É suposto que todos temos de partilhar nesta altura do ano o famoso "Espírito de Natal". Mesmo quem não sinta muito essa toada de "paz e amor" na sua vida de todos os dias.
A consoada e o almoço de Natal, embora pobrinhos, se forem passados com a família ao redor acabam sempre por trazer algum conforto aos que deles partilham.
Esta é a teoria oficial do politicamente correto. Nada tenho contra quem assim pensa, mas para mim não é esta uma quadra que me agrade por aí além.
É uma conversa recorrente todos os anos. Sobre o muito que me custa chegar ao início de Dezembro e aturar a família (já para lá de Bagdad quase toda) e mais quem se pendure na minha habitual complacência para ir aos recados, servir de motorista, transportador de flores, de presentes e outras tarefas do mesmo tipo.
Entre outras tradições estranhas está a imperativa necessidade de lavar as campas do cemitério para o Natal. Quem está lá dentro acho eu que pouco se importa com o estado da campa onde o(a) meteram. Quem ainda está por fora e vai ao cemitério visitar as tais campas são apenas dois. Exatamente os dois que terão o trabalho da "lavagem". Melhor dito, o que lava e a que orienta... Mas adiante.
Eu gosto de ver as "luzes" nas nossas ruas, mas já não aprecio muito ter em casa decorações natalícias. Não me interpretem mal. Não é ausência de espírito natalício, mas sim prezar sobretudo alguma sobriedade naquilo que vejo quando estou sentado em casa: olhar para os nossos livros, passar os olhos pelas centenas de DVD's, que acumulei, admirar os velhos discos de vinil, etc…
Mas as anciãs residentes normalmente tomam conta desta ocorrência da "decoração natalícia" nos dias que antecedem o Natal, com a colaboração da nossa empregada que enquanto faz as decorações está bem mais descansada do que o habitual.
Dito isto, metem "meninos Jesus" e "pais Natal" em tudo quanto é puxador de gaveta. Não deixando de enfiar "estrelas" e "arvorezinhas de Natal" nos espaços disponíveis das restantes prateleiras...
Particularmente ofensivo foi ver que na prateleira da ciência política taparam parte da obra do Maurice Duverger com a procissão dos Reis Magos e quando me queixei logo me disseram que "não me enxofrasse porque a procissão todos os dias andaria mais um bocadinho até chegar ao presépio..."
No candeeiro de pé está um bojudo Pai Natal sorridente pendurado por um fio dourado. Em frente à televisão colocaram o tal presépio, de tal forma que tapa o recetor do comando à distância.
Apenas meti o pé com estrondo quando me deparei com a "fotografia" do Menino Jesus nas janelas da sala. Depois de muito falatório lá a retiraram...
Para depois a dita cuja ressuscitar colada na porta da rua...
Não há mais nada a fazer. Nesta quadra e como não tenho possibilidade de fugir de casa, o melhor é aguentar e ir esperando que passe.
Vou esperando e vou bebendo (e comendo), como sempre me aconselhou o meu Pai.
Que estas reflexões não deixem os meus amigos de passarem um Santo Natal, na companhia de quem mais gostam. E se por acaso tiverem que aturar nestes dias alguém menos "afável" e cuja companhia bem dispensavam, não se esqueçam do tal "espírito de Natal" com que comecei a crónica. Façam o sacrifício por uma noite (ou duas).
Sogras e sogros, noras e genros? É Natal. Até cães e gatos devem fazer um esforço para se aturarem por algumas horas.
-Sobre Manuel Luar-
Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses. Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.