeadamente os estudos publicados anualmente, da Reuters – é que cada vez mais o jornalismo se deve desenhar num outro território que não o das notícias do dia. O futuro do jornalismo, a reconstrução do jornalismo, passa muito por esta ideia de qualidade. Aqui o jornalismo de investigação ou os longos formatos multimédia – demonstram-nos os estudos do Reuters Institute – por serem distintivos, cativam os leitores, os espetadores, etc. Isto é, de facto, a grande mais-valia do jornalismo: conseguir separar, ser distintivo, a ponto de conseguir distinguir-se de todas as outras formas de comunicação que circulam.
O jornalismo lento consegue mais [eficazmente] salvaguardar o jornalismo e os seus valores. Isto porque, se nós nunca controlámos a receção [de informação], hoje muito menos, porque a maior parte dos conteúdos é partilhada nas redes de interesse. A verdade e a mentira andam misturadas, e o jornalismo, por mais que se esforce, está a ter muita dificuldade em penetrar nesse universo do rumor e da mentira, em conseguir separar o trigo do joio. E - lá está - o jornalismo lento, o jornalismo de qualidade, tem essa possibilidade, porque tem mais tempo para apurar a prova, tem mais tempo para defender o quadro de valores do jornalismo.
Portanto creio, claramente, que o futuro do jornalismo passa por se tornar distintivo e tornando-se distintivo, passa por fazer este compromisso com o jornalismo lento, mais pensado, refletido, etc.
G. – Ou seja, admite o valor desta prática... mas, apesar disso, a verdade é que as redações não investem de forma sistemática neste tipo de jornalismo, de reportagem e de investigação...
P. C. – É verdade. Eu acho que a aliança com a Internet tem coisas positivas e coisas negativas. As negativas já falámos – portanto, a crise de sustentabilidade que o jornalismo hoje atravessa, é claramente um produto da associação entre o jornalismo e a Internet – mas há outras coisas verdadeiramente positivas, e eu acho que, mais cedo ou mais tarde, isso vai sendo descoberto.
Quando nós disponibilizamos uma grande reportagem de investigação em antena, nós reforçamos a nossa dose de credibilidade no canal e reforçamos as nossas audiências. Eu faço jornalismo de investigação a tempo inteiro há dez anos e não me lembro de nenhuma das minhas reportagens que tivesse tido uma má audiência. Falo por mim, mas posso falar por todos os meus colegas, que de vez em quando penetram neste universo da investigação jornalística ou do jornalismo lento.
Há jornalistas na SIC que, não sendo jornalistas de investigação, fazem jornalismo, fazem grandes reportagens, altamente elaboradas do ponto de vista visual e do conteúdo jornalístico. Estou-me a lembrar da Miriam Alves, que é claramente um bom exemplo. Não fazendo jornalismo de investigação, faz jornalismo de qualidade e todos os trabalhos que ela faz têm audiências extraordinariamente relevantes.
[Isto] é um encaixe duplo para o canal. Por um lado, reforça a credibilidade – e é da credibilidade que o jornalismo vive – por outro, provoca um encaixe financeiro direto. Percebemos que as receitas estão associadas a estes dois níveis: à credibilidade por um lado e ao impacto que gera junto das pessoas, por outro. E aqui, o jornalismo de qualidade está a cumprir nestes dois desafios, por isso será um erro de cálculo [desvalorizá-lo]. Talvez um segundo erro de cálculo, porque o primeiro foi no tempo em que se percebeu que o jornalismo associado à Internet, na ótica dos proprietários, poderia gerar uma multiplicidade de leitores no mundo inteiro e logo aí alargaria a fonte de angariação de publicidade (foi um erro de cálculo claríssimo). Agora, podemos estar a organizar um segundo erro de cálculo, porque percebemos todos – e os estudos da Reuters dizem-nos isso de uma forma muito objetiva – que o jornalismo de qualidade deve ser salvaguardado, mas tarda em fazer-se um investimento real nessa ótica da qualidade. E eu pergunto: “Porquê?”
Eu tenho algumas razões: desde logo a investigação jornalística pode ser prejudicial para os interesses da empresa, para o qual o jornalista trabalha, porque pode chocar de frente com os interesses dessa empresa, porque destapa verdades escondidas que, porventura, descultá-las pode trazer uma clara menos valia para o grupo para o qual o jornalista trabalha. Essa é uma razão. Depois, é um jornalismo muito atreito a processos judiciais. Isso são novos problemas que surgem não apenas para o jornalista, mas também para o lugar onde ele trabalha. Além disso, exige um investimento maior, exige jornalistas com perfil, exige tempo e alguma dedicação. A empresa tem de confiar no jornalista para que isso ocorra, mas, como tem de gerar receita imediata, tem mais dificuldade em alocar recursos para este tipo de jornalismo, de qualidade.
