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Que país é este, onde os jovens não conseguem pagar a sua independência?

Estou preocupada com o futuro. Severamente preocupada. E todos devíamos estar.

Há um problema neste país que tem vindo a ser escandalosamente ignorado pelos nossos governantes (embora não seja propriamente novidade): a habitação.

Nos últimos meses tive oportunidade de questionar muitos jovens trabalhadores sobre a forma como viviam. No âmbito desta reportagem, que assinei com a Flávia Brito - e que fez capa da última edição da Revista Gerador - pude perceber, entre outras coisas, o quão é errado achar que só quem vive nas áreas metropolitanas tem dificuldade em arrendar uma casa. O problema está a alastrar a todo o país de forma absolutamente preocupante e a agravar as desigualdades sociais. Safa-se quem tem uma família cooperante ou uma conta bancária com mais zeros à direita. Lixa-se quem não tem nada além do salário. Os primeiros podem dar-se ao luxo de ser autónomos e independentes. Os segundos têm de sujeitar-se a conviver com estranhos para ter onde dormir.

Os jovens que agora iniciam o seu percurso laboral veem-se presos a uma realidade que apenas associamos a estudantes: partilham casas com 3, 4 ou mais pessoas, sujeitam-se a condições deploráveis e veem-se impedidos de planear seja o que for. Afinal, como é possível traçar quaisquer metas, quando nem se sabe se vamos estar sob o mesmo teto para o ano que vem?

Como pode um país crer em qualquer tipo de desenvolvimento, quando a geração que o pode concretizar não consegue pagar a sua independência?

A médio-longo prazo vamos sentir os efeitos disto de forma agressiva, enquanto população. Os jovens não planeiam ter filhos. Não se podem dar a esse luxo, quando a estabilidade é um sonho inatingível. Mas se a taxa de natalidade já fica aquém do desejável, como será daqui a uns anos? Qual o nosso futuro demográfico? Onde fica a sustentabilidade da Segurança Social? Estamos conscientes de que este país envelhecido pode mesmo perecer?

Durante o trabalho de pesquisa e auscultação para a referida reportagem, ouvi, na primeira pessoa, relatos de jovens que querem ter filhos, mas que não se atrevem a fazê-lo por não lhes poderem providenciar um lar estável (quanto mais uma vida digna). Muitos deles acreditam que não tardará até se renderem à sedutora evasão para outro país. Afinal de contas, quem pode censurá-los? Ainda para mais quando os nossos responsáveis políticos continuam mais preocupados em atrair estrangeiros do que em cuidar de quem cá vive?

Recentemente foi anunciada a criação de um visto especial para nómadas digitais. Este documento permite que pessoas que trabalham remotamente e queiram permanecer em Portugal por algum tempo, o possam fazer de forma mais simples. A ideia é que trabalhadores(as) de outros países, com rendimentos superiores, possam trabalhar neste país por um maior período de tempo, sem tantas chatices.

Voltemos à reportagem.

Ao ser questionada sobre a sua habitação atual, uma das pessoas que entrevistei disse-me que conseguiu arrendar um quarto num prédio em Lisboa a uma estrangeira, por 900 euros. Não, não estou a falar de alguém que é proprietário. Estou a falar de um arrendatário de um quarto no centro da capital. Sendo a renda muito alta, esta pessoa fez um subarrendamento ilegal de um quarto vago, de forma a que, com esse dinheiro, pudesse ter uma ajuda para cobrir as despesas do apartamento inteiro. Esperto não é? Obviamente. Mas se isto começa a ser um truque, o que vai sobrar para quem ganha o ordenado mínimo? Que quartos – e já nem falo de casas - vão arrendar as pessoas que apenas conseguem pagar 200 ou 300 euros por mês? E se já há inquilinos a fazer isto, que preços irão praticar os senhorios? Se é mais rentável acomodar nómadas digitais, onde vão viver os conterrâneos sedentários?

É uma questão que fica por responder...

No ano passado, nesse oásis de futuro que é a Web Summit, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, confessou a sua admiração pela modalidade do trabalho à distância. A governante disse mesmo que considera “Portugal um dos melhores locais do mundo para estes nómadas digitais e trabalhadores remotos escolherem viver”. Seria comovente, se não fosse perverso.

Em contraste, o escritor Afonso Reis Cabral descreveu, num artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, a outra face da moeda. Por considerar que se trata de uma explicação adequada e clara, passo a citar:

(...) Nós, os sedentários digitais, nós a populaça cá do pedaço, também temos um credo. É a fé da vidinha que tenta chegar ao fim do mês. É o salário mínimo. É o quarto de estudante para cima de quatrocentos euros. É o T1 a duzentos mil euros. É a prestação da casa a fazer upa upa na Euribor. É a gasolina pecaminosa. É a inflação a chagar o cabaz alimentar. É o Governo a manter o IVA perante os ganhos estatais com a inflação. É o Governo acenando com o cheque dos cento e vinte e cinco euros. Diria, o nosso credo é quase orar ao meteorito, para que venha.

Pessoalmente, tenho a convicção de que ele vai chegar, e talvez não demore assim tanto tempo.

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