a·li·an·ça
(aliar + -ança)
nome feminino
1. Acto ou efeito de aliar ou de se aliar.
2. Laço que prende duas ou mais entidades que se prometem mútua amizade e auxílio.
3. Acordo ou pacto entre países, governos, grupos ou indivíduos com fim comum.
"aliança", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/alian%C3%A7a [consultado em 21-10-2021].
A nossa sociedade funciona com base em hierarquias. Há quem tem poder e quem não tem. Há pessoas que têm acesso e/ou usufruto de coisas, espaços, privilégios que outras não têm. Por exemplo, responderias sim ou não às seguintes perguntas:
- Já tive de viver de favor na casa de pessoas amigas ou até de pessoas desconhecidas? - o privilégio da habitação;
- Já tive meses em que não consegui pagar a renda de casa/quarto? - o privilégio da segurança económica;
- A polícia já me parou na rua sem razão aparente? - o privilégio de raça/cor de pele;
- Já sofri de assédio sexual? - o privilégio sexual;
- Já tive de pensar na roupa que uso por medo do que me poderia acontecer? - o privilégio de género/cisgeneridade;
- Já fiquei no aeroporto sem poder continuar viagem por não ser nacional do país? - o privilégio da nacionalidade;
- Houve momentos em que não consegui ir a um evento por não ter acessibilidade? - privilégio capacitista.
Talvez não nos lembremos tanto quanto devêssemos de todos os privilégios que temos e de como os mesmos são tantas vezes vistos como coisas normais, dados adquiridos e não como os privilégios que são. Perguntarmo-nos e tomarmos consciência de que privilégios temos e de como estes operam, de modo a dar-nos mais e melhores acessos a lugares de poder, é muito importante para podermos ter empatia por pessoas que não têm o mesmo acesso nem estão nas mesmas posições. Este processo de consciencialização é também importante para percebermos como estes privilégios são sistémicos e sistemáticos dando às mesmas pessoas mais acessos, mais caminhos, mais possibilidades do que a “outras”.
Quem se importa e faz este caminho de tomada de consciência rapidamente percebe que há desequilíbrios e que, por isso, há também muitas pessoas que são postas fora de um círculo que aumenta e diminui de tamanho proporcionalmente ao poder/dinheiro/estatuto/privilégio que as pessoas têm.
Por isso, em sociedades que insistem na ideia de “minorias” e na manutenção de opressões como forma de relacionamento entre si, muitas vezes o caminho para a igualdade e/ou equidade é formar alianças com as pessoas que corroboram e afirmam os sistemas que oprimem, mas que estão também disponíveis para se questionar e ultimamente a perder privilégios de modo a termos uma (re)distribuição dos mesmos.
Por isso, em sociedades em que as normas são aprendidas e apreendidas desde um tempo que parece sempre, as alianças tornam-se essenciais para a mudança social, para a justiça racial, para a celebração da diversidade.
O perder torna-se ferramenta para uma realidade melhor para todas as pessoas. O desconfortável do confronto torna-se processo para uma realidade mais humana. É esse o trabalho, lidar com o difícil para se tornar mais fácil para mais pessoas.
A pergunta que fica para pessoas que se chamam aliadas é:
- O que é que estás disposta/o/e a PERDER?
Nota: A inspiração para este artigo foi o processo de formação/sensibilização “Campo de Treino: O que fazer junto”, que decorreu de 18 a 22 de Outubro na Casa do Capitão, dinamizado pela SOS Racismo e Casa T, Mamadou Ba (activista), Filipa César (cineasta e artista), Jota Mombaça (artista), Gisela Casimiro (escritora e artista), José Lino Neves (dirigente na associação Batoto Yetu), Rodrigo Ribeiro Saturnino (pesquisador da Universidade do Minho e artista) e a plataforma de produção de cinema Stenar Projects (com especial enfoque em temáticas queer e decoloniais). : http://oquefazerjunto.net/
-Sobre Alexa Santos-
Alexa Santos é formada em Serviço Social pela Universidade Católica de Lisboa, em Portugal, e Mestre em Género, Sexualidade e Teoria Queer pela Universidade de Leeds no Reino Unido. Trabalha em Serviço Social há mais de dez anos e é ativista pelos direitos de pessoas LGBTQIA+ e feminista anti-racista fazendo parte da direção do Instituto da Mulher Negra em Portugal e da associação pelos direitos das lésbicas, Clube Safo. Mais recentemente, integrou o projeto de investigação no Centro de Estudos da Universidade de Coimbra, Diversity and Childhood: transformar atitudes face à diversidade de género na infância no contexto europeu coordenado por Ana Cristina Santos e Mafalda Esteves.