Nós mantemos um nicho na SIC, de jornalismo de qualidade, e esse nicho gera receitas diretas. Ele ainda não acabou e, na ótica do desinvestimento na qualidade, até podia ter acabado. E nós cada vez caminhamos mais, a nível global, para a televisão low-cost, no lado do jornalismo visual. Caminhamos muito para a televisão low cost, onde parece existir um fosso, cada vez mais crescente, entre o dia a dia – que é feito... eu diria, com os pés, sem grande regra, com pouco compromisso com os valores do jornalismo – e depois, do outro lado, há uma qualidade enorme. O que é que nós não temos no meio: a reportagem quotidiana, que é fundamental para o jornalismo, mas que nós estamos claramente a desinvestir.
Aliás, numa das cadeiras que dou na faculdade, todos os anos os meus alunos fazem um trabalho de avaliação da reportagem nos jornais televisivos generalistas. Todos os anos chegamos, em conjunto, à infeliz conclusão de que, as notícias com reações – que pomposamente são apelidadas de reportagem, mas que não são – dominam completamente os telejornais. São frescos televisivos, em que a pessoa vai para o lugar recolher uma reação independentemente da matéria visual que está a recolher.
A reportagem propriamente dita, que é a essência, é o género nobre do jornalismo, sofreu um grande desinvestimento. Digamos que a reportagem, nos jornais televisivos em Portugal, ocupa uma percentagem que oscila entre os 3 e os 7 por cento. Portanto, é quase insignificante. É este fosso que nós temos de preencher.
Eu creio que é para aqui que nós temos de [ir]. Não é o jornalismo lento, não é o jornalismo de investigação, aquele que demora semanas, meses, a fazer, é o jornalismo quotidiano, feito com qualidade. A qualidade jornalística tem de se associar, de uma vez por todas, ao quotidiano, sob pena do quotidiano desaparecer e se tornar indistinto. É porque daqui a um pouco já não há distinção entre uma coisa feita na SIC ou uma coisa feita numa televisão qualquer online, sem nome. Portanto, isto não pode ser assim, não pode ser assim.
G. – Será que uma das formas de combater esse desinvestimento que refere é através de bolsas jornalísticas? Esse tipo de apoios pode ter um papel relevante ou não é suficiente?
P. C. – Não é suficiente. Eu acho que essa iniciativa tem de partir dos próprios órgãos de comunicação social. Por um lado, se calhar, tem de haver uma reformulação da agenda, não é? Nós não temos de ir a todas, por que carga-d'água é que nós estamos a ir a tudo? Tem de haver uma seleção criteriosa daquilo que é feito e haver lugares de reportagem dentro dos jornais.
À partida, uma reportagem não demora mais tempo a fazer do que uma notícia com reações. Tem é de, o jornalista que vai fazê-la, saber fazê-la. Ninguém, quando o jornalista vai para o terreno, lhe diz: “Eh pá, não faças reportagem, recolhe só uma reação e tira umas imagens quaisquer para ‘pintar’”.
Na prática o que falta aqui, sabe o que é? É formação. Os jornalistas, quando vão para as redações, não sabem fazer reportagem, nem sabem distinguir reportagens de notícia. Se esta formação falhar no lugar para onde ele ou ela vai trabalhar, não há tempo para lhes dar formação. Porque – isto é uma coisa ilógica, mas que está claramente a acontecer – no tempo em que eu comecei na profissão, havia tempo para nos darem formação no meio profissional.
Eu, por exemplo, vim de rádio e tive uma adaptação muito solene na plataforma visual. Eu aprendi a fazer televisão quando cheguei à televisão, porque antes eu era da rádio, e perderam muito tempo comigo e com os meus colegas. Hoje já ninguém perde tempo com ninguém. As pessoas, se não aprendem na faculdade a fazer reportagem, quando chegam à redação também não vão aprender e criam-se ilusões. A ideia de que muita gente ensina reportagem na faculdade é falsa.
Eu fiz agora um estudo, com a professora Sandra Marinho e com um professor brasileiro, sobre a presença da reportagem nos planos curriculares e avaliámos todos os planos curriculares em Portugal, dos 28 cursos de jornalismo/comunicação. Só dois – isto é inacreditável – só duas unidades curriculares têm o termo reportagem no nome. Depois há algumas que têm alguns compromissos com a reportagem, mas a maior parte delas não trata a reportagem, tratam a notícia porque, de facto, a notícia é a base, mas se o aluno de jornalismo se ficar apenas pela notícia...
