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4 razões pelas quais saímos à rua no dia 4

Hoje é 4 de junho e ocupamos as ruas!

Às 18h, no Rossio, em Lisboa; na Avenida dos Aliados, no Porto; e nas escadarias do Teatro Lethes, em Faro; cada corpo dá voz a um mesmo grito que clama por direitos, justiça e proteção social para quem trabalha na cultura e nas artes, reafirmando a urgência do investimento na vida cultural e nas práticas artísticas, em protesto contra a inaceitável falta de respostas à grave crise que a pandemia trouxe a este setor.

Casos de urgência

Sem atividade, sem vínculo laboral que traga segurança, sem a decência de algum pagamento pelo que foi cancelado, muitas vezes sem acesso à proteção social, ou contando com os valores muitos baixos destes apoios, sobrevivem, desde há três meses, milhares de pessoas que trabalham no setor da cultura e das artes. Apesar de algumas correções que foram sendo feitas às regras para os apoios sociais - quem faz descontos há mais tempo pode receber um valor máximo de 635€, mas na esmagadora maioria dos casos fica abaixo do limiar da pobreza, entre 219€ e 438€ mensais - não foi tomada nenhuma medida capaz de conter a devastação destas vidas. O trabalho crescente dos grupos de distribuição de bens de primeira necessidade prova a ausência de medidas. Em dezenas de profissões continuará a ser assim, dado que, com um setor profundamente debilitado, a reabertura dos espaços culturais não significará a retoma da atividade, e a maior parte das pessoas continuará, por isso, sem rendimentos. Não podemos admiti-lo.

Recuperação 

É necessário investimento público para recuperação do setor. Se mais razões não houvesse, o investimento é importante porque uma crise económica se combate com políticas contracíclicas, capazes de proteger rendimentos e atividades. No caso deste setor, a urgência é ainda maior, dada a fragilidade das estruturas de produção, que têm sobrevivido a custo, num contexto em que as políticas culturais são sempre erráticas, e em que o orçamento é insuficiente para as colocar em prática. São necessários fundos para um programa de retoma com mais medidas de apoio à criação artística e ao desenvolvimento de outras atividades culturais. Só assim se garante que não se perde para sempre o trabalho de quem hoje se encontra em rutura, e se ganha uma verdadeira abrangência estética, territorial e social das práticas culturais e artísticas. Por outro lado, paralelamente, terá de ser criada uma linha de financiamento especificamente destinada ao cumprimento das novas regras de higiene e segurança para a abertura dos espaços e retoma das atividades, por exemplo para a compra de equipamentos e materiais ou para a contratação de equipas extra.

Justiça no trabalho

Os efeitos da pandemia, para quem trabalha no setor, não foram catastróficos só pelo facto de as suas atividades serem ao vivo e juntarem públicos, e por isso terem sido canceladas. Isso foi o que levou à paralisação do setor, claro, mas o que destruiu as pessoas foi a falta de segurança, resultado de um histórico de precariedade e baixos salários.

A ideia de que o trabalho na cultura pode ser precário e sem contrato tem de acabar. O Estado central e as autarquias deveriam começar por dar o exemplo. O primeiro passo é acabar com os falsos recibos verdes e os falsos outsourcings, tanto nos postos permanentes, como é o caso das bilheteiras, dos assistentes de sala e das equipas técnicas dos espaços culturais, que estão sempre abertos e em funcionamento, como nos casos dos trabalhos por projetos onde é também é possível, e obrigatório, na verdade, utilizar o contrato de trabalho. Urge combater e corrigir a cultura laboral dos vínculos ilegais. Por fim, criar um sistema de segurança social que seja capaz de proteger quem tem um trabalho e uma carreira contributiva intermitente é, como sabemos, tarefa fundamental.

Política Cultural

Não há estratégia, não há definição de objetivos e, sobretudo, não há verbas suficiente para política cultural em Portugal. As medidas sempre foram erráticas. No caso das infraestruturas, por exemplo, vê-se bem como a recuperação de um monumento ou a construção de uma biblioteca nunca faz parte das práticas continuadas ou planeadas, e é sempre motivo de mobilização excecional. Recuperar deste atraso requer estratégia e recursos para construir o serviço público, tão necessário num país que pouco se conhece a si próprio, que pouco conhece o mundo, e que precisa apostar na qualificação. Mas, em 2020, o mesmo Orçamento de Estado que apresentou um excedente definiu 0,28% para todas as políticas culturais - para a criação e difusão artística do cinema, artes plásticas, teatro ou dança, para a literatura, para a preservação e acesso ao património, para os museus, bibliotecas, teatros, arquivos, para a arqueologia, levadas a cabo por instituições tão diversas como a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, o Instituto do Cinema e Audiovisual, a Direção-Geral do Património Cultural, a Direção-Geral das Artes, a Cinemateca, o Centro Cultural de Belém, os Teatros Nacionais, a Biblioteca Nacional ou as Direções Regionais de Cultura. Uma política cultural que garanta os direitos culturais da população, capaz de produzir e transmitir conhecimento, de qualificar e democratizar a sociedade não se faz com 0,28% do orçamento.

-Sobre Amarílis Felizes-

Economista, profissional de bastidores (produtora, diretora de cena, stagehand) e espectadora de teatro aficionada, Amarílis é doutoranda em Economia Política (ISEG, ISCTE e FEUC) e coordenadora de produção da companhia de teatro Visões Úteis, no Porto. Entre 2015 e 2018, trabalhou na Assembleia da República como assessora política do Bloco de Esquerda e, nessa altura, fez também o mestrado em Economia e Políticas Públicas no ISEG, que culminou na dissertação “Política Cultural em Portugal – Determinantes da Despesa Publica em Cultura”. Aos 17 anos, encenou a sua primeira peça de teatro, a que se seguiram outras encenações com grupos de teatro juvenil e um percurso de estudo e participação em vários projetos de Teatro do Oprimido.

Texto de Amarílis Felizes
Fotografia de Inês Tavares

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