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Pergunta da Sorte com Cordel

Cordel é o novo projeto dos cantautores Edu Mundo e João Pires. Uma dupla que…

Texto de Andreia Monteiro

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Cordel é o novo projeto dos cantautores Edu Mundo e João Pires. Uma dupla que já assinou a composição de alguns autores portugueses, apresenta agora um projeto em que interpretam as suas criações inspiradas na profundidade das raízes tradicionais portuguesas unidas pela lusofonia. Edu Mundo, que é Márcio Silva no cartão de cidadão, é o compositor, poeta e natural contador de histórias do Porto. João Pires é o compositor e exímio guitarrista Lisboeta, que tem vivido no Brasil, em Belo Horizonte. Após dois anos de composições a quilómetros de distância, juntam-se para apresentar os já conhecidos singlesSe vieres amanhã” e “Manual da Canção”. No dia 17 de maio, esperamos um novo single, “S. João”, e o disco de estreia, e Volume I de uma trilogia anunciada, tem data marcada para 31 de maio nas lojas em Portugal e em todas as plataformas digitais.


Em jeito de celebração de abril, foi na noite de dia 25 que fui até à Fábrica do Braço de Prata para ver um concerto dos Cordel em modo de ensaio geral. A sala estava recheada de amigos e curiosos, esgotando todos os lugares sentados e a lotação da sala com os lugares em pé. Não escondendo alguns nervos, é Márcio quem toma as rédeas da narrativa e, com um sentido de humor bem apurado, dá-se início a um concerto que nos faz viajar pelos caminhos da lusofonia, mas também sentir o coração cheio à medida que somos presenteados com as composições e letras da dupla. Sem rótulos, embalagens ou preconceitos, podem ser ouvidas influências de melodias tradicionais, como a chula, o vira, o fado-canção e até a marcha popular com ritmos africanos e brasileiros. Já as letras, recuperam a poesia popular da literatura de Cordel que se aproxima das novas gerações. Entre aplausos, gargalhadas e boa disposição num ambiente familiar, deram a conhecer canções que ainda não foram lançadas e um espetáculo que vale a pena ser presenciado pela sua boa disposição, música ímpar e pela viagem de uma aprendizagem que se faz acompanhada da viagem traçada pelas guitarras, bateria, voz e poesia.

Um dia antes, encontrei os Cordel, na companhia da Ana, Daniela, Patrícia e Eva da Fado in a Box, num restaurante chinês em Telheiras. Já almoçados, mas ainda à espera dos cafés, pareceu ser o pretexto perfeito para uma partidinha no jogo da Pergunta da Sorte, ainda para mais com a proximidade do lançamento do seu novo single, “S. João”, no dia 17 de maio. Entre o sotaque do Porto do Márcio e o sotaque lisboeta condimentado com a doçura brasileira do João, fui preparando o jogo. Tabuleiro montado, sentei-me numa cadeira entre o Márcio e o João e expliquei as regras do jogo para, sem mais demoras, ingressarmos nesta viagem da sorte. Foi o Márcio quem passou o dado ao João para fazer as honras neste jogo. O dado rola, e avançamos duas casas. Começamos o jogo com uma Pergunta da Sorte, em que posso fazer a pergunta que escolher na altura.

Pergunta da Sorte: Têm vindo a traçar um caminho na composição para artistas como Ana Moura, Aline Frazão, Sara Tavares, António Zambujo, Omara Portuondo, Coladera ou Fogo Fogo. O que vos fez passar a interpretar as vossas canções, agora?

João Pires (JP): Porque há doze mil quilómetros de distância, o que é muita distância. Essa distância demorou dois anos até ser materializada e podermos cantar as canções agora. Em dois anos, íamos fazendo canções. Uma numa semana, ou num mês fazíamos duas, e materializávamos essas canções. Mas daí a tocar catorze ou quinze canções é diferente.

