Todos os anos, milhões de telemóveis deixam de ser usados pelos seus proprietários, mas, em vez de ser reciclada ou reutilizada, uma parte significativa desses equipamentos acaba no lixo indiferenciado ou até mesmo esquecida numa gaveta. “É preocupante”, salienta o presidente executivo do Electrão, entidade que se presta a recolher em Portugal eletrónicos usados, encaminhando-os, depois, para fins mais amigos do planeta. E também há grandes retalhistas, como a FNAC e a Worten, que dinamizam programas de recolha de telemóveis que já não estão em utilização. Isto em prol do ambiente e com a vantagem de, nalguns casos, o cliente receber ainda algum dinheiro em troca.
De acordo com um estudo realizado em 2022 pelo Electrão, os telemóveis estão entre os equipamentos elétricos que os portugueses mais acumulam em casa sem utilizar, seguindo-se os acessórios de informática e os brinquedos eletrónicos. O problema repete-se a nível global: as estimativas apontam para que estejam atualmente em utilização cerca de 16 mil milhões de telemóveis em todo o mundo, sendo que, destes, 5,3 mil milhões serão transformados em resíduos em breve, mas “só uma pequena parte será corretamente encaminhada pelos utilizadores para a reciclagem”. Quem o prevê é Pedro Nazareth, CEO do Electrão, que considera “preocupante” essa acumulação de equipamentos usados em casa, especialmente “tendo em conta que este é um dos fluxos que regista maior crescimento a nível global”.
Fechados e esquecidos numa qualquer gaveta, os telemóveis acabam, assim, por não serem reciclados, impedindo-se a reutilização dos recursos que ainda contêm, que seria benéfica para o planeta. Querendo, o utilizador pode, contudo, pôr um travão a essa sina: o Electrão, por exemplo, gere uma rede com mais de oito mil locais de recolha desses equipamentos, que são, depois, encaminhados para a reciclagem.
Pedro Nazareth explica em maior detalhe: depois da recolha, os telemóveis são encaminhados para centros especializados, onde são sujeitos a uma triagem por categoria. “Segue-se o processo de tratamento, que é conduzido também de acordo com a categoria do equipamento, assegurando que as substâncias perigosas são retiradas em segurança e que são recuperados todos os materiais que podem ser reciclados”, adianta o presidente executivo. Os materiais que podem ser reaproveitados seguem para a reciclagem de forma a incorporarem, eventualmente, novos produtos. Os demais são sujeitos a “operações de valorização energética, que permitem a produção de energia elétrica” a partir desses materiais que não têm potencial para serem reciclados.
“Os telemóveis, à semelhança de outros equipamentos elétricos, são uma autêntica mina de recursos, que se encontram num estado muito mais puro do que na natureza. Todos estes materiais são reciclados e reintroduzidos em novas cadeias de abastecimento”, assegura Pedro Nazareth. E exemplifica: a componente eletrónica de um telemóvel tem materiais preciosos, como ouro, prata e cobre, enquanto a bateria é composta por lítio e cobalto. Já o ecrã contém estanho. E a capa do telemóvel tem elementos de carbono, que podem ser reutilizados na produção de calçado, enquanto o vidro desses equipamentos contém alumínio que pode ser reutilizado na indústria automóvel.
“A recuperação de materiais permite pôr em marcha a economia circular. É uma forma de aproveitar os recursos já disponíveis e evitar a extração de mais matérias-primas virgens”, enfatiza o CEO do Electrão, que explica que muitos portugueses continuam a não dar estas novas vidas aos seus equipamentos antigos porque acreditam que “poderão vir a utilizá-los num futuro próximo”, por um valor sentimental ou porque pretendem vendê-los.


“Por outro lado, muitos cidadãos continuam a depositar os telemóveis fora de uso e outros pequenos aparelhos elétricos no lixo indiferenciado, uma prática ambientalmente incorreta e que pode trazer consequências muito negativas para a saúde humana devido aos componentes que têm certos equipamentos e que deveriam ser eliminados em segurança”, acrescenta o responsável.