Aprender a fazer uma notícia é uma coisa simples. É uma técnica – eu diria – quase, rudimentar. É aquilo que mais facilmente se aprende a fazer, não é? Pode ser muito difícil sabermos o que é notícia – esse é outro desafio - agora, fazermos uma notícia, é uma coisa que, com um bocadinho de técnica, nós rapidamente lá chegamos. Onde é que nós todos temos mais dificuldades? É a fazer a diferença, é fazer a reportagem, construir a história. Então em televisão ainda mais difícil isso é, porque é colocar as imagens ao serviço da história. É captar as imagens e construir a história a partir das imagens, e isso é um exercício difícil. Eu batalho muito sobre isto na faculdade, com os meus alunos, mas creio que não acontece muito nas faculdades... Creio não, agora já tenho a prova de que, de facto, acontece muito pouco.
Há um grande compromisso com a notícia e um escassíssimo compromisso com a reportagem e, depois, o jornalista quando chega à redação, como já ninguém forma ninguém, as pessoas fazem aquilo que aprenderam mal nas faculdades. Isto é... temos de estar inquinados, isto tem de mudar.
G. – Qual é o maior desafio que enfrenta durante o desenvolvimento dos seus trabalhos de investigação?
P. C. – Eu tento sempre estabelecer – e esse é o maior desafio – uma articulação entre forma e conteúdo. O conteúdo é obviamente o mais importante. Ou seja, o conteúdo jornalístico num trabalho de longo formato, seja de investigação ou outro, é sempre o mais importante mas, quando se trabalha numa plataforma visual, tem de se estabelecer um compromisso com a forma. “Como é que eu vou contar esta história, que é boa?”
Às vezes tenho a consciência de que a história que tenho é muito forte jornalisticamente, e eu trabalhei nela o suficiente para ter a prova – o que me mostra ainda mais que ela é boa – mas depois falta o lado visual. E eu estabeleço um compromisso com a forma que é muito anterior à emissão. Eu, quando tenho a história mais ou menos cavalgada do ponto de vista jornalístico, começo imediatamente a pensar como é que eu vou contar esta história extraordinária em televisão. Esse é o maior desafio, é ultrapassar aquilo que a investigação jornalística me obriga a que ultrapasse, porque, se nós pensarmos bem, há uma contradição de termos entre investigação jornalística e televisão.
A investigação jornalística, no fundo, tenta descobrir aquilo que está oculto e a televisão mostra, ou seja, eu na televisão tenho a obrigação de mostrar aquilo que é oculto. É uma contradição, não é? Como é que eu vou conseguir, em televisão, mostrar aquilo que é oculto, aquilo que ninguém me mostra, aquilo que ninguém me deixa ver? Pronto, é esse o desafio, é aí que assentam todas as minhas batalhas.
G. – O que pensa acerca da relação do jornalismo com as redes sociais? Quais acha que são, atualmente, os maiores problemas ou as maiores vantagens da mesma?
P. C. – Eu acho que tem vantagens e tem problemas, naturalmente. Acho que o problema maior é esta luta que está a surgir – que é invisível, mas que existe – entre o jornalismo e a partilha de informações falsas nas redes sociais. O jornalismo não está a conseguir lidar com isso, então criou aquela ideia (na minha ótica absurda) dos programas [como] o 'Polígrafo', de fact-checking. Se o jornalismo se preocupa apenas em descobrir a mentira... eu acho que o jornalismo se deve preocupar é com a verdade, e preocupa-se com a verdade construindo a verdade, não é vendo o que é que é verdade e o que é que é mentira. Ainda por cima dando visibilidade a coisas que não passam de rumores. Isto a mim causa-me alguma perplexidade, confesso... e é uma rendição do jornalismo às redes sociais, ainda por cima.
Eu acho que não é rendendo-nos às redes sociais que nós conseguimos separar o trigo do joio. Nós só separamos o trigo do joio se encontrarmos, de facto, possibilidade de tornar o jornalismo distintivo. Isto é uma coisa, jornalismo, isto é outra coisa, não tem nada que ver connosco (independentemente de nós sabermos que os conteúdos informativos são amplamente consumidos através das redes sociais).
Portanto, nós temos de criar fórmulas de, sem nos apartarmos das redes sociais, construir possibilidade de que os nossos conteúdos serem consumidos com a nossa marca nas redes sociais. Ou seja, não é pelo facto da plataforma de distribuição ou de partilha ser fora da nossa que nós podemos deixar de controlar. Nós não podemos deixar de controlar a rede de partilha, porque é o nosso conteúdo que lá está. Temos de ser sérios a ponto de acompanhar todo o processo de distribuição das nossas histórias, de forma que a nossa história não se deixe contaminar pela informação falsa. Este é o maior problema do jornalismo, é quando tudo circula no mesmo lugar. O falso e o verdadeiro confundem-se e, ainda por cima, o falso tem uma tendência natural para ser mais comentado, mais replicado... e isto é perturbador.
