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Sofia Nunes

Uma entrevista a Sofia Nunes, autora da obra fotográfica “A.ban.do.no | ɐbɐ̃ˈdonu”, originalmente publicada na Revista Gerador 40, que podes descobrir também em baixo.

Texto de Andreia Monteiro

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Sofia Nunes descobriu a fotografia quando lhe ofereceram a sua primeira câmara fotográfica, uma point and shoot de 35 mm, aos 8 anos. A partir desse momento, encontrou a forma ideal de criar um registo da sua vida quotidiana. Após fazer o curso de Fotografia Digital, em 2018, começou a criar séries fotográficas, trabalhando agora em temas que a inquietam e desafiam. Recentemente, colaborou na instalação de Carlos Caires, Lugares Invisíveis, no âmbito do Simpósio da Sustentabilidade e Cultura, organizado no espaço Lisboa Incomum.

Sofia ocupou as páginas desta obra, a que deu o nome de A.ban.do.no | ɐbɐ̃ˈdonu, com fotografias do Convento do Cartuxo numa última visita antes da sua renovação. Fomos falar com ela para saber mais sobre a sua obra.

A.ban.do.no | ɐbɐ̃ˈdonu

Certo dia, em Oeiras, abriram-se as portas do Convento da Cartuxa para uma última visita antes da sua renovação. Este espaço guarda múltiplas histórias e um legado que data do séc. XVII. Para além de convento, foi reformatório, cenário de pelo menos um filme, palco de concertos e estúdio de gravação de diversos álbuns. Durante os últimos anos foi esquecido, tendo sido paulatinamente conquistado por uma pesada patine de pó e delicadas folhas verdejantes. Vagueando pelas suas diversas salas e caminhos, dei por mim a pensar nesta questão do abandono, e no que este pode representar para cada um de nós. A fotografia apoiou a refleção, que pretendia ir além das paredes rígidas que a dimensão física deste local nos impunha. Nas séries que desenvolvo, habitualmente, as imagens dão as mãos às palavras. A Ruína de Manoel de Barros deu o mote inicial, juntamente com a definição do verbo abandonar. Surgem então sete imagens, que compõem a totalidade da série, e que convidam, quem se sentir tentado, a contemplar sobre: Que lugares (em nós) abandonamos? Para onde vão os lugares que abandonamos? O que somos dos lugares que abandonamos? O que cresce nos lugares que abandonamos? Alguma vez voltamos aos lugares que abandonamos?

Descobre a obra aqui:

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Gerador (G.) – O que te motivou a fazeres uma série fotográfica que refletisse sobre a ideia de abandono de um espaço?

Sofia Nunes (S. N.) – Confesso que sempre senti uma atração por espaços devolutos, regra geral, pelos mais antigos. Existe uma espécie de silêncio que lhes é característico e que confere alguma liberdade ao exercício de contemplação. Há uma pergunta que ecoa recorrentemente nestes contextos: «Que segredos guardam estas paredes?» É uma pergunta que alimenta a minha imaginação e a construção de diversas narrativas. Surge sempre uma vontade de encostar o ouvido a umas dessas paredes, na tentativa de resgatar alguns dos sons do seu passado. Atravessar um lugar assim e poder fotografá-lo, sobretudo este, inacessível até então, torna-se ainda mais apetecível. O abandono era um tema que pairava sobre mim na altura. Abandono enquanto conceito, não necessariamente ligado a um espaço. Tirei as fotografias e senti que podia ser uma forma interessante de abordá-lo, mas, à data, estava por determinar como o faria. Quando me leram o texto referido na sinopse, houve uma espécie de clique e a série arrancou. No fundo, foi uma feliz coincidência. Havia um tema, surgiu um cenário, tirei um conjunto de fotografias, aparece (no meio de uma aula de dança) um elemento catalisador e nasceu a série. Quando me desloquei à Cartuxa estava longe de imaginar o desfecho, pois tinha sido outro o propósito que me levara até ali. 

G. – Tinhas recordações anteriores no Convento da Cartuxa ou foi um espaço que apenas descobriste quando as portas se abriram para uma última visita antes da sua renovação?

S. N. – Desconhecia, por completo, a existência deste espaço. Tive inclusive de utilizar o GPS para conseguir encontrá-lo. Até então, Cartuxa era sinónimo de Alentejo, era Évora. Fiquei surpreendida quando, a propósito da renovação, me falaram de um segundo convento, com o mesmo nome, mas agora no concelho que me viu crescer. Estabeleceu-se, naquele preciso momento, uma inesperada ponte entre dois locais onde vivi e que me são tão caros.

G. – «Vagueando pelas suas diversas salas e caminhos, dei por mim a pensar nesta questão do abandono, e no que este pode representar para cada um de nós», escreves. O que representava/representa, para ti, o abandono, antes e depois desta série se materializar?

S. N. – Na altura estava a debater-me com a génese do abandono, com o seu impacto e com quão definitivo pode ser. Seria uma desistência, um ato pensado, a consequência de uma fuga ou tudo isso? Seria algo permanente, apenas um momento de pausa ou ambos? Haveria uma libertação, seria um ponto de eterno retorno, ou as duas possibilidades? Seria algo que nos afeta ou que não nos afeta? Em que medida nos afeta? Deixa marcas, um rasto? Existem diversas tipologias de abandono, as minhas questões relacionavam-se com o abandono de crenças, de formas de estar, de ser, de viver e de relações de proximidade. A fotografia acaba por ser um meio interessante para refletir sobre processos internos. Existem outras formas, mas trabalhar uma série ajuda-me a trazer para este plano, de uma maneira muito concreta, algumas das conversas internas que me vão passando pela cabeça. Apesar disso, sinto que ainda não tenho todas as respostas, é um conceito que tem evoluído. Essencialmente, percebi que o abandono representa um mecanismo de resposta a diferentes situações com que nos deparamos, cuja origem pode ser muito diversa. Percebi que quando é consequência de fuga, pode implicar retorno ou contribuir para a criação de um aborrecido companheiro de viagem (mental) que fala ininterruptamente. Percebi ainda que o abandono «mais saudável» vem de um lugar de escolha consciente, ponderada, pelo facto de algo já ter cumprido o seu propósito ou de já não nos servir. Seja qual for o contexto, parece-me que, inevitavelmente, representa crescimento.

G. – Uma das perguntas que lanças para contemplação é: «O que somos dos lugares que abandonamos?» O que descobriste, em ti, sobre essa relação? 

S. N. – Correndo o risco de cair num clichê, acredito que somos o produto de tudo aquilo que vivemos e, por esse motivo, também somos o produto de tudo aquilo que abandonamos (e da forma como abandonamos). Dificilmente apagamos por completo o que abandonamos, mesmo que seja um traço da personalidade. Fazendo parte integrante das nossas escolhas, abandonar, influencia o lugar onde estamos e aquele para onde vamos. Afeta a relação connosco próprios e com aqueles que nos rodeiam. Ligando à pergunta anterior, sinto que tenho crescido graças ao que tenho abandonado (volto às crenças, às formas de estar, de ser, de viver e às pessoas que nos rodeiam). Graças a esses lugares, tenho trilhado um caminho diferente, mais alinhado com quem sou. Tudo o que abandonamos tem o potencial de se transformar e, nalguns casos, de voltar a nós de uma nova forma – como casa que vira pó, que um dia vira barro, que pode virar taça.

A obra fotográfica foi originalmente publicada na Revista Gerador 40, que podes comprar aqui:

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