No rescaldo das últimas eleições europeias, os dirigentes das principais famílias políticas europeias, bem como os seus governantes, suspiraram de alívio. Afinal, alegaram, contrariando as expectativas pré-eleitorais, os partidos do centro prevaleceram, aguentaram as suas linhas e sustiveram as suas perdas - e mantém-se uma maioria pró-europeísta e democrática no Parlamento Europeu. Na análise dos números globais, este suspiro não está errado ou desfasado da realidade. Mas será que temos assim tantas razões para afastar as nuvens que pairam sobre o projeto europeu e sobre as nossas democracias?
Vamos aos resultados: o grupo Popular Europeu (EPP), maior grupo do Parlamento Europeu (PE), conseguiu eleger 190 deputados, o que representa um aumento de 14 novos deputados face a 2019; os Socialistas e Democratas (S&D) perderam 3 deputados em relação à legislatura anterior, com um total de 136 deputados; os Liberais (RE) e os Verdes (G) registaram fortes quedas, com ambos a perderem cerca de 20 deputados, num total de 80 em 2024 para os primeiros, e de 52 para os segundos; já no grupo da Esquerda (L), uma ligeira subida de 37 para 39 é um sinal positivo para um grupo que antevia poder perder deputados. Para o fim, os resultados que mais preocupação me suscitam.
Isoladamente, os grupos da extrema-direita não apresentam resultados extraordinários. A principal novidade é a ultrapassagem do grupo mais à direita – Identidade e Democracia (ID), onde se inserem os 2 deputados do Chega, – aos Verdes, passando a ser o 5º maior grupo do PE, com os Conservadores e Reformistas (ECR) a ficarem a apenas 4 deputados de roubarem o último lugar do pódio aos Liberais. O problema começa quando não só deixamos de olhar para estes partidos de forma isolada, como quando juntamos os vários deputados de extrema-direita que foram eleitos e ainda não têm um grupo político definido. Os dois casos mais paradigmáticos são os deputados do partido de Viktor Orbán, Fidesz, que depois da saída do EPP ainda não decidiu onde irá pousar, e o da AfD, extrema-direita alemã, que foi expulsa do seu grupo original – ID – após o seu cabeça de lista às europeias ter declarado que nem todos os membros das SS eram criminosos. Sem ignorar as enormes divergências que afastam todos estes partidos, que tornam praticamente inviável uma aliança formal entre eles, a soma individual de ECR e ID com os deputados do Fidesz e da AfD faria um total de 156 deputados, o que os colocaria em 2º lugar, bastante acima do S&D. Se a estes 156 deputados se juntarem, ainda, outros deputados de extrema-direita, mas ainda sem filiação, a aproximação ao EPP seria ainda maior.
Ora, mais do que os números, importa procurar perceber as motivações que levam ao crescimento tão significativo destes grupos de extrema-direita (ED). Sem esquecer que, para além do seu próprio crescimento, a ED tem feito dos partidos do centro danos colaterais, levando a que estes adotem algumas das suas narrativas, senão mesmo as suas políticas – isto é particularmente notório nos partidos do EPP, mas tem nos S&D dinamarqueses um exemplo de como nem o centro-esquerda tem escapado ileso a esta tendência.
Como não tenho pretensões de meter a foice em seara alheia, e sendo eu membro dos Socialistas e Democratas, tentarei analisar as razões para o decréscimo do S&D nestas eleições e as perceções manifestadas pelos eleitores para o seu afastamento, bem como apontar possíveis estratégias a seguir, na segunda parte deste artigo. Mas, para encerrar a análise fina destas eleições, é importante perceber a distribuição eleitoral dos socialistas em 2024.
A primeira preocupação, que confirma uma tendência dos últimos anos em diversos atos eleitorais à escala europeia e nos diferentes estados, é o afastamento dos mais jovens do S&D. Os socialistas continuam a ser pouco apelativos às camadas de população mais jovens, que têm aderido fortemente, nos últimos anos, às propostas dos partidos de ED. A segunda preocupação é a disparidade geográfica: com exceção da Roménia, os socialistas tiveram perdas significativas em todo o Leste europeu, com quedas na Hungria, na Polónia e na Bulgária, desaparecimento na Chéquia e na Eslováquia – fruto da suspensão do partido S&D eslovaco – e um fraco desempenho nos Balcãs e nos países bálticos – com um resultado moderadamente positivo na Lituânia e a manutenção na Estónia. A terceira e última preocupação prende-se com as brechas que se verificam nos bastiões socialistas tradicionais: na Dinamarca, o partido S&D do governo foi ultrapassado pelos Verdes, na Suécia, a vitória ficou aquém do esperado e na Finlândia os sociais-democratas mantiveram-se no 3º lugar obtido nas legislativas. Na península ibérica, apesar de os resultados terem sido acima do esperado não permitem, de todo, contrariar a afirmação do centro-direita. E, mais preocupante, na Alemanha, o S&D viu-se ultrapassado pela extrema-direita, sendo relegado para terceiro lugar em percentagem de votos, mas em quarto em número total de deputados, superados também pelos Verdes. A salvar a honra do convento estiveram apenas os S&D franceses e italianos, cujos bons resultados foram ofuscados pelo triunfo inequívoco dos partidos de Le Pen e Meloni.
Sim, no imediato o projeto europeu sobrevive ao triunfo maioritário da extrema-direita, mas os suspiros de alívio parecem-me prematuros e incapazes de resistir a uma análise mais fina dos resultados. Como tirar, então, a cabeça da areia? Procurarei aprofundar estas respostas na segunda parte deste artigo.