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João Meneses: a sustentabilidade “é uma enorme oportunidade” para as empresas

As empresas portuguesas já fazem esforços para serem mais amigas do ambiente, mas mais de metade reconhece estar ainda numa fase inicial dessa jornada. Quem o diz é João Meneses, secretário-geral do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal).

Texto de Isabel Patrício

Fotografia cortesia do BCSD Portugal

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A sustentabilidade ambiental pode ser uma “enorme oportunidade” para as empresas portuguesas, que serão, cada vez mais, confrontadas com exigências nesse sentido tanto por parte dos seus investidores, como por parte dos trabalhadores e clientes. Esse retrato é feito por João Meneses, secretário-geral do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal).

Em entrevista por escrito, o responsável pinta o retrato dos esforços atualmente feitos pelas empresas nacionais, mas também deixa alertas sobre o “risco sério” de o Acordo de Paris fracassar. Aproveita ainda para avançar algumas sugestões, defendendo que “faz falta” um balcão de apoio ao “investidor sustentável”.

Gerador (G.) – O ano de 2023 está à porta. Que balanço faz dos esforços de sustentabilidade que foram feitos em 2022 pelas empresas portuguesas? Houve avanços ou a conjuntura acabou por travar esse trabalho?

João Meneses (J. M.) – Não é fácil medir os esforços das empresas portuguesas. Faz falta um mapa de indicadores nacional, que meça os progressos das empresas ao nível ESG [isto é, das metas ambientais, sociais e de governança empresarial]. No BCSD Portugal, medimos recentemente a performance ESG das nossas empresas relativamente aos 20 indicadores que constituem a base da nossa Carta de Princípios e da Jornada 2030 para a sustentabilidade que propomos. Esse diagnóstico, ainda que também assente numa amostra pequena e tendencialmente composta por empresas de maior dimensão, deu-nos uma infografia básica do grau de maturidade dos nossos membros. Chegámos às seguintes conclusões: 93 % das empresas inclui um compromisso de sustentabilidade na sua missão ou visão; 55 % das empresas desenvolve, aprova e monitoriza uma estratégia de sustentabilidade; 73 % das empresas tem um responsável, equipa ou departamento dedicado à sustentabilidade; 54 % das empresas faz relatório de sustentabilidade; entre outras. Ainda assim, mais de metade das empresas reconhece estar numa fase muito inicial da sua jornada para a sustentabilidade. Até agora, a conjuntura atual não condicionou as empresas, que são membros.

G. – Perante este cenário, qual o seu maior desejo para 2023, no que diz respeito à transição das empresas portuguesas para práticas mais sustentáveis, em termos ambientais?

J. M. – As empresas portuguesas têm de olhar para a sustentabilidade como uma enorme oportunidade, dado que haverá uma exigência crescente por parte de todos os seus stakeholders [por exemplo, clientes, investidores e trabalhadores]. A regulamentação no espaço da União Europeia será cada vez mais exigente, na sequência da adoção da Taxonomia Europeia, do Pacto Ecológico Europeu, da Lei Europeia do Clima, e de outros pacotes legislativos. Quanto aos clientes, não faltam estudos que evidenciam que as novas gerações de consumidores, sobretudo a geração Z, têm uma motivação especial para fazer do consumo um ato de cidadania, isto é, procuram ter um impacto positivo no planeta através das suas opções de consumo. Também os investidores têm cada vez mais apetência para investir em empresas mais sustentáveis. Por fim, quanto aos trabalhadores, há também diversos estudos que comprovam a importância da sustentabilidade para atrair e reter talento, sobretudo junto das novas gerações. Sendo a transição para a sustentabilidade uma jornada, o meu desejo é que, em 2023, as empresas portuguesas progridam com determinação. 

G. – E quais são hoje os maiores desafios nesse caminho rumo à sustentabilidade?

J. M. – Os desafios são o cumprimento dos acordos internacionais e europeus para a década. Por exemplo, para cumprirmos o Acordo de Paris sobre o clima, o pico das emissões terá de ser atingido até 2025, e globalmente estas terão de reduzir para metade até 2030. Estas metas são disruptivas, dado que implicam uma redução anual das emissões superior a 7 %, até 2030. Ora, em 2020, devido ao confinamento provocado pela pandemia COVID-19, as emissões caíram apenas 5,8 %. Ou seja, teremos de ser capazes de reduzir mais as emissões do que (involuntariamente) reduzimos durante o confinamento. E, desta vez, sem termos a economia e as nossas vidas confinadas. Infelizmente, em 2022, as emissões globais deverão bater um novo recorde. O Acordo de Paris encontra-se em sério risco de fracassar e o “inferno climático” é cada vez mais certo.

G. – O enquadramento jurídico, como está, apoia essa transição das empresas ou, pelo contrário, constitui mais um obstáculo a ultrapassar?

J. M. – O enquadramento jurídico é fundamental e deve melhorar, de modo a criar um ambiente operativo para as empresas que seja previsível. Por exemplo, é urgente rever a fiscalidade, de modo a ser cada vez mais verde. Por outro lado, urge a rápida implementação da Lei de Bases do Clima: há vários compromissos que ainda não saíram do plano das intenções. [E também] aprofundar o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, que é ainda muito generalista. Ao nível da gestão dos resíduos sólidos urbanos, temos ainda um longo caminho a percorrer, de modo a tornar a economia portuguesa mais circular e a cumprir as metas estabelecidas pela União Europeia. O mais importante é que o Governo tenha uma abordagem estratégica aos desafios da sustentabilidade.

G. – Já disse que considera que Portugal tem uma regulação “muito fofinha”. A penalização para as empresas que não se esforcem, em termos de sustentabilidade, deveria ser agravada? De que modo?

