fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Selma Uamusse

“Traveling Without Moving”?

Em finais de 2009 comprámos uma viagem para o Japão para o Verão de 2010….

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Em finais de 2009 comprámos uma viagem para o Japão para o Verão de 2010. A viagem foi comprada numa promoção por isso quando soube que estava grávida desisti da viagem porque em Julho seria uma gestante de 7 meses e os planos eram de caminhadas intensas, não havia nem hipótese nem atestado médico que me permitisse fazê-lo. Também não havia reembolso ou troca possível por isso “contentei-me” (not) em seguir a viagem tão sonhada por fotografias, vídeos, filmes e livros numa interessante mas frustrante e entediante viagem sem me mexer .

Perdoem-me o título em inglês mas é mesmo porque se trata do título de um álbum e de uma música que inspira a minha escrita de hoje. Tenho pensado nas quatro viagens que iria fazer este ano e que foram canceladas e na incerteza de quando poderei fazê-las e como. E se viajássemos sem nos mexermos? Será um futuro possível? Nos anos 90 eu era super fã de Jamiroquai, para quem não conhece, uma banda britânica de um funk/ acidjazz muito fresca, diferente e alegre para altura. Um amigo ofereceu-me o álbum em 1997, e hits como o “ Virtual Insanity”, Cosmic Girl, Travelling Without Moving buscavam e apelavam a uma viagem virtual que efectivamente me fez viajar com alegria muitas vezes.

Os meus pais incutiram-me desde cedo o desejo de viajar e sempre fizeram questão de tentar alargar horizontes, mesmo quando o dinheiro era escasso. Lembro-me de uma viagem que fizemos a Paris. Fomos de autocarro com uma tuna no Verão de 1989. Ficámos alojados numa residência universitária, comíamos na cantiga, mas foi uma experiência para nunca mais esquecer. A partir daí, não parei… Na Páscoa de 1990, fiz a minha primeira viajem sozinha! Era boa aluna, aprendi a falar inglês a ouvir músicas e filmes, tinha uns tios que moravam em Londres e de repente estava em Camden Town aos 10 anos.

Aos 20 anos em 2001 fiz um desejado interrail com 4 amigas, uma experiência incrível e prometi a mim mesma que voltaria a fazê-lo mas sozinha. Em 2003 concorri e fui aceite num campo de férias de estudantes de tecnologias (BEST - Board of European Students of Technologies) em Throndheim na Noruega e decidi ir de comboio em vez de ir de avião. Não tinha muito dinheiro, para variar. Pedi uma mochila de campismo a um amigo escuteiro, enchi-a com roupa, laranjas, latas de atum. As minha amigas foram comigo até à estação de Santa Apolónia despedir-se, meio apreensivas, sem saberem se me dissuadiam de fazer uma viagem tão longa de comboio sozinha. O plano era visitar várias cidades até chegar à Noruega mas nunca dormir em nenhuma porque não tinha dinheiro para hotéis, dormia sempre no comboio numa viagem para um destino qualquer, longo suficiente para poder dormir umas horas. Foi a viagem mais extraordinária de que tenho memória… Ofereceram-me comida, uma vez o revisor deixou-me viajar num TGV em 1ª classe para poder ter direito ao pequeno almoço. Uma senhora ofereceu-me do nada 20 euros, outra deu-me um cartão de telefone, ainda se usavam cabines telefónicas nesse tempo e o roaming era uma cara realidade nesse tempo por isso foi ouro para mim… conheci um casal que me ofereceu a casa deles nas ilhas Lofoten para ir ver o Sol da meia noite e num dos trajectos da Alemanha para a Dinamarca conheci o Kai. O Kai estava sentado à minha frente e muito curioso por ver aquela pequenita com uma mochila maior do que ela, e como muitos que me viam viajar sozinha começou a fazer conversa comigo. Contei-lhe que vinha de Portugal etc. e de repente aquele homem, alto, bonito, espadaúdo começou a chorar e falar sobre suicídio e de uma pessoa próxima que “lhe tinha morrido”. Não sabia bem como consola-lo e limitei-me a ouvir. O comboio entrou num barco e pudemos sair e ir ver o mar e não sei se por umas horas me tornei a sua amiga e confidente, deu-me o telefone e email para o caso de eu precisar de alguma coisa. Era Alemão e trabalhava na área do cinema e gostava muito de fazer um documentário sobre um homem que ele tinha ouvido falar que andava sempre no Rossio, era pedinte e sofria com uma doença, elefantíase. Não sei se sabem o que é elefantíase ou se se lembram desse homem que estava no Rossio perto do café Nicola, mas é uma doença parasitária crónica, causada por um verme e a pessoa fica com edemas. Deixei o Kai com um abraço, incerta de que voltaria a saber dele mas a verdade é que nos tornámos amigos e escrevemo-nos imensas vezes. Desenhado o projecto do documentário eu tornei-me a tradutora que ele precisaria para levar o trabalho avante mas o senhor entretanto infelizmente morreu… até que um dia eu estou a ver os Óscares e vejo o Kai. Kai Lichtenauer, nomeado enquanto produtor do “Die Rote Jacke". Uau! Escrevi-lhe em seguida e contou-me tudo e de ter conhecido a Julia Roberts na festa da gala… nem queria acreditar.

