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Michelle Chan: “Passar recibos verdes já não é uma obrigação para um freelancer. Existem alternativas suficientes”

A Pronobis quer dar o melhor dos dois mundos a quem escolhe trabalhar por conta…

Texto de Isabel Patrício

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A Pronobis quer dar o melhor dos dois mundos a quem escolhe trabalhar por conta própria: a agilidade de uma empresa e a proteção social de um trabalho por conta de outrem. Nascida em 2014, esta cooperativa conta hoje com cerca de 300 associados ligados sobretudo ao setor da cultura, sendo uma alternativa ao regime do trabalho independente.

Numa conversa por Zoom, Michelle Chan, fundadora desta entidade sem fins lucrativos, fala-nos sobre o mercado laboral português, o impacto da pandemia no trabalho independente e as diferentes soluções que existem hoje ao dispor de quem decide criar o seu próprio emprego. A Pronobis é uma delas, procurando garantir direitos iguais a todos os trabalhadores.

Gerador (G.) – A Pronobis descreve-se como uma solução que oferece aos freelancers a agilidade de uma empresa e a proteção social de um trabalho por conta de outrem. De que modo funciona?

Michelle Chan (M. C.) – As cooperativas permitem que os seus associados tenham um duplo estatuto de empresário e trabalhador da sua própria empresa, tal como acontece com as empresas unipessoais. A diferença é que esta empresa não é unipessoal, é de todos e não tem finalidade lucrativa. As pessoas, ao inscreverem-se na Pronobis, adquirem títulos de capital, passam a ser donas de sua quota parte e – as cooperativas promovem o autoemprego – portanto, passam a ser empregadoras de si mesmas e têm, assim, esse duplo estatuto de empregador e trabalhador. Como empresários, conseguem os benefícios de qualquer empresa: podem usá-la [à empresa] para faturar trabalhos e têm a possibilidade de descontar as despesas da atividade profissional, que, de outra forma, poderiam não ter. Este é o benefício de funcionar num sistema empresarial. Do lado do trabalhador, no caso da nossa cooperativa, as pessoas estão registadas na Segurança Social como trabalhadores por conta de outrem da Pronobis e, deste modo, têm os benefícios de qualquer outro trabalhador por conta de outrem.

G. – Têm o melhor dos dois mundos, é isso? E como é que surgiu a ideia de criar a Pronobis? A Michelle era trabalhadora independente e detetou a necessidade de uma solução deste género?

M. C. – Sim, havia uma necessidade grande no mercado de encontrar uma solução [deste género], porque, à época, a legislação dos recibos verdes era diferente da que temos hoje. Chegámos à conclusão de que precisávamos de criar uma entidade que nos permitisse ter o acesso à proteção social que não dependesse de termos contratos de trabalho com as entidades para as quais trabalhávamos, até porque estamos a falar de freelancers que trabalham para muitas entidades ao longo do ano. Portanto, era necessário criar aqui um percurso alternativo de acesso à proteção social, porque as pessoas queriam pagar as contribuições e ter os respetivos benefícios.

G. – Diz que, na altura, a legislação era diferente. Para sermos mais específicos, quando é que foi criada esta cooperativa?

M. C. – Em 2014.

G. – Portanto, há oito anos. Quantos associados já têm hoje?

M. C. – Neste momento, creio que somos 300 e poucos. Já passaram por cá mais cooperadores do que aqueles que estão cá hoje, porque os freelancers têm vidas muito diferentes. Há pessoas cuja carreira, entretanto, começou a ter um sucesso maior e decidiram abrir empresa unipessoal. Há pessoas que foram trabalhar para outros países. Há pessoas que conseguiram contratos de trabalho com alguns clientes. Portanto, a vida do freelancer é bastante oscilante. Algumas estão cá desde o início. Há muitas razões que levam as pessoas a estar na Pronobis: umas, porque poupam dinheiro; outras, porque, não poupando, têm o nosso apoio e não se sentem tão sozinhas; outras, porque estão zangadas com os recibos verdes. Há muitas razões que fazem as pessoas vir para a Pronobis e há outras razões que fazem as pessoas deixar a Pronobis. Se, por exemplo, numa determinada altura da vida for mais compensatório passar recibos verdes, há pessoas que optam por voltar aos recibos verdes. É oscilante.

G. – Nestes oito anos, a legislação dos trabalhadores independentes mudou. Que balanço faz da evolução do enquadramento disponível para estes trabalhadores?

M. C. – Há uma coisa que já não é tão má, que é o facto de as pessoas pagarem as contribuições de acordo com o que receberam no trimestre anterior. Anteriormente, na época em que a Pronobis foi fundada, as pessoas estavam a pagar contribuições sobre o que tinham recebido no ano anterior ou há dois anos, e isso não permitia aos freelancers fazerem uma gestão saudável da sua vida financeira. Neste momento, o trimestre anterior [como base do cálculo das contribuições sociais] é algo muito mais próximo e os freelancers conseguem, de alguma forma, regular [a sua vida financeira].

G. – Ainda assim, acha que há falhas por colmatar neste enquadramento dos trabalhadores independentes?

M. C. – Neste momento, passar recibos verdes já não é uma obrigação para um freelancer. Já existem alternativas suficientes. Não diria [que há] falhas, porque o recibo verde é uma solução legal para prestações de serviços, mas há outras. Cada solução tem as suas características. Faz mais sentido que as pessoas se inteirem das várias opções que existem para prestações de serviços e escolham aquela que é mais adequada para si.

