No último domingo, Mariana Mortágua foi eleita líder do Bloco de Esquerda com uma ampla maioria nos órgãos do partido. O que aqui escrevo não será uma análise ao programa do Bloco ou uma análise política pessoal à minha relação partidária com o Bloco. É antes de tudo, uma nota de reflexão e apreciação ao precedente que a eleição de Mariana abre para tanta gente e a inspiração que essa eleição transmite.
Mortágua foi a primeira mulher a suceder a outra mulher na liderança de um partido político português. A democracia portuguesa demorou quase meio século a conseguir essa conquista, uma conquista que não é nada mais nada menos do que uma conquista diária básica mas, ainda tão urgente da luta por um espaço público e político feminista onde se abalam estruturas de poder patriarcais e onde mulher, finalmente, entra.
Conquista este espaço depois da notoriedade conquistada num dos maiores desafios e numa das maiores regalias que podia ter dado ao país: a sua prestação exímia nas sucessivas Comissões de Inquérito, reconhecida à esquerda e à direita, onde colocou o dedo na ferida de quem pensava ser Dono Disto Tudo e fez abalar o tecido das elites económicas. Não foi atoa que Mariana chegou a ser considerada por muitos banqueiros uma inimiga, revelando como conseguiu atacar um sistema injusto onde a impunidade não era exceção mas sim norma.
Fê-lo com apenas 26 anos, uma representação perfeita de que a resistência a jovens nas quatro paredes de São Bento tem os seus dias contados. Numa legislatura onde fez parte do grupo das deputadas mais jovens a assumir mandato, provou que a sua idade não era impeditivo de qualquer trabalho parlamentar. Trouxe-nos o privilégio de contarmos com a sua experiência académica de renome aos corredores do Parlamento, onde mostrou que a economia pode se construir para maioria social e não apenas para uma mera elite.
Torna-se a mais jovem mulher a assumir uma liderança do partido, e para além disso, é também a primeira líder abertamente LGBTQ+ a assumir este cargo. Numa altura onde as camadas reacionárias à direita gritam e rasgam vestes no Twitter a questionar qual a importância deste facto para uma líder política, numa altura onde supostamente isso “não importa”, o mero facto de este tema ainda ser uma discussão é sinal que importa.
Perante o ódio, consegue catapultar agendas de esperança e bravura, não negando nenhum combate a que se propõe e afirma com valentia e firmeza tudo o que representa, não recuando nem um passo atrás mesmo apesar da bufonaria constante a que o debate político português tem assistido.
Podemos discordar acerca do papel do Bloco no futuro social, mas não podemos negar que Mariana representa camadas sociais que raramente são retratadas na política portuguesa. Traz uma nova esperança para todas as Marianas deste país, que ainda sonham em conquistar espaço e poder expressar as suas opiniões sem precisar gritar. É alguém que leva o país a sério e por isso só podemos ser gratos. Que esta eleição seja um impulso para o futuro, em direção à uma vida boa que tanto desejamos.
-Sobre Rodrigo Sousa-
Carinhosamente apelidado de serrano inquieto, apaixonado pelos vales da Beira Alta que o viram nascer e crescer. Do e para o interior, orgulhosamente educado pela escola pública. Neste momento a continuar a aventura pelas Beiras, desta vez na cidade de Coimbra onde estuda Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.