Eu, agora, nesta história da [reportagem] “Grande Ilusão”, em que fui vítima da falsidade e do discurso do ódio de uma forma muito ampla, sei, infelizmente, muito bem daquilo que falo, porque é muito difícil nós interagimos com as coisas negativas que escrevem sobre nós. O que apetece é fechar as caixas de comentários, que foi a decisão que muitos órgãos de comunicação social tomaram. [Foi] “vamos fechar as caixas de comentários, não somos câmaras de eco de ódio”... mas isso também tem outro problema, que é: onde é que os conteúdos são partilhados? Nas redes sociais. Então nós vamos fechar o acesso às redes sociais que é onde os nossos conteúdos são partilhados? Então estamos a matar a nossa distribuição.. portanto estamos aqui nesta encruzilhada que é muito difícil de gerir.
O que eu acho é que nós temos de monitorizar o nosso trabalho nas redes sociais e, sempre que for possível, tentar construir a verdade a partir das redes sociais. Distribuir os nossos conteúdos pelas nossas próprias mãos, acho que é uma tarefa que nos pertence e que se torna obrigatória nesta nossa Era. Mas [a relação entre jornalismo e redes sociais] tem vantagens, lá está. Desde logo porque as pessoas estão lá, comunicam nessas redes sociais, temos de estar lá. Depois, também surgem histórias a partir desses lugares de partilha. Muitas das histórias que nós fazemos, ou continuação de histórias, é a partir de lá. Temos de estar atentos, temos de fazer essa filtragem. Digamos que, ao atribuirmos maior poder ao público, também temos de esperar do público alguma coisa em troca, e o que ele nos dá em troca, claramente, é a possibilidade de nós investigarmos novas histórias.
G. – Então como é que se lida com a possibilidade de estarmos a lidar com perfis falsos, com contas especialmente pensadas para causar distúrbio e perturbar o debate público?
P. C. – Eu não tenho uma resposta para lhe dar. Eu apercebi-me – e eu tenho 31 anos de jornalismo, alguns deles já na era das redes sociais –, mas nunca me tinha apercebido de uma carga tão negativa. Eu, na minha conta de Twitter, ainda assim chegam coisas muito dispersas mas todas elas num sentido muito simpático. Eu não estou no Facebook, mas a equipa [da SIC] fez a monitorização do que se escrevia sobre nós e sobre as reportagens no Facebook, sobretudo no [perfil] da SIC, e aquilo é um esgoto, é um esgoto a céu aberto. Depois, tivemos de selecionar, sistematizar todas aquelas matérias, porque algumas delas constituíam ameaças à minha integridade física. Tivemos de juntar isso e colocar num processo que está em andamento. Nem sequer fomos nós quem apresentou a queixa, foi uma entidade internacional, o IPI – International Press Institute, mas pediram-nos que identificássemos as ameaças.
Nós estamos a fazer esse exercício. A equipa andou através de perfis falsos, que criaram eles próprios, para poderem entrar nas bolhas. Começaram a captar muitas dessas mensagens, que eu tive de ler, e a sensação não é boa. Eu aí não tenho nada, não tenho resposta nenhuma para lhe dar porque eu não consigo levar a verdade a quem só vive da mentira, não consigo.
Não sou o mercador da verdade a esse nível, para essas pessoas, porque se chega ali e [elas] não abrem a porta. Elas só querem aquilo, não querem outra coisa. E eu isso, sinceramente... acho que não há mesmo nada a fazer. A única coisa que nós podemos ir tentando, é inundar as pessoas de verdade. E inundar as pessoas de verdade provada, com provas à prova de bala, é um exercício muito difícil jornalisticamente, mas eu acho que é a nossa única tarefa. Isto porque eles [pessoas que fizeram ameaças] nunca criticaram o conteúdo jornalístico. Eles gozaram comigo, com as minhas características físicas, fizeram a filtragem de tudo aquilo que eu publiquei no Twitter desde 2009 – portanto, andaram a tentar inventar ligações minhas a partidos políticos etc. – tudo isso eles fizeram, mas eu tenho de ser superior, apresentando o meu trabalho. Pronto... é mais um desafio e, no limite, vou tentar que subsista uma parcela significativa de pessoas que confia no meu trabalho.