G. – Quando diz soluções, está a referir-se, por exemplo, à Pronobis ou à criação de uma empresa unipessoal?

M. C. – Sim, isso mesmo.

G. – Durante a crise pandémica, foram lançados vários apoios, alguns deles para trabalhadores independentes, mas há quem diga que os chamados recibos verdes saíram prejudicados em comparação com os trabalhadores por conta de outrem. Tem essa visão?

M. C. – Sim, as pessoas que trabalham a recibo verde, não todas, mas muitas ficaram com um apoio que era insuficiente. No caso da Pronobis, durante a pandemia, não houve uma grande procura de pessoas para se inscreverem e garantirem a tal proteção [social]. A procura está a acontecer agora. Em 2020 em 2021, os freelancers [que receberam os apoios extraordinários] ficaram sem trabalho e, portanto, não fazia sentido inscreverem-se na Pronobis sem terem trabalhos para faturar. As pessoas estavam ainda a tentar encontrar soluções alternativas de sobrevivência. Quem já se encontrava na Pronobis, quando começou a pandemia, e perdeu o trabalho teve acesso ao subsídio de desemprego do regime geral, aquele que existe para os trabalhadores por conta de outrem. Esse é o modelo que mais vai ao encontro daquilo que é a vida de um freelancer. O subsídio de desemprego permite fazer a suspensão [dessa prestação para] aceitar um trabalho pontual e, quando o trabalho acaba, as pessoas podem reativar o subsídio de desemprego, podendo estendê-lo até três anos. É a coisa mais aproximada que existe em Portugal do sistema francês dos intermitentes. Permite às pessoas terem um apoio entre trabalhos, continuando sempre a contribuir para o mesmo regime. Neste momento em que a economia, sobretudo o setor da cultura, está a regressar à sua atividade normal, as pessoas começam a pensar duas vezes entre estar num regime que lhes permite este tipo de apoio ou estar noutro em que se sentem menos apoiadas.

G. – Disse que a procura por soluções como a vossa está a aumentar. Que evolução terá, em resposta, a Pronobis?

M. C. – Durante a pandemia, tivemos de reorganizar as atividades dos nossos recursos humanos e temos estado em constante adaptação. A procura [que agora se regista] não é disruptiva. Estamos a conseguir dar resposta às pessoas que nos procuram. Felizmente, temos vindo a notar que há pessoas que procuram muito esta proteção social. Em relação ao futuro e ao presente, a grande mudança que agora vamos ter, a partir deste ano, tem que ver com vendermos os trabalhos dos nossos associados, que é algo que não fazíamos. Não tínhamos uma participação ativa na procura de clientes, porque eram os associados que traziam os seus clientes para a Pronobis. Neste momento, já conseguimos encontrar algum trabalho para alguns cooperadores e esperamos que este novo departamento corra bem, porque temos vindo também a ser contactados por entidades que desejam que seja a Pronobis a fornecer freelancers para as suas produções. É uma atividade que estamos agora a abraçar.

G. – Se pudesse mudar, de algum modo, o enquadramento hoje disponível tanto para os trabalhadores independentes como os trabalhadores por conta de outrem, o que mudaria?

M. C. – É uma pergunta difícil. A primeira coisa que me ocorre seria haver um estatuto fiscal especial para as cooperativas, porque as pessoas, criando o seu próprio emprego, ficam sobrecarregadas com uma taxa dupla de Segurança Social. Pagam por serem trabalhadores e por serem empregadores. Se houvesse um estatuto fiscal específico para cooperativas, provavelmente seria mais fácil as pessoas acompanharem a evolução do salário mínimo, por exemplo.

G. – Tem a ideia de que as pessoas que escolhem criar o seu próprio emprego têm remunerações mais baixas do que a média?

M. C. – Não há comparação possível entre [o trabalho independente e o por conta de outrem]. Os freelancers fazem os seus preços, de acordo com as ofertas das entidades contratantes. Fazendo parte de uma cooperativa, os cooperadores que criam o seu próprio emprego pagam uma Segurança Social superior àquela que é paga pelos outros trabalhadores por conta de outrem. Os trabalhadores por conta de outrem [com um empregador externo] só pagam 11 % [de quotização social], mas em qualquer cooperativa [os trabalhadores por conta de outrem que criam o seu emprego] pagam os 11 % e os 22,3 % da entidade empregadora. Se houvesse um benefício fiscal para as cooperativas, provavelmente seria mais fácil as pessoas aderirem a cooperativas para garantirem o seu salário mínimo. Neste momento, a percentagem que vai para a Segurança Social é um fator decisivo para as pessoas escolherem ou não estar numa cooperativa.

G. – Ou seja, criar uma espécie de regime intermédio com condições especiais?

M. C. – As cooperativas não têm uma atividade lucrativa e existem para oferecer uma resposta coletiva às pessoas que desejam fazer parte delas. Não estamos a falar de uma empresa unipessoal, em que os benefícios são só para uma pessoa é há intenção de lucro. É o oposto. Portanto, se houvesse um benefício fiscal no sentido de se pagar [as contribuições sociais] numa percentagem menor, talvez fosse uma boa ideia.

Texto de Isabel Patrício
Fotografia de Pedro Macedo

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