J. M. – O Estado deve agir, sobretudo, ao nível da definição de uma estratégia global de desenvolvimento para o país e ao nível dos incentivos para lá chegarmos. Por exemplo, com a crise de 2011, na sequência da qual houve uma enorme intervenção do Estado, perdemos uma boa oportunidade para acelerar a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável. Fomos muito rápidos e eficazes, a nível europeu e nacional, a injetar liquidez na economia para recuperar os níveis de investimento, produção e consumo, mas não o fizemos exigindo progressos ao nível ESG. Seria importante, por outro lado, ter um órgão nacional que assegurasse uma espécie de concertação social para a transição para a sustentabilidade entre os setores público e privado, capaz de delinear estratégias muito concretas para os diversos setores económicos. 

G. – E como vê as práticas de greenwashing? São comuns em Portugal?

J. M. – Num mundo cada vez mais plano, é uma prática cada vez mais arriscada. Hoje, um único tweet destrói a reputação de uma empresa. É verdade que temos de caminhar no sentido de termos cada vez melhores sistemas de verificação por terceiras partes da informação não financeira partilhada pelas empresas, mas lá chegaremos. Desenvolvimentos tecnológicos, tais como o blockchain, vão facilitar cada vez mais o full disclosure das cadeias de valor das empresas. Para concluir com alguma ironia, o greenwashing até pode acabar por ter aspetos positivos para a sustentabilidade. Será cada vez mais fácil desmascarar uma empresa que promete ou afirma estar a fazer mais do que efetivamente está a fazer ao nível da sustentabilidade. Ora, para não perder a sua honra, será forçada a acelerar a transição para a sustentabilidade.

G. – Ainda sobre o greenwashing, é preciso educar o consumidor para que este saiba proativamente distinguir os verdadeiros esforços daqueles que se ficam pelo marketing? Como se pode fazer essa educação?

J. M. – Essa educação começa na escola, mas, neste momento, é uma urgência para certas áreas das empresas e dos media, que estão ainda muito distantes de alguns temas ESG, alguns dos quais bastante complexos. As áreas de inovação e investigação e desenvolvimento já compreendem o tema e já o veem como estratégico, mas a comunicação, que poderia ter um papel-chave a moldar comportamentos e atitudes por parte dos consumidores, ainda não deu o salto. Ainda recentemente, uma marca de azeite portuguesa anunciou um azeite premium, feito de azeitonas colhidas ao luar. Ora, colher azeitonas durante a noite é trágico para as aves que pernoitam nas árvores. O anúncio rapidamente foi retirado.

G. – E no que diz respeito aos apoios, já há um enquadramento suficientemente favorável para que as práticas sustentáveis sejam generalizadas e não residuais?

J. M. – Julgo que, neste momento, o desafio já não são tanto as orientações estratégicas das linhas de financiamento, que estão cada vez mais alinhadas com a transição para a sustentabilidade. O desafio coloca-se mais ao nível da sua operacionalização. Muitas pequenas e médias empresas (PME) estão ainda longe de compreender o tema da sustentabilidade e de serem capazes de identificar oportunidades de financiamento e desenvolver consórcios e candidaturas bem-sucedidas. Faz falta um balcão de apoio ao investidor sustentável, que ajude as empresas a navegar nesta nova realidade. Um selo PME sustentável também poderia ser importante.

G. – Dizem os estudos que o consumidor português está atento à sustentabilidade ambiental, mas também à sua carteira. A inflação levou a alguma mudança nessa dinâmica? O consumidor português está ainda mais atento ao orçamento em detrimento das práticas sustentáveis?

J. M. – Depende das categorias de produtos. Por exemplo, ao nível da alimentação, e uma vez que, a esse nível, as nossas escolhas têm repercussão na nossa saúde, há categorias de produtos que registam uma procura crescente. Também a procura por veículos elétricos, dados os apoios atuais, é crescente. A moda é outro bom exemplo, com várias startups portuguesas de moda sustentável a registarem níveis de crescimento interessantes. Agora, é óbvio que a inflação provoca uma diminuição do consumo em geral, e como, em certos casos, os produtos sustentáveis ainda são mais caros, essa contração na procura pode ser mais aguda. Uma das tendências, neste momento, é uma procura crescente por produtos em segunda mão, o que é positivo. Convém também acrescentar que, para a sustentabilidade, a diminuição dos níveis de produção e consumo – desde que não conflitue com níveis de bem-estar decentes – até é positiva. É uma forma de reduzir a pegada ecológica da nossa economia. 

G. – Falemos sobre o BCSD Portugal. Quantas empresas têm hoje associadas e como tem evoluído esse número?

J. M. – Atualmente, o BCSD Portugal tem 151 empresas que são membros, o que constitui um recorde histórico. O BCSD Portugal foi fundado há 21 anos por um grupo de empresários que percebeu que a sustentabilidade seria um tema-chave para a competitividade das empresas no século XXI. O nosso primeiro presidente foi o engenheiro Belmiro de Azevedo. Desde então, julgo que temos feito um percurso cada vez mais consistente a apoiar o tecido empresarial português na transição para a sustentabilidade. Neste momento, já somos uma equipa de 15 pessoas e contamos juntar mais três em 2023.

G. – Quais serão os próximos passos para o BCSD Portugal?

J. M. – Conseguir chegar a uma maior diversidade de empresas, nomeadamente, em setores nos quais ainda não temos grande representação, mas que são importantes para a economia nacional e para a sustentabilidade. E penetrar mais no universo das PME e em regiões periféricas. Em 2023, vamos lançar uma app para ajudar as empresas a fazerem o seu diagnóstico de maturidade ESG.

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