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Maria Leão transforma a tradição em peças de joalharia que falam pelos nossos tempos

Quando era mais nova, Maria Leão não sabia ao certo o que queria ser quando…

Texto de Carolina Franco

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Quando era mais nova, Maria Leão não sabia ao certo o que queria ser quando crescesse. Mas tudo fazia prever que fosse alguma coisa relacionada com as artes. A sua família sempre a encorajou e, mais tarde, fazer o ensino secundário na Escola Artística Soares dos Reis, no Porto, foi uma opção natural. Lá encontrou o seu campo de experimentação que a levou até à joalharia. Talvez não fosse a área mais previsível - pelo menos não era isso que as roupas que fazia para as suas bonecas indicavam - , mas havia uma certa familiaridade nesta área. Sempre viu as mulheres da sua família com jóias. 

“Aempre vi a minha avó paterna, Glória, a usar peças de joalharia muito tradicionais e muito grandes, especificamente em alturas festivas. Ela nunca saía de casa, mesmo em dias normais, sem ter o batom vermelho e sem ter, pelo menos, uns brincos. Dizia que se sentia nua sem essas duas coisas. Eu acho que, de alguma forma, no meu subconsciente, isso teve alguma influência”, recorda Maria. 

Hoje, Maria Leão tem a sua própria marca, fruto de um caminho que começou a construir ainda na Soares dos Reis, quando optou pela área de ourivesaria. Leão Creative junta a joalharia contemporânea aos intemporais, sempre com o objetivo de contar estórias e eternizar memórias. 

Um caminho entre a experimentação e os clássicos

Depois de três anos na Escola Artística Soares dos Reis, Maria percebeu que tinha de ir estudar para fora se quisesse ter um ensino artístico menos focado na indústria. A melhor opção surgiu em Inglaterra, na Universidade de Rochester. Mudou de país em plena crise económica, e a opinião das pessoas que a rodeavam sobre o seu país não era a melhor. Quis mostrar o outro lado de Portugal através das suas jóias. Como sentia a falta da sua família, o seu projeto tornou-se quase uma missão que a deixava mais perto da memória e, por isso, mais perto das pessoas. “Queria mostrar aos outros que Portugal era pequenino, mas tinha tanta riqueza iconográfica e de técnicas artísticas”.

O projeto final de faculdade acabou por resultar numa espécie de ampliação de pormenores de peças tradicionais da ourivesaria de Viana do Castelo que, desconstruídos, ganhavam uma outra dimensão. Uma leitura contemporânea. Maria sabe que são peças especiais, algumas delas que provavelmente nunca conseguirá vender, mas fazem parte do seu universo e ganham novas vidas quando apresentadas em contextos expositivos.

A falta que sentia da família trouxe-a de volta a Portugal, já ciente de que queria criar, um dia, a sua marca. Por muito que estivesse tentada a inscrever-se num mestrado na faculdade em que tirou a licenciatura, a falta que sentia da sua família e amigos falou mais alto. Quando se mudou, sentiu que talvez não estivesse pronta para ter um emprego “como era suposto” na área da joalharia. Aí nasceu a Leão Creative, da oportunidade de criar, falhar, e ver o que dava certo. Até agora, foram sete anos de aprendizagem e solidificação de uma marca que já se tornou sustentável — mas Maria ressalva, “foi ao final deste tempo todo e com muito investimento”. 

Era na joalharia contemporânea que queria lançar-se. Foi a possibilidade de experimentação que a levou a procurar uma universidade mais criativa e era essa a expectativa quando voltou, mas “o mercado em Portugal estava mesmo muito fechado”. “Foi na altura em que a AORP - Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal começou a fazer umas sessões mais fortes para promover os novos designers, mas as coisas ainda estavam muito tenras.”

Maria sabe que a  “joalharia contemporânea é muito difícil”, e conta que ainda tem peças que fez na altura em que acabou o curso que não vendeu e que sabe que “provavelmente será muito difícil de vender”. “Mas são peças que continuam a dar-me alguma visibilidade e posicionamento; são peças que eu própria já aceitei como de exposição”, explica.