Tenho saudades de viajar, de fazer amigos inesperados, criar memórias … por agora resta-me viajar sem me mover com cartas, memórias, telefonemas e videochamadas e manter a chama acesa porque em breve uma viagem certamente acontecerá.

“I know all we're doing is traveling without moving hey hey” (Jamiroquai)

*Texto escrito de acordo com o antigo Acordo Ortográfico 

-Sobre Selma Uamusse- 

De origem e nacionalidade moçambicana, residente em Lisboa, formada em Engenheira do Território pelo Instituto Superior Técnico, ex-aluna da escola de Jazz do Hot Club, mãe, esposa, missionária e activista social,  Selma Uamusse é cantora desde 1999. Lançou a sua carreira a solo em 2014, através da sua música transversal a vários estilos mas que bebe muito das sonoridades, poli-ritmias e polifonias do seu país natal, tendo apresentado, em 2018, o seu primeiro álbum a solo, Mati.  A carreira de Selma Uamusse ficou, nos últimos anos, marcada pelas colaborações com os mais variados músicos e artistas portugueses, nomeadamente Rodrigo Leão,  Wraygunn, Throes+The Shine, Moullinex, Medeiros/Lucas, Samuel Úria, Joana Barra Vaz,  Octa Push etc. pisando também, os palcos do teatro e cinema.

Texto de Selma Uamusse
Fotografia de Rafael Berezinski

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

10 Dezembro 2025

Dia 18 de janeiro não votamos no Presidente da República

3 Dezembro 2025

Estado daquilo que é violento

26 Novembro 2025

Uma filha aos 56: carta ao futuro

19 Novembro 2025

Desconversar sobre racismo é privilégio branco

5 Novembro 2025

Por trás da Burqa: o Feminacionalismo em ascensão

29 Outubro 2025

Catarina e a beleza de criar desconforto

22 Outubro 2025

O que tem a imigração de tão extraordinário?

15 Outubro 2025

Proximidade e política

7 Outubro 2025

Fronteira

24 Setembro 2025

Partir

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

17 novembro 2025

A profissão com nome de liberdade

Durante o século XX, as linhas de água de Portugal contavam com o zelo próximo e permanente dos guarda-rios: figuras de autoridade que percorriam diariamente as margens, mediavam conflitos e garantiam a preservação daquele bem comum. A profissão foi extinta em 1995. Nos últimos anos, na tentativa de fazer face aos desafios cada vez mais urgentes pela preservação dos recursos hídricos, têm ressurgido pelo país novos guarda-rios.

27 outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

Perante as falhas do serviço público e os preços altos do privado, procuram-se alternativas. Com kits comprados pela Internet, a inseminação caseira é feita de forma improvisada e longe de qualquer vigilância médica. Redes sociais facilitam o encontro de dadores e tentantes, gerando um ambiente complexo, onde o risco convive com a boa vontade. Entidades de saúde alertam para o perigo de transmissão de doenças, lesões e até problemas legais de uma prática sem regulação.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0