Mas a tentativa de descredibilização foi muito grande, foi demasiado grande. Eu não sei como se controla isto, confesso. A única coisa, insisto, é inundarmos as pessoas de verdade. De verdade [quero dizer], de aproximações à verdade (porque a verdade não é alcançável).
G. – Alguma vez esse tipo de ataques pessoais o desmotivou, de certa forma, ou o fez pensar duas vezes no trabalho que estava a desenvolver?
P. C. – Sim, nós pensamos sempre, mas depois – lá está – no final... tem de ser a nossa consciência a ditar as regras. No final, [quero dizer] e à medida que nos aproximámos do fim. [Esse] foi também o momento mais complexo do ponto de vista das acusações e dos ataques – nós pensamos “caramba, mas isto é um trabalho que está à prova de bala”, ninguém criticou o conteúdo jornalístico, portanto estamos à vontade.
Somos enxovalhados, maltratados, ridicularizados por um conjunto de pessoas cujo grau de literacia é muito reduzido e que, de facto, estão disponíveis para criticar, para receberem as narrativas que lhes são apresentadas por pessoas em que eles alegadamente confiam. Não há nada a fazer relativamente a isso. [A minha atitude] não foi baixar os braços, foi apenas pensar que estávamos a trabalhar para um bem maior e o bem maior é o resultado deste trabalho que eu acho sinceramente que, tendo envolvido muita gente, teve um efeito social positivo.
Sei que, se calhar, foram menos as pessoas que convenceu do que aquelas que criticaram – provavelmente terá sido –, mas eu também não sou educador da humanidade. Não me tenho nesse papel. Tenho de contribuir com minha profissão, com a minha missão para aproximar as pessoas da verdade. É essa a minha obrigação, e eu essa acho que cumpri. O contrato que eu estabeleci com o público foi cumprido. Esta frase não é minha, é da Martha Gellhorn. O contrato que ela estabelecia com o público ela cumpria, e isso deixava-a satisfeita. Olhe, eu estou na mesma. Sinto que o contrato com o público, com as pessoas, está cumprido, e isso deixa-me satisfeito.
G. – Tudo o que referiu acaba por estar relacionado com literacia mediática. Na sua opinião, as práticas jornalísticas atuais promovem essa literacia?
P. C. – A questão da literacia mediática é uma questão muito sensível. Eu acho que nós, em Portugal, ainda não fizemos um investimento na formação ao nível da literacia mediática, estamos ainda muito afastados dessa possibilidade. Noutros países, a literacia mediática é trabalhada desde o ensino básico. Nós aqui não temos essa preocupação e eu acho que isto se nota.
Esta incivilidade que circula nas redes sociais é fruto do grau de iliteracia mediática que as pessoas têm. A forma como o jornalista se deve também transformar num "organizador" – eu não posso utilizar a expressão porque ela não é correta – mas alguém que contribui para a formação das pessoas, ajudando-as a separar o trigo do joio, é uma matéria que me parece que só é possível se houver predisposição das pessoas que acolhem a mensagem para essa missão. Nós podemos tentar, mas se a sociedade estiver virada para o outro lado, é difícil. Depois, nós também percebemos que o fosso que está criado entre eleitores e eleitos é muito grande. Vemos, por exemplo, que as camadas mais jovens da sociedade, estão muito dessintonizadas com a decisão política e a decisão política está muito dessintonizada com elas. Não é normal que uma pessoa que termina um mestrado vá trabalhar para uma empresa de jornalismo em que ganha 600 ou 700 euros por mês. Ninguém está a olhar para estas camadas jovens.
Não é à toa que estas pessoas estão muito próximas do discurso malabarista do André Ventura, porque ele, não tendo nada para lhes oferecer, oferece-lhes retórica e as pessoas que são ou estão desencantadas solidarizam-se com esta retórica com alguma facilidade. O que é estranho é que, se tivessem uma consciência cívica mais apurada, facilmente perceberiam que aquela retórica não as leva a lado nenhum, mas não estão a conseguir fazer esse exercício.
Acho que há um desligamento forte entre as pessoas e os valores sociais e não é a formação universitária que compensa essa tragédia, porque, claramente, parece haver também algum descompromisso da parte da formação. Não apenas na área de jornalismo, mas na área das Ciências Sociais e Humanas e na área das Ciências Exatas. Há aqui um... parece-me uma desobrigação. Ensinamos às pessoas aquilo que elas têm de aprender, o core dos cursos, e depois há um desligamento. A família desliga-se mas a escola também se parece desligar deste compromisso com as regras sociais, com a civilidade, com a discussão, com as coisas que moldam as sociedades vivas e fortes como deveria ser a nossa (e eu creio que não é).
