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Portugal 2030. E depois da consulta pública?

Não aprendemos nada com o passado? Em março de 2021, o Governo reforçou os mecanismos…

Opinião de Francisco Cipriano

Fotografia da cortesia de Francisco Cipriano

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Não aprendemos nada com o passado? Em março de 2021, o Governo reforçou os mecanismos de apoio ao setor da cultura, tendo em conta os efeitos económicos e sociais emergentes da situação pandémica, de forma a contribuir para que o tecido cultural e artístico pudesse não só fazer face aos compromissos de curto prazo, mas também contribuir para a manutenção e o relançamento das respetivas atividades durante e após o surto pandémico.

O programa Garantir Cultura (GC), que compreendeu dois subprogramas, Garantir Cultura para o tecido empresarial com 30 milhões de EUR e Garantir Cultura para as entidades artísticas singulares e coletivas que prossigam atividades de natureza não comercial com 23 milhões de EUR, revelou-se um enorme sucesso, constituindo uma resposta ímpar no contexto do financiamento ao setor cultural e artístico. Assume particular sucesso o GC tecido empresarial, que consiste num apoio, a fundo perdido, às atividades artística e cultural, em particular à criação e programação culturais, vocacionado para micro, pequenas e médias empresas do tecido cultural, permitindo a remuneração do trabalho artístico e técnico e a mitigação dos impactos restritivos na atividade artística e cultural. Esta iniciativa, de candidatura simplificada, foi assumida pelo Portugal 2020, no Programa COMPETE 2020. Saldando-se de um enorme sucesso e eficácia, como pode ser esquecida no Portugal 2030?

O Portugal 2030 deve ser capaz de capitalizar e expandir a experiência positiva do programa Garantir Cultura. Pese embora as numerosas referências ao setor cultural e criativo no texto do Portugal 2020, a estrutura programática implementada não refletiu tal ambição. Ancorado na prioridade de investimento 6.3 “Conservação, Proteção, Promoção e Desenvolvimento do Património Cultural e Natural” e na prioridade de investimento 9.1 “Inclusão Ativa”, assumiram particular destaque os avisos dos Programa Operacionais Regionais, “Programação Cultural em Rede” e o “Cultura para Todos”. O primeiro enquanto instrumento de diferenciação e competitividade dos territórios designadamente através da sua qualificação e valorização turística e o segundo destinado a promover ações de dinamização de práticas artísticas e culturais por e/ou para grupos excluídos ou socialmente desfavorecidos. Estes são domínios relevantes, mas limitativos do papel que os Fundos Europeus podem ter no apoio ao setor artístico e cultural. O “Cultura para Todos” não teve sucesso. Após atraso de anos na execução, com a pandemia foi suspenso e mediante a região houve duas soluções más: ou cancelamento total ou corte de 70% do valor do financiamento previsto. A maioria dos projetos não atingiu os resultados previstos. Este é o caminho que o novo Portugal 2030 está a tomar, novamente e aquele que estava refletido no documento que foi objeto de consulta pública até 30 de novembro. O objetivo estratégico (OP) ”OP4 Portugal + Social” identifica nas principais áreas de programação a área “Valorizar o papel da cultura e do turismo sustentável no desenvolvimento económico, inclusão social e inovação social” e dá como exemplo de medida de política o “Cultura para Todos”. Na mesma linha, o “OP5 Portugal + Próximo”, aponta áreas como o “ITI (Instrumento Territorial Integrado) Centro Urbano” com o “Reforço do papel da cultura, afirmação de identidade e dos domínios de especialização e internacionalização”. O apoio às artes e à cultura não podem ser exclusivamente instrumentais de outras políticas. Sem prejuízo das parcerias com os municípios, o financiamento nas artes e na cultura deve ser executado diretamente pelas entidades do setor. Caminho contrário está a seguir a proposta do novo Portugal 2030, que urge inverter. O “OP5 Portugal + Próximo” define nas principais áreas de programação “ITI AM / ITI Centro Urbano / Parcerias para a Coesão (urbanas e não urbanas)”, algumas intervenções de reforço do papel da cultura, mas apontam de novo o sentido da contratualização focado em intervenções transversais da esfera municipal para a densificação de intervenções e capacitação de redes e atores de animação social e cultural.

Vamos querer seguir um caminho que provou ser negativo no Portugal 2020? O orçamento nacional no quadro de atuação da DG Artes tem sido exemplar no apoio ao setor cultural e artístico. O seu decreto-lei de enquadramento responde às necessidades de consolidação de forma sustentável das estruturas artísticas e de planificação das suas atividades, bem como a dinamização e o desenvolvimento de projetos artísticos. Desde 2020, entre adicional pandemia (apoios sustentados às 75 entidades elegíveis não apoiadas do concurso 2020-2021 e renovação automática para 2022 de todos os contratos em curso e ainda 8,4 milhões de EUR para atribuição de apoio a 368 entidades elegíveis e não apoiadas no concurso de 2020) mais todos os avisos de 2021 já lançado (criação e edição, programação internacionalização; formação/investigação simplificado; parceria multiculturalidade; parceria arquivo teatro; parceria arte e ambiente e parceria arte e envelhecimento ativo), a DG Artes já disponibilizou mais de 52 milhões de EUR ao setor. Tudo isto somado (incluindo o montante afeto às Direções regionais de cultura - Apoio a Estruturas Artísticas não Profissionais) representou um valor de 105 milhões de EUR.