Márcio Silva (MS): Quando ele diz materializar, diz terminar, de alguma forma, a canção, mas ele lá, em Belo Horizonte, e eu no Porto. Ou seja, nós chegávamos à consciência de que a canção tinha terminado, mas nunca tocávamos juntos a canção. É a mesma coisa que estarmos a jogar um jogo de computador em rede, em que estás do outro lado, e nunca jogarmos juntos. Esta, na verdade, foi a única ou das poucas oportunidades que tivemos…

JP: A jogar o mesmo jogo.

MS: A jogar o mesmo jogo, no mesmo espaço. Termos a capacidade de estarmos fisicamente no mesmo sítio.

Andreia Monteiro (AM): Se durante estes dois anos em que estiveram longe, estiveram a escrever músicas, quando se juntaram em pessoa houve surpresas? Coisas que à distância faziam sentido e depois já não era bem assim?

MS: Sim, e o contrário também. Há sempre esse tipo de projeções. Por exemplo, na maior parte das vezes que acabo de escrever uma canção, à noite, vou para a cama a pensar, pelo menos durante aquele sono, que aquela canção é incrível. Vou para a cama a pensar que fiz a melhor canção da vida. Depois, o dia seguinte diz-me que afinal não. A maior parte das vezes é isto que acontece. Acho que quem tem um bocadinho deste trabalho já sabe que as projeções individuais são qualquer coisa que gostaríamos que acontecesse, mas nem sempre acontece. Acho que esta gestão, pelo menos da nossa parte, foi bem-feita. Mas sim, agora porque temos possibilidade de estar juntos.

Juntos, seguimos viagem jogo fora. Agora é a vez do Márcio lançar o dado. Seis casas à frente temos direito a mais uma Pergunta da Sorte, pelo que o Márcio me conforta dizendo que agora são sempre perguntas minhas.

Pergunta da Sorte: É preciso mais coragem para fazer uma canção ou para a abandonar quando é preciso?

MS: Para abandonar. Abandonar é um ato de coragem muito maior do que fazer uma canção. Fazer uma canção é muito mais gratuito do que abandonares um dado adquirido, pelo menos da minha parte. É muito mais fácil arranjares um namorado do que o largares. (risos)

AM: Está certo! – digo a tentar recuperar a fala depois desta conclusão do Márcio que me apanhou de surpresa – Então, se houvesse um Manual da Canção, escrito por Edu Mundo (Márcio Silva) e João Pires, quais seriam os ingredientes fundamentais para criar uma canção?

MS: Os que tem. É preciso arder a casa, é preciso pôr-se a nu, é preciso abrir a oração e tudo isso são, de alguma maneira, indicações encriptadas do que na verdade são gestos banais dum compositor. Se estiveres continuamente a dizer não e a recusar a hipótese, seja ela qual for, a probabilidade de fazeres uma canção é diminuta. Um compositor pode ser o que ele quiser, para além de ser um compositor. Como compositor, posso ser um cão-d ‘água, como posso ser uma grávida de seis meses, como posso ser um viúvo de oitenta e dois anos. Eu escolho isso. Agora, depende da minha capacidade de transformação, para o fazer bem, ou não, mas começa por aí. Agora é o João a responder!

“Manual da Canção” (Ter Peito e Espaço), de Cordel

JP: A quê? Do Manual? (risos) Não sei, acho que é isso. Por acaso, ia dizer que é um estado de espírito também.

MS: Sem dúvida!

AM: Fazer uma canção?

MS: Sim, é preciso entrar num certo transe.

JP: Ou uma antena, não é? Está sempre uma antena que nem precisa de ter instrumento. É uma antena que vai trazendo informação e que a gente codifica em melodias.

MS: Depois, há várias coisas que podem acontecer. Por exemplo, comigo acontece sair de casa e estar uma velhinha à janela, minha vizinha, que nunca falou comigo. Fico curioso em saber qual é o tom de voz dela. Ando ali semanas a tentar, e há ali um dia em que lhe digo olá e ela decide responder. Diz assim: ‘então filho?’ E aquele som da entoação vai, a dada altura, misturar-se com as minhas ideias e vira uma melodia.

