O prémio foi criado em 2021, quando os codiretores daquele festim de leituras de peças de teatro, Miguel Maia e Filipe Abreu, se aperceberam da falta de representatividade feminina existente na dramaturgia editada em Portugal – o que os levava a escolher “quase sempre textos escritos por homens.”
“É evidente que, na história do teatro, assim como em muitas outras histórias, infelizmente, a mulher vive relegada para segundo plano, também na criação artística. Ou porque não tinha a oportunidade de criar, ou então porque a sua criação era obscurecida pelo trabalho dos homens”, refere Miguel Maia, também diretor da Companhia Cepa Torta. “Percebemos que a maior parte das obras teatrais editadas em Portugal, ou traduzidas para português, eram, de facto, de autores masculinos”, diz, acrescentando que, atualmente, há ainda “uma pequena percentagem de mulheres dramáticas”.
O Prémio Nova Dramaturgia de Autoria Feminina nasceu assim para promover a diversidade “e a capacidade de ouvirmos várias vozes”. O concurso está aberto a todas as pessoas maiores de idade, que se identifiquem com o género feminino, sejam cisgénero ou transgénero, e que queiram propor uma obra dramatúrgica inédita e nunca representada.
Terminado o concurso, o júri – composto por Graça P. Corrêa, Jorge Louraço Figueira e Zia Soares – irá selecionar três obras que serão submetidas a um processo de mentoria, de junho a setembro, com possibilidade de discussão e aprimoramento do texto. Neste processo, cada dramaturga terá o acompanhamento de um dos elementos do júri.
A obra vencedora, premiada com o valor de 750 euros, será incluída na programação do “Esta noite grita-se” e será ainda editada em livro, através da pareceria com a editora Douda Correria.
A primeira e segunda edições da iniciativa consagraram Lara Mesquita, com “Sempre que Acordo”, e Maria Giulia Pinheiro, com “Isso não é Relevante”. Contabilizando as duas edições, o concurso recebeu mais de 250 candidaturas provenientes de toda a diáspora.
Para além da “enorme diversidade” nas formas, Miguel Maia destaca “o lado assumidamente político” de muitos textos. “Havia também textos de uma poderosa mensagem política, quase sempre relacionada com aquilo que é a opressão que algumas minorias ainda sofrem. A invisibilidade, a necessidade de ter voz, a necessidade de nos afirmarmos enquanto seres únicos”, partilha o encenador.
“É uma enorme vitória estes textos trazerem à baila, de uma forma original, artisticamente interessante, estes assuntos, que provavelmente não virão tantas vezes, naquilo que pode ser o status quo da produção artística, digamos, vigente.”
Faltam vozes femininas na dramaturgia em português
“Houve pouca evolução nesta área”, considera Graça P. Corrêa, que integra o júri da edição deste ano. “De uma forma geral é muito difícil publicar obras de teatro português em Portugal.” A encenadora e dramaturga, que defende a criação de “um apoio substancial às editoras nesse sentido”, sublinha por isso a importância deste prémio, que “ajudará a corrigir assimetrias e a dar visibilidade a mulheres autoras.”
Para a fundadora da ArtCom, “há sempre uma maior visibilidade de criadores masculinos em Portugal, sejam cis ou não-cis.” Por isso, advoga por mais “ações afirmativas desta natureza, em vários domínios, no sentido de corrigir um privilégio histórico “de uma tirania que dura pelo menos há dois mil anos”, como disse uma vez a Natália Correia.”
"Esta noite grita-se"
A 7.ª edição do festim, a realizar-se entre outubro e dezembro deste ano, contará com um programa de leituras interpretadas, que ocupará “variadíssimos espaços de Lisboa, entre teatros, bibliotecas e outros espaços não tão convencionais”, partilha Miguel Maia.
Para além da leitura do texto distinguido, este ano, com o Prémio Nova Dramaturgia de Autoria Feminina, haverá ainda oficinas de leituras com jovens e o lançamento de novos episódios do podcast “Esta noite grita-se”.
Esta edição contará ainda com o ator e encenador Miguel Sopas como convidado.
Quantos aos textos, haverá leituras de Dea Loher, Jorge Tambori, ou do clássico “A Menina Júia”, de August Strindberg, entre outros.