O Electrão não está, de resto, sozinho nesta missão de recolha dos equipamentos que já não são usados. Entre as grandes retalhistas, há também quem tenha programas nesse sentido, com a vantagem para o cliente de receber algum dinheiro em troca do telemóvel descartado. É o caso da FNAC, com o programa Restart, que surgiu em 2019, no âmbito da política de responsabilidade social, sublinha Rui Pepe, diretor de serviços da FNAC Portugal. “O objetivo foi a promoção da retoma de artigos usados, garantindo aos clientes a possibilidade de utilizarem o valor obtido na retoma como meio de pagamento na compra de artigos novos. O serviço foi evoluindo, e hoje é também possível receber o dinheiro em cartão oferta FNAC ou mesmo em numerário”, pormenoriza o responsável.
Os equipamentos recolhidos por esta via são, depois, recondicionados e voltam a ser vendidos a um preço até 60 % mais barato face ao preço de um produto novo. “Todos os nossos aparelhos recondicionados são alvo de um processo de avaliação, limpeza, manutenção, e de configuração com o objetivo de voltar a disponibilizar o equipamento em bom estado a outros clientes”, realça Rui Pepe, que avança ainda que, de acordo com a avaliação efetuada nas clínicas FNAC, são ainda atribuídas “grades aos produtos”. O objetivo? Indicar ao cliente, “de forma clara e transparente”, se o telemóvel que está a comprar está a ser vendido “como novo” ou com “ligeiros sinais de uso”.
Desde 2019, este programa de recolha já permitiu o recondicionamento e venda de mais dez mil equipamentos, entre smartphones, mas também computadores, consolas e smartwatches, revela o mesmo porta-voz. “Desde que começámos o programa Restart, temos visto uma duplicação da atividade de ano para ano, o que nos deixa bastante entusiasmados com o futuro”, destaca Rui Pepe, que dá nota de que a FNAC dispõe hoje de 36 clínicas preparadas para fazer o recondicionamento em causa.
Ainda assim, o responsável admite que os produtos recondicionados estão ainda num “processo de afirmação no mercado”, embora com sinais positivos para o futuro. “Se há uns anos esta escolha era associada à falta de poder de compra, atualmente, é uma decisão vista como inteligente, poupada e informada”, afirma o diretor de serviços.
Também a Worten tem um programa de recolha de equipamentos usados, como telemóveis, sendo que, neste caso, estes são enviados para a reciclagem. “A Worten criou, em 2009, o programa Worten Transforma, que tem como objetivo a recolha de equipamentos elétricos e eletrónicos fora de uso, que são enviados para reciclagem. Além da vertente ambiental, o Worten Transforma alia uma componente social, tendo em conta que convertemos os equipamentos inutilizados em produtos novos, que são entregues a instituições de solidariedade social de todo o país”, conta fonte oficial desta retalhista.
Para levar a cabo a reciclagem dos equipamentos em questão, a Worten conta com a parceria da ERP Portugal, que explica que passos são, então, tomados para dar um destino mais sustentável, em termos ambientais, aos telemóveis que já não são usados: depois da recolha, os equipamentos são encaminhados para um centro de receção, onde se procede à sua separação nas diferentes categorias e subcategorias operacionais. Depois, seguem para os centros de tratamento, onde os resíduos são, por fim, sujeitos a diversos processos de descontaminação e reciclagem, “separando-se as diferentes frações, como, por exemplo, os metais e os plásticos”.
Ao longo de 2022, a ERP Portugal, indica fonte oficial, recebeu e fez a triagem de 2,5 toneladas de equipamentos. “Quando os cidadãos colocam os seus telemóveis nos canais corretos, torna-se possível a sua descontaminação e reciclagem. Estes equipamentos são, por excelência, equipamentos com elevado valor, pois contêm na sua composição diversos metais preciosos. São autênticas minas urbanas”, sublinha a entidade, em linha com o defendido pelo Electrão. “O primeiro passo tem de ser dado pelo consumidor. Depois, com a intervenção dos diversos stakeholders, podemos transformar os resíduos em recursos”, remata a ERP Portugal.