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Opinião de Cátia Vieira

O que está a acontecer às mulheres no Afeganistão?

Nas Gargantas Soltas de hoje, Cátia Vieira fala-nos sobre a situação das mulheres no Afeganistão.

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O Afeganistão é um dos países mais difíceis para se ser mulher, atualmente. Quarenta anos de guerra, a pobreza crónica, os desastres naturais e as consequências da COVID-19 já eram uma combinação trágica, levando a que 75% da população com necessidades fossem mulheres e crianças. Mas o regresso dos Taliban ao poder, em Agosto de 2021, na sequência da retirada das tropas ocidentais do país e da fuga do presidente afegão, Ashraf Ghani, tornaram a vida das mulheres afegãs num terror, que não pode ser ignorado.

A Amnistia Internacional, em parceria com a Comissão Internacional de Juristas (CIJ) elaborou um relatório, no final do mês de Maio, cujo título incisivo demonstra a gravidade do contexto das mulheres do Afeganistão — The crime against humanity of gender persecution in Afghanistan (em português: A guerra dos Taliban contra a humanidade de perseguição de género no Afeganistão). Nesta investigação, as entidades defendem que as ações por parte dos Taliban, como a discriminação e a repressão das mulheres e raparigas, podem constituir crimes ao abrigo do direito internacional, nomeadamente o crime contra a humanidade de perseguição de género.

Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional, afirmou: "Desde que assumiram o poder, os Talibãs impuseram severas restrições aos direitos das mulheres e das raparigas afegãs. Que não haja dúvidas: esta é uma guerra contra as mulheres – excluídas da vida pública; impedidas de aceder à educação; proibidas de trabalhar; impedidas de circular livremente; presas, desaparecidas e torturadas, se se posicionarem contra estas políticas e procurarem resistir à repressão. Estes são crimes internacionais, organizados, generalizados e sistemáticos”1.

Ao contrário da declaração que os Taliban fizeram quando tomaram o poder, na qual assumiam um compromisso para proteger e garantir os direitos das mulheres, assegurando que, dentro dos limites da Sharia, estas poderiam ir à escola, trabalhar e desempenhar certas funções sociais; este relatório evidencia o oposto, demonstrando que a opressão de mulheres e raparigas cresceu exponencialmente, desde que os Taliban controlam o Afeganistão. 

Um dos principais objectivos é delimitar, ou até mesmo, eliminar a presença das mulheres do espaço público. E de que forma? Em primeiro lugar, estão impostas restrições gerais como as de liberdade de movimento e de código de vestuário. Em Maio de 2022, os Taliban emitiram um decreto, no qual declarava que as mulheres não devem ausentar-se dos seus domicílios, excepto se for necessário; quando o fazem, em contexto público, têm de cobrir os seus rostos e serem acompanhadas por um homem, apelidado de mahram. As mulheres que se encontram em público, sem o acompanhamento desta figura masculina, são assediadas e agredidas frequentemente. Além destas restrições à liberdade de movimento, determinados espaços são atualmente interditos às mulheres como parques ou ginásios. As questões relacionadas com o vestuário começaram por ser uma recomendação por parte dos Taliban em 2021, sendo que aconselhavam o uso de um hijab, que cobrisse o corpo na sua totalidade, à excepção dos olhos. Um ano depois, estas recomendações foram formalizadas e tornaram-se numa imposição.

Também foram impostas restrições no acesso à educação. As meninas do Afeganistão estão proibidas de continuarem os seus estudos, após o ensino primário. Segundo o relatório, esta proibição não foi repentina; foi, sobretudo, uma consequência de um conjunto de medidas que foi afastando e desvalorizando a presença das raparigas e mulheres nas escolas afegãs. Em Dezembro de 2022, tornou-se oficial: as autoridades proibiram as universidades do país de aceitar candidaturas de mulheres.

Apesar de não ter sido emitido um decreto que proíba as mulheres de trabalhar, excepto se for para as Nações Unidas ou ONGs, tem-lhes sido vedado e dificultado o acesso à vida profissional. Por exemplo, no domínio privado, a presença de um mahram mostra ser um impedimento à contratação ou permanência das mulheres nos seus postos de trabalho. O acompanhamento deste homem torna-se num inconveniente no fluxo dos negócios, como acaba por se revelar ineficiente no seio das próprias famílias, já que aquele indivíduo se torna assalariado. 


Em Setembro de 2021, apenas um mês depois da transição de poder, os Taliban acabaram com o Ministério dos Assuntos da Mulher. Nessa sequência, também colocaram fim a uma lei para a eliminação da violência contra as mulheres, instituída em 2009. Esta lei pressupõe a introdução de 22 crimes, de foro sexual ou de género, como a violação ou o casamento forçado. Com a eliminação da lei e do próprio ministério, as vítimas ficaram numa situação ainda mais vulnerável e a questão do casamento forçado, entre menores e membros dos Taliban, tornou-se numa das maiores preocupações.

Apesar dos riscos para a sua segurança, as mulheres afegãs têm organizado manifestações e protestos pacíficos. Contudo, como reportado pelas Nações Unidas, os Taliban servem-se da força para dispersar e terminar estas atividades.

Na sequência destas imposições e restrições, as mulheres do Afeganistão têm sido detidas de forma arbitrária, torturadas e insultadas. Em alguns casos, famílias relatam desaparecimentos de mulheres, após as suas detenções. Este é, sem dúvida, um ataque generalizado e sistemático à população feminina afegã. Neste sentido, as entidades que levaram a cabo esta investigação deixam recomendações. Se algumas se destinam à comunidade internacional, outras são propostas para os Taliban. Da nossa parte, resta-nos apoiar as mulheres do Afeganistão e não esquecer.


https://www.amnistia.pt/afeganistao-crime-contra-a-humanidade-de-perseguicao-de-genero/

-Sobre Cátia Vieira-

Cátia Vieira diz que não tem ídolos, mas chorou quando o Leonard Cohen e a Joan Didion morreram - e até sabe o mapa astral deles. Também diz que não é grande fã de pessoas, mas não pára de ler livros que esmiuçam a mente humana. Por isso, é que estudou Estudos Portugueses e frequentou o Doutoramento em Modernidades Comparadas, na Universidade do Minho. Como se já não lesse muito (o T1 está a ficar pequeno para as gatas e livros), também escreve. Lola, o seu primeiro romance, foi publicado em 2021, pela Penguin Random House, e encontra-se, neste momento, a escrever a sua segunda obra. À noite, dá-lhe para escrever poesia. Também trabalha como directora criativa na Selafano e fundou a Alma Interior Design Studio, uma marca de design de interiores. Vive em Braga e publica as suas leituras e ideias sobre a vida e o mundo em @catiavra. 

Texto de Cátia Vieira
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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