Neste novo texto, que em nada é relacionado com o anterior - como, aliás, já é da praxe -, quero abordar uma análise que tenho feito nos últimos tempos, que tem que ver com vários aspetos, mas principalmente no que diz respeito à frustração do ser humano, no sentido de nunca se sentir realizado e procurar o patamar seguinte. Isto pode ser bom em alguns sentidos, mas pode ser muito mau noutros.
Quero começar com um exemplo que aconteceu na última semana e que mereceu a minha atenção:
Um amigo, que é modelo, foi contratado para um trabalho fora de Portugal. Ao chegar ao hotel, fez um áudio para um grupo que temos em comum, a falar de como foi bem recebido e como o hotel era muito bonito, sofisticado. Imaginem a cara dele, bem feliz e a tirar fotografias a tudo o que via à sua volta. Alguns minutos depois, talvez já passada meia hora, o meu amigo faz um novo áudio para o grupo, mas desta vez com um outro tom. Disse que tinha saído para fazer algumas compras e passou por um outro hotel, super luxuoso, com pessoas com ar de milionárias e com muito mais encanto que o hotel onde ele estava. Para seu espanto, era um hotel 6 estrelas. Imediatamente a minha resposta foi: "O ser humano nunca está feliz… juro por tudo que ia fazer um texto no Gerador sobre isso”.
Conheço bem este meu amigo e sei que aquela situação tem um impacto nele que pode ser considerado positivo, no sentido de o motivar mais e fazê-lo trabalhar ainda mais para chegar ao próximo nível, um género de inspiração. Mas se, pelo contrário, a mesma situação for encarada pela negativa, o sentimento pode até confundir-se com um pouco de inveja, o hotel de 5 estrelas passa automaticamente a ser shit porque viste um de 6. O mesmo vai acontecer quando estiveres no de 6 e vires um de 7 e assim sucessivamente. Claro que o indivíduo conta muito, a pessoa, as suas bases, a sua compreensão daquilo que é o sucesso ou o que lhe dá motivação, mas, de facto, o ser humano quer sempre mais e nunca está satisfeito com o que tem.
Em total oposição com o exemplo que acabei de mencionar, gostava de abordar um fenómeno que facilmente se encontra por todas as redes sociais: o vasto número de imigrantes do Brasil que têm chegado a Portugal, que têm criado inúmeros conteúdos e onde expõem as suas experiências em Portugal, mostrando-nos pontos de vista totalmente diferentes sobre este país e sobre a nossa forma de o viver.
Todos temos um amigo, ou um familiar, que já mencionou a sua intenção de sair de Portugal. Estão fartos do país, dos ordenados, da política, do ensino e outras mil coisas (quem não está?) e, por isso, Inglaterra, França, Suíça, entre outros, começam a tornar-se soluções óbvias para os seus anos futuros. Parece que Portugal não é um país onde se consiga viver, constituir uma família. Basta andarmos um pouco pela Europa, em países vizinhos até, para percebemos melhor a realidade em que vivemos. Chegamos rapidamente à conclusão que podia estar a ser feito mais, muito mais. Faço aqui a ligação com o número de imigrantes brasileiros que tem chegado a Portugal: tenho visto muitos vídeos/conteúdos, nomeadamente a forma como valorizam a vida aqui em Portugal! São muitos os vídeos em superfícies comerciais, pro exemplo em supermercados, onde mostram o que se consegue comprar com 10€ apenas, os tipos de produtos que existem aqui, etc. A segurança é outro assunto muito abordado nestes conteúdos, onde se mostram ruas, edifícios, sem necessidade de seguranças e condomínios fechados. Nestes vídeos é transmitido um grande incentivo para que outros compatriotas venham morar em Portugal.
É uma visão diferente das coisas que merece ser analisada e que também mostra que aquilo que para uns é mau e causador de frustrações, pode facilmente ser um ponto de esperança para outros.