Nós estamos socialmente incompletos, e eu acho que, aqui, a escola tem um compromisso que não está a cumprir. A interligação entre a escola e a família provavelmente também não está a correr da melhor maneira possível. As pessoas até podem tirar boas notas nos cursos, mas socialmente elas estão muito limitadas, não é? Porque, digamos que a especialização começa cedo demais. Talvez a formação universitária devesse ser um pouco mais abrangente no primeiro ciclo, de forma que as pessoas não se fechassem logo, porque lhes faltam competências sociais que, se não as trazem do secundário, também não as vão ter na faculdade, e eu acho que é preciso reforçar essas competências. É preciso reforçar o pensamento, e acho que há uma desvalorização do pensamento na universidade. Isso é altamente lesivo da sociedade, é altamente lesivo.
G. – Têm surgido recentemente alguns projetos de jornalismo alternativo, que tentam cada vez mais investir em trabalhos de profundidade. Refiro-me, por exemplo, ao Fumaça, Shifter... Qual é a sua opinião relativamente a este tipo de iniciativas? Há alguma destas, ou outra, que conheça e aprecie?
P. C. – Agora vai surgir um novo projeto também – era para surgir no dia 25 de abril – vai chamar-se 74, que é um outro projeto muito interessante, na minha ótica, de jornalismo de investigação. Irá sobretudo tratar as temáticas degenerativas da sociedade, em concreto os fenómenos da extrema-direita, etc. É um projeto que eu, indiretamente, apoio e acho que pode ser uma lufada de ar fresco, não apenas no jornalismo de investigação, mas também no jornalismo de investigação preocupado.
G. – É um projeto de alunos seus?
P. C. – Não, não, é um projeto de jornalistas e académicos. Gente muito jovem, é certo, alguns deles são muito jovens, mas não foram meus alunos. Eu, de facto, ainda estou ligado a um projeto que fundei, com outras pessoas, o REC – Repórteres em Construção [que foi também alvo de uma reportagem da revista Gerador 34], que é uma zona de interligação entre a academia e o mundo profissional, em que basicamente trabalhamos a reportagem.
Trabalhamos amplamente a reportagem, não apenas do ponto de vista da construção, como também da decisão, num olhar amplo. É um trabalho feito por professores de jornalismo, jornalistas e alunos, dirigido aos alunos de jornalismo em Portugal, que também me parece que está a caminhar saudável. Cresceu dificilmente, mas agora já vai caminhando saudável.
Depois ouvi falar do vosso projeto [o Gerador], não o conhecia. Conheci através de duas alunas minhas que concorreram a uma bolsa com um projeto que estavam a desenvolver, sobre a discriminação racial. Acabaram por não conseguir ganhar, mas ficaram muito bem cotadas na avaliação que foi feita pelo Gerador.
Depois, entretanto, sei também d’A Mensagem [de Lisboa], que comecei agora a perceber os contornos e também a ligação que tem com a faculdade onde eu dou aulas. Tudo o que tenha a ver com a aliança estratégica entre a academia e o mundo profissional me encanta e acho que as duas coisas aliadas funcionam bastante bem. Portanto, eu sou altamente favorável a tudo isto.
A única coisa que me preocupa é que tudo isto ainda funciona para nichos, mas, se nós pensarmos bem, a televisão generalista funciona cada vez mais para um nicho...portanto, quanto mais nichos bons houver, melhor. É isso que nós temos de trabalhar. É bom que existam, é muito bom que existam, até porque isto também prova que a nova geração não está conformada.
O pior que pode acontecer é as pessoas chegarem às redações e baixarem os braços. “Agora já aqui estou, vou respirar e vou fazer aquilo que querem que eu faça”, isso é a coisa pior que pode acontecer e eu estou sempre a assistir a isto. E, confesso-lhe, que já me incomodei com várias pessoas em que eu apostei verdadeiramente e que depois se revelaram umas conformistas (e eu detesto o conformismo).
Acho que, se uma pessoa aos 25 ou 26 anos se conformar, para mim acaba enquanto cidadã. Pode-se regenerar, mas se continuar com aquela atitude, para mim não interessa, sinceramente. Os alunos a quem eu dei melhores notas foram sempre aqueles que tiveram opinião – mesmo contrária à minha, se eu a expressei – e que mostraram, e que a defenderam. Isso entusiasma-me, ver isto nas novas gerações.
Portanto, eu acredito nesses projetos que refere, sinceramente. Acho que são uma salvaguarda do futuro do jornalismo, sobretudo, se forem destinados à massa mais jovem, àquela que está mais desprotegida, então melhor ainda. Só espero que o mercado funcione e que lhes dê razão para eles continuarem. Isso é fundamental, é determinante.