Chega a vez de o João voltar a lançar o dado, que nos manda avançar seis casas, indo parar ao número 14, em que nada acontece. Voltamos a dar corda ao dado e avançamos cinco casas. Desaguamos numa pergunta Pessoal, em que as cartas fazem perguntas sobre a vida pessoal do artista, e é o Márcio quem vira a carta que nos revelará a pergunta.

Pessoal: Qual é a primeira coisa que fazes ao acordar? E a última ao deitar?

MS: A primeira coisa que faço é sair da cama e a última, ao deitar, é entrar na cama.

AM: Incrível. (risos)

MS: Estou a ser sincero!

AM: Entras na cama e adormeces?

MS: Não. Estou-me a defender porque dizem que é uma pergunta pessoal, mas acho que é isso que eu faço. A primeira coisa que faço ao acordar é…

JP: Abrir os olhos.

MS: Não, às vezes ainda penso antes disso.

JP: Eu não penso. Não tenho muito espaço para ficar a pensar quando acordo. Agora, ao deitar, eu penso.

MS: Ah! Então, vamos falar sobre isso. Então, dizes que pensas à noite e depois não abres o jogo? Eu penso à noite…

JP: Normalmente, à noite, eu penso. Depende. Penso em várias coisas.

MS: Já estou a enterrá-lo. (risos) Joga, joga. Estás a ir bem.

Voltamos, então, as atenções para o dado. O João lança o dado, e avançamos duas casas, indo parar a uma Pergunta da Sorte, que o João diz ser uma oportunidade para eu brilhar.

Pergunta da Sorte: O que é que podemos fazer para deixar o tempo ir a ganhar?

MS: Esquecer o relógio.

JP: Viver.

MS: É esquecer que existe o relógio. Tomar consciência de que o tempo é eterno. Acho que o maior ditador de todos os tempos é o relógio. É aquele que te manda, constantemente ordena-te. Não te aconselha, ordena-te.

JP: Aproveitar ao máximo o estarmos aqui.

MS: Sim, aproveitarmos ao máximo, mas não no sentido de gastar ao máximo, mas sim com a consciência de que o tempo, se calhar, é a maior invenção do Homem para o controlar, por si só. Então, deixar o tempo ir a ganhar é um bocado isso. É aceitar que ele vai sempre querer ser o vencedor e, no fundo, vai. Mas é preciso tomar essa consciência.

JP: É bonito! É bonito! É bonito! (risos)

“Se Vieres Amanhã”, de Cordel

O dado volta a ir para as mãos do Márcio. Três casas à frente, chegamos à casa do Sê Criativo, que lança um desafio que o convidado tem de resolver de forma criativa.

Sê Criativo: Faz o trecho de uma música com as 5 palavras que te vou dizer.

JP: Já me safei!

MS: Tem calma que, a seguir, vais tu fazer hip hop.

JP: Não, não. Já me safei.

Avanço com a escolha de cinco palavras para a composição do Márcio. Olho à minha volta, e as palavras que me ocorrem de repente são: chinês, Porto, mar, viagem e tempo. Passei um papel e uma caneta ao Márcio para ele começar a escrever uma estrofe. Enquanto tal, o João disse, entre gargalhadas, que até ia pedir um café para o acompanhar no testemunho deste processo. Já o Márcio disse-me que não ia cantar a sua estrofe, mas sim escrevê-la para depois a declamar.

A letra escrita por Márcio Silva com base em cinco palavras escolhidas previamente

 

Podes ouvir a declamação da sua bela estrofe em baixo. Parece que o Márcio tem mesmo o dom da palavra.

AM: Oh, que bonito!

MS: Safaste-te, Jonhy boy.

O melhor é não gritar vitória antes de tempo, afinal nunca se sabe que surpresas a Pergunta da Sorte nos reserva. O João lança o dado e, quatro casas à frente, vai parar ao número 28, em que nada acontece. Volta a lançar o dado e, agora sim, andamos duas casas em direção a uma Pergunta da Sorte.

