“Este projeto teve uma enorme adesão desde a sua primeira edição, em 2021, o que veio confirmar que era algo que fazia falta dentro da comunidade”, partilha a jornalista, que, em 2015, criou — com o também jornalista Eddie Pipocas — a Bantumen, uma plataforma online que pretende preencher a lacuna de falta de representatividade de pessoas negras na comunicação social portuguesa.
“Estamos a criar um espaço onde a cultura urbana afrodescente é celebrada. A “Power List 100” surge exatamente neste sentido, tendo como objetivo criar visibilidade e reconhecimento aos esforços incansáveis de quem, muitas vezes, por uma questão de tez, nem sempre alcança o interesse dos meios de comunicação tradicionais”, refere Vanessa.
Mas este é um projeto que a plataforma não concretiza sozinha. Este ano, a iniciativa — que se associou ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, assinalado este sábado — contou com a parceira de sete meios de comunicação de seis países de língua oficial Portuguesa: o Mundo Negro (Brasil), a Nobalur (Guiné-Bissau), a PlantinaLine (Angola), a Rádio Cidade e o Balai CV (Cabo Verde), a STP Digital (São Tomé e Príncipe) e a Xonguila (Moçambique).
Depois de uma primeira indicação, entre todas as plataformas, dos nomes mais relevantes do último ano, 74 jornalistas e produtores de conteúdos votaram em mais de 220 personalidades.
Desta votação nasceu a “Power List 100” que consagra 100 personalidade, das mais variadas áreas de atuação, géneros e idades, mas que, não obstante, têm um ponto em comum: todos criam um impacto positivo e impulsionam um sentido de representatividade e pertença entre a comunidade negra lusófona.
Entre artistas, académicos, influenciadores digitais, desportistas, empreendedores e muitos outros, os premiados destacam-se nas mais variadas áreas profissionais e associativas, e refletem a multiplicidade, excelência e potência de pessoas negras que partilham o português como língua materna, independentemente da sua localização geográfica.
Torna-se difícil evidenciar nomes de uma lista repleta de excelência. O melhor é mesmo conhecê-la aqui!
Uma "expansão coletiva" de reconhecimento e celebração
Os nomes das personalidades distinguidas foram revelados no último sábado, 3 de dezembro, no site da "Power List 100", mas também num evento que decorreu no teatro municipal São Luiz, em Lisboa, e onde se reuniram alguns dos homenageados.
“Em Portugal, o que acontece muito é vermos, com demasiada frequência, sempre os mesmos nomes”, avalia Vanessa. “Acho que há uma preguiça em se querer pesquisar mais, em se querer saber mais sobre outras pessoas, e escolhem-se sempre, infelizmente, os mesmos nomes, não por falta de mérito”.
Paula Cardoso, fundadora da comunidade digital Afrolink, aplaudiu, por isso, a iniciativa da Bantumen de colocar a comunidade negra “no centro”, assumir a liderança e realizar estas premiações. “Não foi por acaso que a determinada altura aconteceu a iniciativa "Oscars So White”, relembrou ao Gerador.
Mas, para além do “reconhecimento de trajetórias, de feitos e de conquistas”, a também apresentadora do talkshow online “O Lado Negro da Força” sublinhou ainda a importância da celebração. “Não é só reconhecer, porque reconhecemos nas notícias também. Mas é termos aqui um espaço para bater palmas, para ouvir também o que é que isto representa para cada um.”
O evento no São Luiz foi isso mesmo, uma vez mais: partilha, empatia, inspiração e comoção. As palavras foram de força e agradecimento, mas revelaram também as lutas de quem não se resignou à invisibilidade imposta, tantas vezes, aos corpos negros.
Para a atriz e criadora Isabél Zuaa, o momento foi de “expansão coletiva”. “Nós andamos nas nossas jornadas individuais, muitas vezes solitárias, em mecanismos e estruturas em que nos sentimos muito apertados e preteridos, e é quando nos encontramos que temos a possibilidade de celebrar cada jornada e, principalmente, as nossas mães, que foram muito faladas aqui”, afirmou artista. “Para as nossas jornadas de emigrantes e de pessoas que nasceram, num país que não nos reconhece enquanto cidadãos, é extremamente importante.”