G. – Infelizmente falar das novas gerações é falar de precariedade... Acha que esse problema também provoca uma maior falta de diversidade das equipas, não apenas a nível etário mas também a nível cultural etc.?
P. C. – Sim, isso é claríssimo. Acho que tem toda a razão. Ou seja, eu percebo que hoje, na SIC, a classe média pura e simplesmente não entra. Eu sou de classe média, nasci uma família de classe média – classe média na fronteira entre o baixo e o médio mesmo – e tenho a consciência que, se hoje eu viesse diretamente da minha família para entrar na SIC, eu não entrava. Não chegava lá. O direito de admissão está reservado. A cunha não funciona...mas funciona, percebe? Há aqui uma limitação no acesso claríssima, e eu não tenho dúvidas nenhumas.
Depois há outros fatores distintivos, e, na televisão, isso infelizmente, marca muito. Se for um jovem ou uma jovem bonitos, distintivos do ponto de vista da beleza, têm mais possibilidades.
Eu lembro-me de uma história que li em 2004, da Bonnie Anderson, que era uma jornalista da CBS. Ela escreveu um livro muito interessante, em que já revelava essa tendência, de os jovens jornalistas nas televisões serem escolhidos pela cara. Fossem homens, fossem mulheres eram escolhidos pela cara, não interessava as competências, não interessava o que sabiam, eram escolhidos pela cara. Nós hoje estamos a assistir a isso na televisão de uma forma desmesurada.
Nós ligamos a televisão, quer a TVI 24, quer a SIC Notícias, quer a RTP3 – mas sobretudo a TVI 24 e até a SIC Notícias –, e nós não vemos ninguém normal. Não é possível, caramba! As pessoas são todas normais, mas vemos caras lindíssimas de pessoas que podiam estar a desfilar na passerelle. Nada tenho contra os bonitos – atenção, absolutamente nada –, mas acho que há aqui um excesso de beleza nas televisões, que é outro critério de admissão e não devia ser. Perturba-me que seja.
Por outro lado, há a questão social e depois a questão racial. Nós temos agora na SIC o Claúdio [França]. O Cláudio é, para além de tudo, um bom jornalista. Digo para além de tudo porque ele foi posto ao serviço de uma causa, mas ainda bem que aceitou e ainda bem que a SIC o colocou em antena e ainda bem que ele é um bom jornalista – no meio disto tudo está-se a revelar um bom jornalista. Está em crescimento, naturalmente, apesar de tudo - eu digo que apesar de tudo, insisto, porque de facto, ele aceitou sujeitar-se a esta situação: “É preciso termos alguém de cor, alguém que tenha ascendências africanas...
G. – ... que dê resposta a este clamor social...
P. C. – ... a este clamor, exatamente! Mas ainda bem que o Cláudio lá está e ainda bem que ele se tem revelado um bom jornalista, porque esta diversidade é determinante. Caramba, quer dizer, nós não somos todos de Cascais, nem somos todos da Lapa, nem somos todos... daquelas zonas nobres do Porto, como a Avenida da Boavista, etc. Essa diversidade é determinante para o jornalismo.
Já percebemos o que implica o quadro de preconceitos no jornalismo e, se nós viermos todos do mesmo lado, temos uma tendência para pensar igual, e o jornalismo não se faz com pensamento único. Tem de haver diversidade e, nas redações, sempre houve diversidade. Havia, quando eu entrei na profissão, uma enorme diversidade etária. Havia pessoas de 60 e tal anos que estavam lá até aos 65, 66, 67 e havia outras, que eram tarimbas apenas, que não tinham vindo sequer da faculdade.
A faculdade tem coisas ótimas, e eu acho que já não se pode fazer jornalismo sem ter um compromisso grande com a academia. Não é possível, na minha ótica, mas também [porque] a realidade mudou e o jornalismo é hoje uma profissão muito complexa – muito mais do que era no momento em que eu cheguei – mas a faculdade aqui, de alguma maneira, veio moldar muito o acesso, porque só chegam à faculdade, sobretudo às faculdades que contam, os alunos com médias mais elevadas. E, infelizmente, nós também sabemos que os alunos com médias mais elevadas tendem a vir de famílias mais endinheiradas.
Eu, há pouco, estava a conversar com um miúdo que está com uma bolsa num colégio do Porto, mas é de classe média-baixa, e o miúdo é um extraordinário aluno. Tem 19,4 de média e sabe que só vai para a faculdade se conseguir uma média que lhe pague o curso, de outra forma ele não vai conseguir fazer faculdade. Nós corremos o risco de perder um miúdo com aquela competência apenas porque os pais são pobres. Isto é altamente perturbador, perturba-me muito, confesso.