Pergunta da Sorte: As canções que lançaram, até hoje, já ganharam várias vidas em versões que outros artistas fizeram. Era algo que procuravam que acontecesse? E até que ponto é que ouvir estas versões vos permite crescer dentro da vossa própria forma de as cantar/ tocar?

MS: Essa é uma boa pergunta. João.

JP: Não sei. Vou falar por mim, OK?

MS: Eu depois falo por mim.

JP: Exato. Da minha parte, não é uma coisa planeada, mas é uma coisa que faz bem ao ego e sabe muito bem ouvir pessoas a cantarem as tuas canções. Acho giro.

AM: E muda alguma coisa na tua interpretação depois de as ouvires?

JP: Não. Até porque sou péssimo em interpretação a não ser a minha. (risos)

https://www.facebook.com/cordelmusica/videos/2185486681700444/?t=26

Versão de “Se Vieres Amanhã”, por Tiago Nacarato e João Salcedo

MS: Eu penso um bocadinho diferente do João. Acho que uma canção cantada por outra pessoa é como uma história contada por outra pessoa. Essa pessoa, de alguma maneira, vai adaptar a história às suas palavras, os tempos. Uma história depende do tempo, das pausas e de onde as colocas. Então, é interessante ver uma canção tua espelhada noutra pessoa. Isso é bom, mas o melhor de tudo é… uma pessoa só canta uma canção quando existe, dentro dessa canção, uma parte da pessoa que está a ouvir essa canção. Quando cantas uma canção minha é sinal que existe alguma coisa tua lá dentro. Não é só porque estás a cantar a canção. Para a sentires, tem de ter alguma coisa tua lá dentro. Os livros mais bonitos que já li são meus, foram escritos para mim, apesar de a pessoa não me conhecer. Mas ele escreveu o livro para mim. Sei disso, apesar de ser control freak. Com as canções acontece um bocado o mesmo. As canções vivem por si só, e nós não temos, na maior parte dos casos, mão nelas. É raríssimo haver um controlo de escrevermos uma canção e sabermos quem a vai cantar. As canções tomam vidas que nós nunca lhes demos e serem cantadas por outras pessoas é fazer parte dessa nova vida, nova roupagem que, à partida, não contemplamos. Para mim, é isso que acontece. A música ser cantada por outra pessoa é ganhar essa nova vida que está lá do outro lado. Na verdade, quando acaba a canção, ela deixa de ser minha. Já é de quem a ouve. Cinquenta por cento do trabalho de uma canção é feito por quem ouve. Só fiz metade do trabalho, a outra metade é quem a vai ouvir e interpretar dessa maneira, é quem a vai acabar.

Versão de “Se Vieres Amanhã”, por Emmy Curl

AM: Que resposta tão bonita!

Continuamos a nossa caminhada pelo tabuleiro. Desta vez, o dado revela o número cinco ao João. Somos confrontados com a casa da Carreira, em que as cartas revelam perguntas sobre a vida profissional do artista.

Carreira: O que podemos esperar do projeto em que estás a trabalhar agora?

MS: Podem esperar música. Podem esperar uma intenção de aliar conhecimento de música popular, com algo esteticamente mais contemporâneo. Podem esperar uma vontade e curiosidade enormes de querer explorar esse universo que, a meu ver, não é explorado decentemente. Acho que essa exploração devia ser um respeito para com uma matéria que está lá e se vê, na maior parte das vezes, sozinha, solitária. Quando digo essa matéria, estou a falar de música tradicional portuguesa. Pelo menos da minha parte é isso que se espera, o esforço de tentar aproximar mais o popular do erudito. Tornar isso mais colado, apesar de os dois universos serem repelentes. Normalmente, o popular não é aceite pelo erudito e vice-versa. O meu objetivo era tentar conseguir que esses dois dessem as mãos e falassem um bocadinho.

AM: Também vem aí o “S. João”, não é?

MS: Sim. Se bem que os eruditos não são muito apologistas de saltar à fogueira. Os populares, sim. Os eruditos não comem sardinha no pão e, às vezes, não lhes fazia nada mal. Assim, como os populares irem ouvir umas óperas de vez em quando.

