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Realizadores criam plataforma digital para exibir filmes independentes de língua portuguesa

A NOVOCINE foi lançada em setembro e vai exibir um novo filme a cada vinte dias, de forma gratuita. Os criadores afirmam que querem “abrir uma janela paralela ao principal circuito de exibição de filmes”, em Portugal.

Texto de Débora Cruz

Fotografia de Kal Visuals, via Unsplash

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Madalena Fragoso e Afonso Mota são ambos realizadores e os criadores da NOVOCINE. Ao Gerador, os artistas explicam que a criação da plataforma foi impulsionada pela vontade de descentralizar a exibição de cinema no país e de prolongar o debate em torno dos filmes exibidos. Embora reconheçam que os cineclubes e os cinemas itinerantes constituem já uma alternativa aos principais circuitos de exibição, os realizadores consideram que continua a existir um grande foco nas grandes cidades. 

Através do meio digital, os artistas realçam que é possível ultrapassar essa realidade. “A internet dissolve a centralização e permite que os filmes cheguem a mais pessoas por todo o mundo”, explicam. Para além da concentração nos grandes centros urbanos, Fragoso e Mota apontam que existe uma “falta de espaços, físicos e não só, de meios e apoios, para que muitos filmes possam ter uma mais extensa vida de exibição”. 

A competitividade e a difícil entrada no universo do cinema, em Portugal, fazem com que certos filmes ganhem menos protagonismo e o tempo para debate sobre as obras fílmicas seja reduzido. Deste modo, os criadores da NOVOCINE defendem que “as oportunidades desequilibradas de exibição” de filmes fazem com que exista “pouco tempo para a discussão e pensamento, o que acaba por ser limitador e um pouco frustrante para as pessoas que os fizeram, tendo-lhes dedicado tanto tempo e trabalho”, atestam.

Apesar do lançamento da NOVOCINE ter sido em setembro deste ano, a plataforma foi pensada  em 2020. Madalena Fragoso e Afonso Mota admitem que já haviam manifestado a intenção de a criar antes da pandemia de covid-19, mas o isolamento e o tempo passado em casa ajudaram a catalisar a ideia e permitiram que a dupla tivesse tempo para, em conjunto, pensar sobre os objetivos que possuíam. 

O isolamento foi também aproveitado para redigir a candidatura ao Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) que, através do programa Ad Hoc, forneceu 2500 euros para apoiar o projeto. Já o programa Garantir Cultura concedeu um apoio de 10 mil euros. Com as verbas angariadas, os criadores pretendem assegurar a remuneração dos artistas que realizaram os filmes exibidos na plataforma.

A programação dos filmes a exibir está fechada até março de 2023 e, até ao momento, Fragoso e Mota têm sido os responsáveis pelos contactos estabelecidos com os realizadores e artistas cujos filmes gostariam que passassem pela NOVOCINE. Contudo, no futuro, os criadores esperam aceitar a submissão de obras e convidar pessoas que possam criar ciclos de programação com focos de interesse distintos. 

Uma das maiores preocupações e objetivos dos criadores é a de que “a programação se estenda e o arquivo se torne algo verdadeiramente diversificado”. Os artistas esperam que o programa “represente da forma mais ampla o cinema que é feito em língua portuguesa, sem imposição de género, duração, ano ou país de produção”. 

Sobre os critérios de seleção dos filmes a exibir, os criadores enfatizam que um dos focos principais é o de dar destaque a “cineastas e criadores independentes que trabalham com recursos limitados, filmes sem estrutura de produção e/ou distribuição, filmes que estiveram pouco tempo no circuito dos festivais ou filmes mais antigos ou esquecidos”. Através da plataforma, os realizadores vão procurar oferecer às obras “uma nova vida e um espaço a partir do qual possa surgir mais diálogo e pensamento”.

A passada segunda-feira, dia 17, foi o último dia em que o público teve a possibilidade de assistir ao primeiro filme exibido na plataforma. A Casa e os Cães, da autoria de Madalena Fragoso e Margarida Meneses, foi a obra escolhida para inaugurar o projeto de exibição. “É um filme simbólico para lançar o site porque, de alguma forma, encapsula uma forma de se fazer cinema, que é verdadeiramente coletiva, a várias mãos e olhares”, explicam os artistas.

A próxima obra exibida, disponível no site a partir de hoje, é uma curta-metragem brasileira, de 1964.

A Casa e os Cães e o cinema feito a “várias mãos”

No site da NOVOCINE, lê-se que a obra constitui um “filme feito a várias mãos” e “uma reflexão sobre o despertar de um olhar em conjunto”. Segundo Madalena Fragoso, uma das realizadoras, e Afonso Mota, responsável pela correção de cor, A Casa e os Cães é um filme que “trata a amizade e o cinema” e que “foi pensado e construído ao longo de vários anos”.

O processo de filmagens decorreu durante um período de cinco anos, mas a realizadora Margarida Meneses conta ao Gerador que quando começaram a gravar, não tinham ainda a certeza que forma tomariam as imagens. “Pegávamos nas câmaras por instinto, com a vontade de congelar momentos que sentíamos especiais, luzes que nos fascinavam, gestos que nos marcavam”, conta a artista, “o desafio seguinte foi, de facto, escolher quais destes momentos poderiam vir a formar um filme”.

Durante meses, as autoras fizeram testes e experiências com as imagens que captaram até conseguirem encontrar uma linha narrativa que constituísse o “coração do filme”. Mais tarde, aperceberam-se de que a obra teria de ser sobre “fazer cinema com quem está mais próximo de nós” e sobre “o que significa a dissolução da casa que partilhávamos e onde começámos a filmar”, clarifica Meneses.

Apesar de “moroso”, o processo de montagem foi-se “quase auto-terminando”, declara a realizadora. “Após a descoberta da estrutura, da sua narrativa, já em si muito livre, faltava-nos apenas limar o filme, acarinhar cada cena, mexer em cortes, por vezes, durante dias a fio”, explica. 

Quando terminaram a montagem, as realizadoras confessam que consideraram difícil “largar o filme”. No entanto, o desejo de o exibir era também muito forte. “Queríamos colocar o filme em diálogo com todos os outros já existentes e por existir, queríamos rir e talvez chorar com o público, queríamos oferecê-lo aos nossos amigos que agora viviam longe”, declara Meneses.

Neste momento, Madalena Fragoso, Afonso Mota e Margarida Meneses encontram-se a trabalhar noutros projetos fílmicos e os criadores da NOVOCINE contam que a principal expectativa para a plataforma é a de que esta continue a crescer e que, através dela, consigam exibir muitos filmes ao longo dos anos.

Fragoso e Mota esperam também que, no futuro, consigam ter algumas estreias exclusivas ao site e, em conjunto com outros realizadores, programadores e convidados, possam criar conteúdos originais.

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