Não devia o Portugal 2030 assumir a complementaridade no esforço de financiamento da DGArtes tal como faz noutros setores da vida e da política pública (formação com o IEFP, Portugal Inovação Social, com a ciência e investigação na FCT, etc.). Afinal o que é necessário mudar? Os Programas Operacionais Regionais que mobilizam a generalidade dos objetivos prioritários e que estão particularmente focados na dimensão territorial das políticas. É fundamental introduzir áreas de programação que possam dar continuidade ao que foi o Garantir Cultura nas duas dimensões tecido empresarial e entidades artísticas singulares e coletivas que prossigam atividades de natureza não comercial, que permita que o setor cultural, criativo e artístico, faça os investimentos mais pertinentes (e necessários) na criação, edição e programação. Só com este investimento de base as medidas já previstas na proposta (incrementar a escala, diferenciação e sustentabilidade da atividade de criação e difusão cultural e do seu setor profissional; internacionalizar ativos e ofertas culturais e turísticas e incrementar os seus proveitos; qualificar e promover a regularidade de eventos de animação cultural do território, destinos, patrimónios e produtos turísticos ou capacitação de redes e atores de animação social e cultural) podem ter sucesso. Os apoios ao setor cultural não podem ser exclusivamente instrumentais de outras políticas públicas. Estas Áreas de Programação devem identificar como entidades beneficiárias os próprios agentes culturais, permitindo a execução do financiamento às artes e à cultura diretamente pelo setor e não devem ser alvo de contratualização com as comunidades intermunicipais ou estar subjugados a mecanismos de territorialização de políticas públicas. Já nas empresas (cultura também é empreendedorismo e também é internacionalizável!), o Portugal 2030 deve integrar um mecanismo semelhante ao programa Garantir Cultura, que soube reconhecer esta diferença e que permitiu um apoio, a fundo perdido, às atividades artística e cultural, em particular à criação e programação culturais, a micro, pequenas e médias empresas do tecido cultural. Os OP1 “Portugal +Competitivo”, onde se concentra o financiamento para  desenvolver as capacidades de investigação e inovação o crescimento sustentável e a competitividade das PME e OP5 “Portugal +Próximo”, onde se concentram as ações que devem contribuir para o desenvolvimento urbano sustentável e equilibrado do território nacional, assumem as fatias financeiras significativas dos Programas Regionais do Continente (2.270 e 1.500 milhões de EUR, respetivamente) seria justo e muito relevante que o valor que corresponde ao esforço para o setor até à data pudesse ser, pelo menos duplicado, para o horizonte 2021-2027 e disponibilizado em medidas de financiamento nos Programas Operacionais Regionais e/ou em articulação com o novo Programa Temático Inovação e Transição digital. A componente C4 do Plano de Recuperação e Resiliência, Cultura, dispõe de 243 milhões de EUR para um período temporal menor e para medidas sobretudo destinadas à Administração Central, pelo que um valor correspondente ao dobro do esforço financeiro para o setor de 2020 até à data (cerca de 210/200 milhões de EUR) no Portugal 2030, está a par para um horizonte temporal maior. O “Manifesto 10 - Dez Recomendações para uma dinâmica positiva das Artes e da Cultura no Acordo de Parceria Portugal 2030” elencou estas e outras alterações urgentes de realizar na proposta a consulta. O setor aderiu em massa a estas propostas e reagiu à consulta pública. A pergunta agora já não é “Não aprendemos nada com o passado?”, é antes “E depois da consulta pública?” tem o governo a capacidade de compreender e a coragem de fazer as alterações urgentes a realizar no Portugal 2030 no que toca ao setor artístico, cultural e criativo?

-Sobre Francisco Cipriano-

Nasceu a 20 de maio de 1969, possui grau de mestre em Geografia e Planeamento Regional e Local. A sua vida profissional está ligada à gestão dos fundos comunitários em Portugal e de projetos de cooperação internacional, na Administração Pública Portuguesa, na Comissão Europeia e atualmente na Fundação Calouste Gulbenkian. É ainda o impulsionador do projeto Laboratório de Candidaturas, Fundos Europeus para a Arte, Cultura e Criatividade, um espaço de confluência de ideias e pessoas em torno  das principais iniciativas de financiamento europeu para o setor cultural. Para além disso é homem para muitas atividades: publicidade, escrita, fotografia, viagens. Apaixonado pelo surf vê̂ nas ondas uma forma de libertação e um momento único de harmonia entre o homem e a natureza. É co-autor do primeiro guia nacional de surf, Portugal Surf Guide e host no documentário Movement, a journey into Creative Lives. O Francisco Cipriano é responsável pelo curso Fundos Europeus para as Artes e Cultura – Da ideia ao projeto que pretende proporcionar motivação, conhecimento e capacidade de detetar oportunidades de financiamento para projetos artísticos e culturais facilitando o acesso à informação e o conhecimento sobre os potenciais instrumentos de financiamento.

Texto de Francisco Cipriano
Fotografia da cortesia de Francisco Cipriano
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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