JP: Com certeza. Também é verdade.

AM: No dia 17 de maio, lançam o single “S. João”. O que é que a festa de S. João nos pode ajudar a esquecer?

MS: Tudo!

AM: O tempo.

MS: Dá para esquecer o tempo, por si só. Na maior parte das vezes, vens para casa de madrugada e de gatas. Se não vens de gatas, vens a raspar uma das paredes. É muito parecido com o Santo António, só que tem mais cabelo e, em vez de segurar o menino, segura um carneirinho. O São João tem mais calor, é mais novo, por isso só veste uma pelezinha de cordeiro. O Santo António já é mais cota, mais clássico. O Santo António não percebe o hip hop. Agora voltando à conversa, uma festa pagã normalmente faz esquecer o lado da agrura da vida. Normalmente, as festas populares ou pagãs são para celebrar qualquer coisa relacionada com o costume daquela localidade. O São João, claro que tem nome de santo e de cristão, mas a festa pagã do São João já existia antes do São João existir e falava da bênção e da felicidade de, de repente, podermos outra vez usufruir das colheitas. Tinha acabado o frio, e voltamos outra vez a semear para colher em setembro. É isso que acontece com o São João: esquecer a fome, esquecer a tristeza, esquecer o desespero, esquecer todas essas coisas que quando há falta de comida, ou falta de provisões, isso é inevitável de nos lembrarmos todos os dias. Então, a festa pagã fala sobre isso, sobre a bênção de poder usufruir das colheitas.

Colhendo as surpresas com que este jogo nos vai brindando, o João volta a lançar o dado. Cinco casas à frente, temos mais uma pergunta Pessoal.

Pessoal: O que mais repudias numa pessoa e o que mais gostas?

JP: Repudio uma data de coisas. Mas o que mais repudio numa pessoa é desonestidade, uma pessoa que aparenta ser uma coisa que ela não é. A coisa que mais gosto? Acho que o que eu mais gosto é a guitarra.

MS: A coisa que eu mais gosto numa pessoa é a guitarra! (risos)

JP: Ai, é numa pessoa! O que é que eu mais gosto?

AM: Das pessoas que trazem uma guitarra?

JP: Gosto de muitas coisas em pessoas. Não sei, gosto da pessoa. Gosto da existência de uma pessoa que eu gosto. Acho que é isso. O que mais gosto é que ela existe.

AM: Que lindo!

MS: Oh, que fofi na bumbinha. O que mais gosto numa pessoa é o nascimento dela e o que menos gosto é a morte dela. Está feito!

Avancemos jogo! Desta vez, é o Márcio quem dá corda ao dado. Andamos cinco casas e temos mais uma pergunta Pessoal.

Pessoal: Qual foi a coisa que te disseram que mais te marcou até hoje?

MS: Foi: Márcio, não vais passar o décimo segundo. (risos)

AM: Aconteceu?

MS: Não, estou a brincar! (risos) A coisa que mais me marcou até hoje… não sei. Assim no geral, acho que a melhor coisa que me disseram foi, Márcio chegou a tua bateria do correio, ou a tua guitarra no correio. Não tenho assim marcas de guerra, ou notícias grandes. Na maior parte dos marcos que tive na minha vida, fiz parte deles, então ninguém me veio contar coisas que me marcassem. Olha, ‘ouvi a tua música na telenovela’. Marcou-me isso. Fiquei traumatizado durante bastante tempo.

JP: Eu sei: ‘vou ser pai!’ Com certeza. São as duas a ver com paternidade. Uma foi que ia ser pai e a outra foi ‘é agora! Vira-te e toma o pano.’ Acompanhei o processo. Foi um daqueles processos naturais na banheira e ela disse, ‘é agora’ e atirou-me um pano. Agora? Agora recebe e recebi mesmo.

MS: Pode ser? Aceitas estas respostas?

AM: Aceito, pois!

Cada vez mais perto da reta final, voltamos a lançar o dado. Quando o dado para de girar, exibe o número seis.

JP: Não queria nada acabar!