Pode a joalharia integrar uma exposição?

Na visão que Maria tem da joalharia, e das suas peças, é perfeitamente possível que estas integrem uma exposição, tanto no contexto da ourivesaria, como num outro contexto artístico. Era isso que via quando visitava o Victoria&Albert, em Londres: “existe uma sala dedicada só a joalharia e, se formos a acompanhar a cronologia, conseguimos perceber o que aconteceu, quais foram os marcos da própria história da civilização, por causa dos materiais ou dos motivos que estão gravados”. As peças falam pelo seu tempo.

Também as peças que Maria desenvolveu no final de curso viajaram para a Bienal de Xangai e mostraram a sua visão contemporânea da ourivesaria tradicional portuguesa. Já expôs em diferentes cidades entre Portugal e o mundo, e acredita que de facto a joalharia pode caber no pensamento curatorial, ainda que acredite que a utilidade destes objetos possa tornar questionável a sua equiparação a outros objetos artísticos (como uma escultura ou uma pintura). 

Por Portugal, a AORP vai promovendo alguns momentos expositivos, como foi o caso da iniciativa “Rethink. React. Reshape”, cujo mote era a reutilização de materiais para repensar o desperdício da indústria, a partir de uma parceria com uma marca. Maria Leão, que foi uma das vencedoras do concurso inicial, propôs criar uma coleção com a Viúva Lamego. A histórica marca de azulejos tem vindo, nos seus quase 200 anos de existência, a apostar nos artistas do seu tempo e não foi, por isso, surpreendente que quisesse investir numa artista joalheira. A novidade é que nas peças de Maria estão desperdícios de azulejos da fábrica, alguns deles que sobraram de painéis que hoje fazem parte do espaço público. 

“Já tinha idealizado fazer com a Viúva Lamego, também muito pela influência que as técnicas tradicionais e a nossa produção nacional sempre tiveram no que fui fazendo em termos plásticos e de inspiração para as minhas criações na joalharia. Foi muito natural escolher a Viúva Lamego por ser uma empresa histórica, ainda por cima de azulejos, porque a coleção que iria ter no MAAT e que foi selecionada tinha sido a Salty que é inspirada nos azulejos Moçárabes”, recorda. 

Depois de uma visita à fábrica, sem ter uma ideia pré-definida do que faria, trouxe alguns materiais para casa. Passou um mês e meio a olhar para esses desperdícios e a pensar “o que é que vou fazer com eles?”, até que, a dado momento, percebeu que fazia sentido encontrar uma ligação entre os padrões que se repetem nos azulejos e os padrões que se repetem na joalharia.  “Foi dessa forma que comecei a criar, primeiro com a pulseira e depois com o colar e brincos, e entretanto acabei por fazer os brincos mais pequeninos com a forma do Favo como se fosse o elemento isolado do padrão. Acho que acabou por resultar muito bem e pensei só mesmo em peças como brincos, colares e pulseiras por uma questão de gestão de stocks e de as peças poderem ser ou não vendáveis, porque é muito mais difícil vender anéis”, conta, mostrando a importância que a sustentabilidade tem também através destes detalhes. 

“As pulseiras também têm um pormenor interessante que é que ao serem unidas transformam-se num colar. Também há essa transformação e versatilidade nas peças. O meu pensamento acabou por andar em torno desta questão de dar mais do que um uso à mesma peça.”

Para fotografar a coleção, juntou-se a Dulce Daniel e voltou à fábrica porque fazia sentido “que as pessoas pudessem saber de onde vinha o material”. Já que essa é, segundo Maria, uma preocupação cada vez maior por parte dos clientes.