E contrapondo: recentemente no nosso espaço Kriativu recebemos a visita de alguns refugiados vindos de África, que vieram daquela forma que já se normalizou assistirmos nas notícias: 200 pessoas num só barco, sem condições nenhumas, que por serem de países muito pobres - muitos deles em clima de guerra há imensos anos -, dariam tudo para viver na insegurança, na corrupção, entre outras coisas que estão a fazer os nossos irmãos brasileiros deixar aquele lindo país e vir para a Europa.
Pois bem, são apenas alguns exemplos, poderia dar muitos mais, estabelecer comparações, mas todos vão culminar na mesma conclusão.
Entretanto, enquanto escrevia este texto, informei o meu amigo Tibunga que o estava a fazer. Fomos falando do assunto e resolvi fazer-lhe umas questões, as quais deixo aqui em género de entrevista:
Nuno Varela (N.V.): Quando viste as pessoas no hotel com 6 estrelas, sentiste que o hotel onde estavas já não servia para ti? Como foi quando voltaste para lá?
Tibunga (T.): O hotel com 5 estrelas claro que servia para mim, até porque só ia lá ficar por uma noite, mas veio-me à cabeça a frase que, acho eu, provoca mais infelicidade neste mundo “podia estar melhor”. Não se tratou de uma questão de inveja, é humano comparar automaticamente a tua posição com a dos outros. Isso muitas vezes ajuda-te a identificar injustiças e a perceber os teus direitos e deveres. Inveja é quando essa comparação te afeta negativamente. A mim motiva-me de forma saudável, valorizo as minhas conquistas, mas percebo que há mais para conquistar, o que me ajuda a ser humilde e a não rebaixar quem “ultrapassei” na escala e não deixo que a ambição chegue à ganância.
N. V. : Sentes que o ser humano nunca está satisfeito mesmo estando numa ótima situação?
T. : O que é estar numa situação ótima?
Acho que devemos primeiro que tudo distinguir o que queremos do que precisamos. E estes dois termos têm sido constantemente confundidos, porque hoje as pessoas não se comparam com o que eram ontem, nem com as pessoas que vieram do mesmo background, com as mesmas ferramentas e oportunidades. Comparam-se com pessoas famosas, ricas, génios ou que simplesmente tiveram muitos mais recursos. E muita desta comparação deve-se às redes sociais, que, na maior parte das vezes, não são de todo representativas do nível de felicidade das pessoas. E automaticamente associamos a felicidade a um estilo de vida que só 10% da população mundial tem. A felicidade não é uma constante tem de ser alimentada constantemente. Se antes comer fora me fazia feliz, hoje, que posso quando quiser, já não faz tanto e prefiro comer em casa e poupar dinheiro.
Eu não procuro felicidade, procuro paz. Tenho ídolos como toda a gente, mas comparo-me com o que eu era ontem para que amanhã possa ser melhor. E não chegar ao topo não é um problema, porque também há felicidade cá em baixo, desde que tenhas noção do que precisas e do que desejas. ✨
“É humano querer o que nos é preciso, e é humano desejar o que não nos é preciso, mas é para nós desejável. O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso é o que é desejável, e sofrer por não ser perfeito como se se sofresse por não ter pão.”
in Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa
Música
Love yours - J.Cole
-Sobre Nuno Varela-
Nuno Varela, 36 anos, casado, pai de 2 filhos, criou em 2006 a Hip Hop Sou Eu, que é uma das mais antigas e maiores plataformas de divulgação de Hip Hop em Portugal. Da Hip Hop Sou Eu, nasceram projetos como a Liga Knockout, uma das primeiras ligas de batalhas escritas da lusofonia, a We Deep agência de artistas e criação musical e a Associação GURU que está envolvida em vários projetos sociais no desenvolvimento de skills e competências em jovens de zonas carenciadas. Varela é um jovem empreendedor e autodidata, amante da tecnologia e sempre pronto para causas sociais. Destaca sempre 3 ou 4 projetos, mas está envolvido em mais de 10.