MS: Também estás a andar aos seis de cada vez!

Temos oportunidade para ver respondido mais um desafio do Sê Criativo.

Sê Criativo: Um amigo teu está triste, porque partiu uma unha. Que playlist lhe recomendarias? (sugere, no mínimo, cinco músicas).

JP: Se isto acontecer comigo, acabou! É fim de carreira, acabou, esquece. É horrível, e isso já me aconteceu. Parece que…

MS: Parece que és um tigre sem garras. (risos)

JP: É mesmo!

AM: É a primeira vez que alguém não ridiculariza esta pergunta.

JP: Eu não ridicularizo nada, acho-a bem séria!

MS: Pois é. Na verdade, as unhas fazem parte do instrumento.

JP: Portanto, playlist tinha de ser com uma daquelas músicas zen. Aquelas que ficam no mesmo tom.

MS: Então, um mantra budista de dez horas no YouTube. Esta é a primeira música. Vamos às outras quatro.

JP: Não sei. Não pode ser nada que tenha que ver com guitarras.

MP: Pode ser a “Happy” do Pharrell Williams? Também tem dez horas seguidas no YouTube. Pode ser o barulho da chuva, que também tem no YouTube.

JP: É bom, sim, senhor!

MP: É a melhor coisa do mundo. Por exemplo, bate-me uma nostalgia do inverno em julho. Não boto só o som da chuva. O que é que eu faço? Ar condicionado no menos, fecho a janelinha, e chuva a bombar no YouTube, e estou ali no inverno. Vou buscar a manta. Não, estou a inventar isto tudo. Não tenho ar condicionado em casa, mas diz lá que não caíste nesta! Falta uma, João! Pode ser o “Don’t Worry Be Happy” do Bobby Mc Ferrin?

JP: Para ti? Não sei. Gostava de ouvir um Cinema Paraíso, porque aí não há tristeza.

MS: Ai não, não há.

JP: E olha que, para mim, é uma coisa triste partir uma unha. Já não parto uma unha há bastante tempo. Desde a última vez que parti uma que disse, nunca mais! (risos)

MS: Eu não parto uma unha desde a última vez que parti uma unha, não é?

JP: É horrível. Ficas mesmo maneta.

MS: Sim, estamos a falar de dois homens que tocam guitarra e que ficam escandalizados por partir unhas.

A duas casas do fim, o Márcio pega no dado e diz que vai acabar com o jogo agora, mas parece que se engana, quando o dado o leva a avançar apenas uma casa, indo ainda parar a uma pergunta Pessoal.

Pessoal: Se amanhã pudesses largar tudo sem quaisquer problemas, o que farias?

MS: Amanhã? Amanhã, vou tocar à Fábrica do Braço de Prata, não vai dar.

JP: Se pudesses largar tudo? Largar o quê?

MS: Começava por largar o João Pires, que é um chato de primeira.

JP: Hum, duvido.

MS: Na verdade, já estou desapegado de quase tudo. Não tenho assim muita coisa para largar. Provavelmente, largaria um certo cinismo que sou obrigado a ter. Para viver neste meio, é obrigatório ter um certo cinismo e eu largava-o logo.

JP: Eu largaria o Brasil do Bolsonaro, fácil. E todos os votantes de Bolsonaro, também.

Ainda com esperança de vermos respondida mais uma pergunta, o João volta a lançar o dado, que revela o número três. Chegamos à Casa Gerador, a casa final do jogo, em que o entrevistado irá responder a uma pergunta do convidado anterior e deixar uma pergunta para o próximo. Ainda se lembram da pergunta do Pedro Luzindro: “Se pudesses conhecer uma pessoa já falecida, quem seria?” Podes rever a pergunta do Pedro aqui. Vê o vídeo em baixo para saberes qual a resposta do Márcio e do João e a pergunta que deixaram para o próximo convidado da Pergunta da Sorte. Vemo-nos em breve!

Entrevista por Andreia Monteiro

Se queres ler mais crónicas da Pergunta da Sorte, clica aqui.

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