Projetar um futuro 

Quando percebeu que teria de se adaptar ao mercado português, Maria seguiu o seu instinto e começou a projetar peças que marcassem  momentos especiais na vida de quem as comprasse. “Comecei a fazer o anel de noivado, as alianças de casamento dos meus irmãos, e começou por aí. Percebi que mesmo dentro daquilo que é a joalharia um pouco mais clássica, ou modelos um pouco menos exploratórios ou artísticos, eu conseguia pôr a minha criatividade e o meu design, a forma como assimilo as mensagens através da alta joalharia”, diz Maria. 

“Anéis de noivado, anéis de aniversario, peças que comemoram datas especiais. Aquilo que fiz foi ser mais flexível àquilo que o mercado me podia dar, e acaba por ser interessante porque eu continuo a trabalhar com base na emoção e com base em histórias. Isso deixa-me de certa maneira também comovida porque eu comecei por falar das minhas histórias, daquilo que me fazia feliz e orgulhosa de alguma forma e agora conto a dos outros.” Para si, “a joalharia só faz sentido dessa forma”.

A pergunta “de onde vêm os materiais” é cada vez mais constante no seu trabalho. “Eu vejo pelos meus clientes e mesmo pelo mercado que estao cada vez mais interessados em ver de onde é que vem o ouro, de onde vêm as pedras preciosas, se são fair trade ou não, se há pessoas a serem exploradas por causa de podermos ter ouro, diamantes e pedras preciosas acessíveis. Acho que há uma consciencialização cada vez maior e os clientes querem saber cada vez mais de onde é que vem a matéria prima com a qual nós fazemos a joalharia, e eu acho que isso ainda atribui mais valor à jóia porque acaba por ser outra narrativa que dá mais valor à peça”, diz.

Na indústria, vê uma aposta cada vez maior em materiais reciclados, cuja utilização possa ter um menor impacto no ambiente. No caso dos pequenos produtores, a produção em pequena escala, muitas das vezes personalizada, acaba por ser uma forma de também evitar o desperdício. “Hoje em dia as pessoas para fazerem um investimento destes preferem fazer um investimento que seja pensado para elas. Eu tive clientes que vinham com uma ideia se calhar diferente do tipo de investimento que queriam fazer e depois de lhes explicar o processo, o tipo de personalização que iam ter, acabaram por se calhar fechar uma peça mais cara mas que era feita só para eles”, conta. 

Outra das hipóteses quando se pensa em sustentabilidade é a possibilidade de ressignificar peças antigas, ou porque esteticamente já não agradam a pessoa a que pertencem, ou porque o significado que lhes está associado deixou de fazer sentido. Maria diz que “há essa possibilidade de trabalhar a renovação das peças, de dar uma nova roupagem a peças de joalharia antigas”, e que é uma vantagem não só em termos de sustentabilidade mas também de ter peças únicas. “Há imensos caminhos que se podem fazer em termos de sustentabilidade na ourivesaria e noutras áreas artísticas e também não nos pode faltar criatividade para a aplicarmos nesse sentido.” 

Sobre o que está por vir, acredita que o investimento no digital é cada vez maior e que talvez as marcas possam vir “a não ter stock, tanto em lojas online como nas lojas físicas, e poderemos ver como é que as peças ficam através de realidade virtual”. “Isto em termos de as pessoas verem com é que a peça pode ficar, e de toda a cadeia de produção, vai poupar recursos naturais e vai fazer com que as peças sejam feitas on demand. Acho que estamos a caminhar nesse sentido.” 

As respostas de um futuro que ainda só é possível projetar não surgem de imediato, mas Maria acredita que vão chegando à medida que os criadores vão trabalhando. É no sentido de tornar o mercado da joalharia mais sustentável que também quer trabalhar. 

A coleção Renascimento, apresentada pela primeira vez no MAAT, será exposta na iniciativa Local Goes Global, uma pop up  store em Londres, entre 17 e 22 de fevereiro, A iniciativa é promovida pela  ANJE,  com a organização da   Kind Purposes.

Sabe mais sobre Maria Leão e a Leão Creative, aqui

Texto de Carolina Franco
Fotografias da cortesia de Maria Leão

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