Yolanda Tati, que apresentou a primeira edição da “Power List 100”, subiu desta vez ao palco, enquanto homenageada. “É emocionante ver esta sala cheia de talento e ver o quão promissor se mostra o futuro a partir do momento em que vemos luz em cada olhar, dedicação em cada trajeto, muito amor em cada ofício”, revelou a comunicadora e influenciadora digital. “Sinto-me bastante em casa. Isso é acolhedor, é quente e é muito encorajador.”
Logo na primeira edição, realizada no mesmo teatro, a iniciativa superou as expectativas. “Todos nós, ali dentro, enquanto pessoas negras, sentimo-nos reconhecidos, sentimo-nos vistos. Há muito que há essa necessidade e, sobretudo quando é de nós para nós, acho que tem um efeito muito mais avassalador.”, diz Vanessa. “Não estamos habituados a uma sala, num espaço emblemático, em que quase a totalidade da sala, dos presentes, são pessoas negras e que estão ali para se reconhecerem umas às outras.”
“Eventos como estes são fundamentais na nossa comunidade para fazer ver às gerações seguintes que é possível”, comentou também Abdel Camará, empreendedor, coach e mentor de negócios, e outra das personalidades distinguidas este ano. “Estamos aqui apenas a fazer um trabalho que os nossos pais começaram. Eles não tiveram o palco que nós tivemos, mas estamos a transmitir outra coisa, para outras pessoas e para outras gerações que aí vêm. Isso é fenomenal e fundamental.”
Mas nem só de discursos se fez este evento, que contou com a apresentação de Cláudio Bento França, atual pivô da SIC. A produtora, cantora e multi-instrumentista Nayela, o quarteto de cordas Active Mess e o trio de arte performativa Aurora Negra - composto por Nádia Yracema, Isabél Zuaa e Cleo Diara - formam o cartaz de artistas que subiram ao palco, para tornar o evento ainda mais especial.
E não é por acaso que são todas mulheres. “Sentimos uma necessidade de destacar as mulheres negras, porque a mulher negra está sempre no fim da escala. E acredito profundamente que, quando uma mulher negra se movimenta, o mundo movimenta-se à volta dela”, nota Vanessa. “A mulher negra, para mim, é sinónimo de liderança.” Para além disso, reforça, “são mulheres fantásticas, que têm feito coisas tão bonitas, portanto, não tinha como ser diferente.”
Destaque para o ecossistema empreendedor e de inovação afrodescendente
Este ano, foram ainda atribuídos três prémios destinados ao ecossistema empreendedor e de inovação — o “Djassi Award”, atribuído a Ricardo Lima, em conjunto com a Djassi Africa; o “Empreendedor Promissor BANTUMEN” e o “Prémio de Mérito - Empreendedor BANTUMEN”, entregues a Nuno Varela e Antonio Rocha, respetivamente, p’la Startup Portugal.
“Não gosto de dizer que temos cada vez mais [empreendedores], porque, no fundo, nós é que ouvimos falar cada vez mais de empreendedorismo dentro da comunidade negra, mas ele sempre teve presença. Só não o víamos”, diz Vanessa. “Houve aqui uma necessidade de criar algo que também possa destacar este lado empreendedor, porque, acredito, pessoalmente, que é através do empreendedorismo que a comunidade negra pode vir a ganhar algum destaque e até algum poder social dentro do universo português.”
Na gala, Rudolphe Cabral, chief venture innovation da Djassi Africa — que lançou, este ano, um questionário para mapear os black founders em Portugal — reforçou também a importância de premiar “os bons exemplos”. Mas mais do que isso, disse ao Gerador: "é preciso agora começar a dar visibilidade aos afro-empreendedores” no país.