O dia 28 de outubro é celebrado como o Dia Mundial da 3ª Idade.
Desde 1944 que os 65 anos marcam a entrada na tal terceira idade. Os transportes ficam a metade do preço, a vacina da gripe a custo zero e os bilhetes de cinema passam a ter descontos (ou passavam).
Mas há já vários países que defendem a revisão desta fronteira, tendo em conta os ganhos na esperança de vida. Por exemplo o Japão, terra de muitas centenárias criaturas, propõe que o início da velhice aconteça apenas aos 75 anos.
Estou com 66 anos e tenho um joelho maroto que me chateia há dois anos. E que me impede de jogar à baliza no futebol de salão, onde, devido ao princípio newtoniano da “ocupância volumétrica”, fiz grandes exibições.
Fora esse detalhe devo confessar que concordo com os amigos japoneses.
A velhice consiste simplesmente em ter mais coisas feitas do que coisas para fazer.
Claro está que quem na vida pouco fez (por inclinação natural) verá sempre atrás de si a ribeira de Caparide e à sua frente o rio Nilo. Mas serão casos excecionais e que dão colorido àquele aforismo de que a velhice traz consigo a preguiça. E ainda bem.
Também na cozinha existem destes idosos preguiçosos. Onde eu, por vezes, me incluo devido ao andamento dos anos…
Ainda sou do tempo (a referência à idadezinha) em que diversos restaurantes nacionais faziam questão de servir vastas quantidades de comida nas suas travessas. Esses restaurantes, tratados carinhosamente por "farta-brutos", já terão conhecido melhores dias, até porque os tempos e as modas vão para preços mais baixos e corpos mais esbeltos.
Mas por essa periferia de Lisboa e do Porto ainda se encontram alguns resquícios da abundância capitosa que, em tempos idos, fazia a fama e o proveito de muitas casas de bem servir durante os passeios dominicais em família.
No meu caso existe um local onde frequentemente peço para trazer para casa aquilo que sobra. Apenas em relação a um prato, e só de vez em quando, quando a preguiça e a idade (ou melhor, o camelo do joelho) me impedem de trabalhar de raiz no fim de semana, sempre de pé agarrado aos tachos.
Explico melhor: na estimável Casa dos Pneus (caminho para Bucelas, à saída do MARL, mesmo por baixo do viaduto onde passa a CREL), o proprietário trabalha muito bem a grelha de carvão. O seu bacalhau é excelente - enorme e bem demolhado.
Por outro lado, a dose de bacalhau assado é pantagruélica: uma posta de "costa a costa” nunca mede menos de 40 cm por quase 20 cm... E com a altura correspondente à do bacalhau especial. Estas doses são feitas para comerem 3 pessoas. A meia-dose será já suficiente para dois indivíduos normais.
Em casa vejo-me aflito para assar bacalhau convenientemente. Só na quinta da Beira, onde a existência de terreno livre e de bidons adaptados a grelhadores facilita essa tarefa. Mas no Estoril ficaria sempre com a casa bem perfumada a fumo se me atrevesse a semelhantes orgias assadeiras na pequena varanda virada a sul.
Por isso a minha técnica é simples. Lá nos "Pneus" peço uma cabeça inteira de bacalhau assado, mais uma posta do meio bem avantajada. Retiro para o prato onde vou almoçar as badanas laterais da cabeça com a respeitável “gola” - o que, acreditem ou não, dá bem para 2 pessoas - e levo para casa os meios da cabeça e a outra posta(zona).
Chegado a casa desfio, tiro espinhas e peles e reservo no frigorífico.
No dia do almocito ponho a assar batata da boa partida às rodelas, cebola idem e muito alho picado grosso, com azeite, sal (pouco), colorau (pouco) e duas malaguetas. Uma horita depois tiro o tabuleiro do forno e acrescento, por cima, as lascas do bacalhau assado. Cubro com rodelas de ovo cozido e vai mais uma meia hora para o forno.
Decoro com azeitonas pretas e uns raminhos de salsa ou coentros.
E por 40 euros (mais ou menos) comeram muito bem 2 criaturas lá no restaurante e mais 5 em casa.
O vinho não entra nessas contas (e é pena). Mas mesmo assim dou alguns conselhos para bem beber nesta ocasião.
Trata-se de um prato de bacalhau de sabor quase “violento”. Com o azeite, o alho, as batatas assadas, a cebola, as azeitonas. E o sal do bacalhau aumenta o eventual conflito com a harmonização do vinho.
Para mim, apenas tintos mais intensos e estruturados dispõem de argumentos para estas batalhas de sabores. Vinhos com uma acidez vigorosa e taninos bem visíveis.
Por exemplo, um Bairrada Sidónio de Sousa Reserva 2015, ou um Quinta das Bágeiras 2017. Para não falar do óbvio quando a temperatura está mais alta: um verde tinto refrescado (mas que não será ao gosto de todos).
-Sobre Manuel Luar-
Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses. Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.