Se existe uma verdade em relação a quem é adicto, para além da óbvia, é a alteração profunda que provoca na vida de quem lhe está ou é próximo. Pode ser uma amiga como um marido, um filho como um parente, o que é certo é a incontornável certeza que estas pessoas, ao viver na concha do adicto, são também elas merecedoras do nosso maior apoio e atenção.
Chama-se, geralmente, co-dependente a quem está nesta situação, quem vive de perto o drama de um adicto (qualquer que seja a adição), e que se sente responsável por todos os actos durante todo o tempo de quem está realmente doente.
Trata-se de uma dependência psicológica e patológica que causa grande sofrimento e desgaste e que, ainda mais complexo, leva o co-dependente a cometer actos contra a sua própria natureza, como mentir para esconder a realidade e ajudar o adicto no seu dia-a-dia, numa relação cada vez mais tóxica para ambos.
O co-dependente põe de lado a sua própria vida para passar o tempo a tratar e resolver a vida do adicto, tornando-se cada vez mais cúmplice, permissivo e até compreensivo enquanto sofre abusos tanto físicos como emocionais.
Existem algumas inverdades no que respeita a quem se torna co-dependente, pois esta não é uma doença mental, mas um padrão de comportamentos que vão evoluindo conforme a doença do “outro/a” fica mais grave. Um co-dependente pode ser homem, mulher ou criança, rico ou pobre, inteligente ou esperto; Na verdade, pode ser um cônjuge como uma enfermeira, um polícia como um médico. Qualquer pessoa que esteja próxima de um adicto que lhe é importante, corre o risco de ficar co-dependente dessa vida e dos seus excessos.
Decerto que muitos de vocês conhecem, conheceram alguém nesta situação ou até já passaram por problemas complicados, em que se sentiram responsáveis pelo adicto, ficando ansiosos por não saber como ele chega a casa, como vai passar a noite, o que acontecerá no trabalho, como irá sobreviver amanhã. De repente, o co-dependente vê-se a viver para encontrar a solução e compromete-se demais, passando também ele a ser uma espécie de adicto e ficando muito vulnerável e propício a depressões e sentimentos desesperados.
Esta relação tóxica é perversa porque ao pensar que se ajuda, faz-se o contrário, porque não se deixa de gostar de alguém de um dia para o outro e é muito difícil, no caso de um casal, chegar à conclusão que a vida em comum já só é sobrevivência. E na pior das formas.
Como em tudo, há que saber o momento em que se deve procurar ajuda e, deixem-me ser muito clara: o co-dependente precisa de acompanhamento profissional, qualquer tipo de terapia, da familiar à de casal, como de grupo (co-dependentes anónimos) ou individual, para conseguir soltar-se destas amarras.
Um dos primeiros conselhos que vão receber é praticar o “amor firme”, ou seja, ser muito duro, directo e objectivo na relação, aprender a dizer não e tentar perceber que não se tem responsabilidade pela doença mental do adicto que se ama. Parece difícil, não é? E não vou mentir, é muito, mas muito difícil.
A co-dependência pode levar à morte, no caso do “outro” ser propenso à violência, pois as coisas podem descambar rapidamente com acessos de fúria descontrolada que podem apanhar de surpresa quem está ao lado. Infelizmente, o alcoolismo ou as drogas duras têm sido responsáveis por muitos incidentes dramáticos que poderiam ser evitados, alguns, se as pessoas doentes fossem diagnosticadas e tratadas com tempo e por profissionais de topo.
Uma forma que temos para ajudar um co-dependente é, em primeiro lugar, mostrar-lhe que o é e, depois, encaminhá-lo para ajuda externa que tanto pode passar por um grupo de ajuda como pela terapia profissional.
A sociedade tem de perceber que um co-dependente pode ser qualquer pessoa que lida com dependentes químicos (drogas), compulsivos (álcool, jogo, comida, sexo, etc.), doentes mentais ou físicos (que necessitem de apoio constante), narcisistas, líderes (religião, política, desporto, etc.) e tantos outros exemplos. Que, como já referi, podem ser homens, mulheres ou crianças, independentemente do nível social e cultural. E termino dizendo que nem só quem é próximo ao adicto corre neste risco, pois há profissões que são propensas a desenvolver comportamentos co-dependentes. Algumas delas? Assistentes sociais, os próprios terapeutas, enfermeiros, médicos, professores e tantos outros. Basta que se sintam responsáveis.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Ana Pinto Coelho-
É a directora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, também conselheira e terapeuta em dependências químicas e comportamentais com diploma da Universidade de Oxford nessa área. Anteriormente, a sua vida foi dedicada à comunicação, assessoria de imprensa, e criação de vários projectos na área cultural e empresarial. Começou a trabalhar muito cedo enquanto estudava ao mesmo tempo, licenciou-se em Marketing e Publicidade no IADE após deixar o curso de Direito que frequentou durante dois anos. Foi autora e coordenadora de uma série infanto-juvenil para televisão. É editora de livros e pesquisadora. Aposta em ajudar os seus pacientes e famílias num consultório em Lisboa, local a que chama Safe Place.