O propósito da esperança não é esperar.
A espera é um movimento lento, resguardada por baixo da cobertura da estação de comboios ou desguarnecida, entre a chuva e o vento norte.
A espera pode ter qualidades muito diferentes: a paciência, o desespero, a certeza. E não, não é verdade que quem espera sempre alcança. Ou, pelo menos, só alcança quem espera o que sabe poder esperar.
Saber o que se pode esperar é um exercício incerto, mais ou menos certo. Aí a surpresa é possível, porque a sempretude não é uma ciência e a própria ciência está revestida de mistérios.
A esperança não é de quem acredita na espera que alcança. A espera de quem alcança é coberta de certezas, mesmo sendo estas incertas.
A esperança é feita de outro barro, fino, doce, moldável. A esperança não tem forma exata, destino certo, caminho conhecido.
Ao contrário do exército formado antes da batalha, o exercício da esperança está para lá da preparação, o que é, a maior parte das vezes, uma irresponsabilidade. Sendo uma irresponsabilidade, a esperança é leve, não é atraída pelo sentido necessário.
Uma esperança que dependesse da sua preparação, não passaria de projeto. Um projeto é uma organização articulada de meios para a concretização de um fim. Ora a esperança não se articula, apesar de ter um fim.
A esperança não é um alfabeto, por ser um dispositivo de uma complexidade sem escrutínio. Não se organiza, por ter dimensões fantasmáticas. Não se escreve, por ser indescritível.
A esperança reside do lado da emoção, por mais que se ancore na razoabilidade. Pode haver esperanças mais ou menos razoáveis mas a sua decorrência vem da afirmação de um estado de espírito.
O estado da esperança é um território propício a ser lavrado, boa terra, bom sol, rega no tempo que faz a flor e o fruto.
A esperança dispõe a cultura dos dias de forma propícia, os braços abertos. É o campo da alegria, da dominação do pânico, dos olhos abertos e límpidos. Não tem inimigos, pois repousa no modo de olhar e esse, ninguém mata a não ser que se deixe.
A esperança só morre se a matarmos dentro. E não é verdade que ela seja a última a morrer. Há coisas que podem morrer depois da esperança. Mas quando a esperança morre, as mortes posteriores são o posto da ausência.
O propósito da esperança é a construção dos palácios interiores. A arquitetura da esperança é um raio a entrar pelas janelas abertas dentro, na quietude de uma paz sem nome. A partir deste lugar, cada pessoa detém o princípio do príncipe.
O príncipe é quem está primeiro. Na corrida ou na parada dos dias, primeiro se encontra quem na procura procurou, quem procurou procurar, quem se cobriu do seu manto invisível na viagem.
A viagem por ela coberta abre portas onde se encontram tesouros inesperados. Só através dela as portas serão abertas.
Só com ela o riso encontra verdadeiramente a sua casa.
-Sobre Jorge Barreto Xavier-
Nasceu em Goa, Índia. Formação em Direito, Gestão das Artes, Ciência Política e Política Públicas. É professor convidado do ISCTE-IUL e diretor municipal de desenvolvimento social, educação e cultura da Câmara Municipal de Oeiras. Foi secretário de Estado da Cultura, diretor-geral das Artes, vereador da Cultura, coordenador da comissão interministerial Educação-Cultura, diretor da bienal de jovens criadores da Europa e do Mediterrâneo. Foi fundador do Clube Português de Artes e Ideias, do Lugar Comum – centro de experimentação artística, da bienal de jovens criadores dos países lusófonos, da MARE, rede de centros culturais do Mediterrâneo. Foi perito da agência europeia de Educação, Audiovisual e Cultura, consultor da Reitoria da Universidade de Lisboa, do Centro Cultural de Belém, da Fundação Calouste Gulbenkian, do ACIDI, da Casa Pia de Lisboa, do Intelligence on Culture, de Copenhaga, Capital Europeia da Cultura. Foi diretor e membro de diversas redes europeias e nacionais na área da Educação e da Cultura. Tem diversos livros e capítulos de livros publicados.