Portanto, é importante que tenhamos gente de todos os lados no jornalismo. Esta é claramente é uma profissão que tem de ser diversa, e eu acho que a falta disso é altamente penalizadora do jornalismo, disso não tenho dúvidas.
G. – Essa questão que mencionou das universidades que importam... Que oportunidades haverá para alguém que estuda jornalismo numa faculdade do Interior ou numa faculdade que não tenha uma relação direta com os grandes meios de comunicação nacionais?
P. C. – É um problema complicado. São dois problemas, na minha ótica. Por um lado, eu acho que nós devíamos estar a pensar na necessidade de criar meios de comunicação social de proximidade robustos, que não tivessem que depender do mercado para sobreviver, porque se o mercado a nível nacional é fraco, a nível regional é inexistente. Portanto, nós não podemos pôr órgãos de comunicação social robustos, dependentes do mercado.
Na minha ótica, deveria ser feita uma aliança estratégica entre as faculdades e a criação de órgãos de comunicação social regionais verdadeiramente potentes, que pudessem abarcar os quadros que se formam naquela região. Mesmo que as pessoas queiram vir para Lisboa, nós precisamos de uma comunicação social de proximidade forte, com jornalismo de facto, porque senão a macrocefalia não acaba. Toda a gente nesta área diz aquilo que eu disse há 30 anos quando comecei, que é “eu não posso trabalhar na minha terra” – eu sou do Alentejo e queria muito ter ficado. Na altura queria muito ter ficado, mas ia fazer jornalismo onde? Eu já estava numa rádio local na altura, lá na minha terra, que não me dava dinheiro absolutamente nenhum, eu não conseguia viver. “Vou fazer jornalismo onde?” [questionei] Não tinha qualquer oportunidade de fazer, mas eu acho que o tempo evolui.
Nós, nesta altura do campeonato, já devíamos ter um conjunto diverso de meios de comunicação social, fora de Lisboa e do Porto, que tivessem sustentação suficiente para dar emprego a jovens quadros formados nas universidades regionais. Nós temos uma capilaridade de cursos muito interessante. Todas as áreas do país estão cobertas com cursos: Interior, Litoral, Norte, Sul, Centro. Há cursos de jornalismo em todas as áreas geográficas e tem de haver aqui uma relação direta entre estes cursos e a possibilidade de construirmos um mercado de jornalismo mais forte a nível regional.
Nós não temos de vir todos para o Porto ou para Lisboa. Aliás, nos países ditos “normais”, as pessoas até começam muitas vezes pelas regiões e depois vão dando nas vistas e são captados para chegarem aos meios comunicação social nacionais e o recrutamento é feito por essa via. Nós aqui não.
Estamos a recrutar um conjunto diverso de estagiários, pelos critérios que já falamos aqui: os critérios sociais, por um lado, os critérios pela cor da pele, como falámos também...estamos a fazer isso tudo. [Esses] são aqueles critérios amputados e nós precisamos de construir um outro tipo de acesso ao jornalismo, a começar nas comunidades de proximidade. É natural que queiram vir para Lisboa, eu também tive de vir para Lisboa, e eu digo: eu tive de vir. Se pudesse ter ficado em Évora, tinha ficado em Évora, mas não havia como trabalhar em Évora na altura. Eu sou de Montemor, Évora é ao lado, e seria o centro mais óbvio para eu poder trabalhar, mas não tinha como. Se houvesse um órgão de comunicação social, em Évora, potente, poderoso e com força, com expressão regional eu teria ficado lá, não tenha dúvidas. Eu teria ficado e acredito que, como eu, muita gente – agora era incapaz de voltar, confesso – mas na altura teria ficado. E eu sei que há muita gente assim, que, se pudessem continuar nos lugares onde estudam, ficariam, mas tem de vir tudo para Lisboa.
Depois... os que vêm das regiões do interior, dos politécnicos do Interior... os cursos são menos bons. Eu digo-lhe isso porque conheço bem a realidade nacional ao nível dos cursos e sei que os cursos são menos bons, porque os professores são menos bons. Isto é um ciclo, não há muito aqui a fazer. Quer dizer, há: se os mercados forem mais fortes ou se o Estado contribuir para empoderar – uma palavra interessante [risos] – estas escolas e estes putativos órgãos de comunicação social que possam surgir.
Acho que não interessa nada nós termos 600 jornais locais e regionais que são folhas de alface que apenas se limitam a angariar publicidade e do ponto de vista de mensagens jornalística são fracos, não servem para nada. Isto também é complexo. Sinceramente acho que depende sempre do Estado, um país pequeno depende sempre do Estado... mas qual é o drama? Dependermos do Estado para cumprirmos um serviço público?