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Recibos verdes: entre a liberdade e a desproteção

Trabalhar a recibos verdes pode trazer liberdade e flexibilidade, mas também “desproteção e injustiça”, particularmente nos casos em que a prestação de serviços esconde uma relação de trabalho dependente com um empregador.

Texto de Isabel Patrício

Fotografia de Marvin Meyer via Unsplash

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Trabalhar de forma independente pode ser um sonho para alguns, que elogiam a liberdade e flexibilidade associada à prestação de serviços, sem horários definidos ou um local de trabalho a visitar diariamente. Mas também pode ser sinónimo de precariedade, instabilidade e injustiça, particularmente para quem passa recibos verdes e se encontra numa relação de trabalho dependente com um empregador. Apesar dos esforços legislativos dos últimos anos, estas situações fraudulentas perduram, incluindo na Administração Pública, denuncia a associação Precários Inflexíveis.

Apesar dos desafios (a variação da faturação e o potencial isolamento) associados ao trabalho independente, este pode ser vantajoso: traz flexibilidade horária, de local de trabalho e das funções a desempenhar, além de evitar relações diretas de subordinação, enumeram Michelle Chan e Camila Reis, da Pro Nobis, cooperativa de freelancers. “Cada um privilegia fatores diferentes na sua vida profissional e pessoal”, sublinha essa entidade sem fins lucrativos.

Há, contudo, milhares de trabalhadores independentes em Portugal que passam recibos verdes não por privilegiarem as referidas vantagens, mas, antes, por terem uma relação fraudulenta com certas empresas. São os chamados falsos recibos verdes, situações em que, apesar do enquadramento formal, o prestador de serviços desenvolve “a sua atividade sob a autoridade e direção da entidade contratante, o que determina que esta última atue como um verdadeiro empregador”, explica Luís Branco Lopes, of counsel (advogado jurídico), do escritório de advogados Antas da Cunha ECIJA.

Tal resulta, por exemplo, de uma tentativa do “empregador não ficar vinculado às obrigações e limitações previstas na legislação laboral”, acrescenta o especialista. Por outras palavras, mantendo o falso recibo verde em vez de um trabalhador por conta de outrem, a empresa consegue desvincular-se mais facilmente (até de forma unilateral) da relação, sem ter de cumprir os procedimentos previstos no Código do Trabalho.

Já para o trabalhador, não ter um vínculo dependente implica, de modo geral, estar menos protegido, não só em termos contratuais, mas também no que toca aos acidentes de trabalho e à Segurança Social.

“A distância é grande [entre a proteção social oferecida a trabalhadores dependentes e independentes]”, confirma José Miguel Ricardo, dirigente da Precários Inflexíveis, que detalha que o trabalho independente é, por norma, “mais precário, pior remunerado e com mais descontinuidades”, o que resulta em apoios mais magros.

O responsável dessa associação avança também que, apesar da “pressão” dos últimos anos, o trabalho sem direitos perdura, o que significa que “o verdadeiro trabalho independente” continua a ser “apenas uma parte dos recibos verdes que se passam todos os dias no país”. “Em setores como a cultura, por exemplo, é bastante evidente que a generalização dos recibos verdes é o resultado da precariedade instalada e não da realidade do trabalho prestado no setor. Ou o trabalho na área dos cuidados (como amas e ajudantes familiares), onde os falsos recibos verdes e os baixos salários são a norma para as mais variadas profissões”, descreve José Miguel Ricardo.

Os números sobre estas situações ainda são escassos, mas a informação divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostra que, em 2021, havia cerca de 100 mil trabalhadores independentes com apenas um cliente, característica que os aproxima dos falsos recibos verdes.

Ainda assim, a legislação portuguesa já prevê mecanismos para evitar e combater este tipo de situações, alerta o especialista da Antas da Cunha ECIJA. É o caso do regime de presunção de laboralidade previsto no Código do Trabalho: basta ao prestador de serviços apresentar dois indícios de contrato de trabalho para que se presuma que há uma relação laboral com a entidade contratante.

Por exemplo, “se determinada pessoa fizer prova de que está sujeita a um horário de trabalho e que aufere um valor certo todos os meses como contraprestação da sua atividade, passa então a beneficiar do regime da presunção, pelo que a relação contratual apenas não será reconhecida como de trabalho dependente se a entidade contratante conseguir fazer prova de que, apesar de estarem preenchidos aqueles indícios, o certo é que o vínculo não está associado a uma verdadeira subordinação jurídica, assim afastando o vínculo laboral”, adianta Luís Branco Lopes.

Outro mecanismo já preparado para lutar contra os falsos recibos verdes, destaca o mesmo, são as ações levadas a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), entidade que “passou a ter o poder e o dever de atuar no sentido de regularizar a situação, fazendo com que o trabalhador (visto como o elo mais frágil na relação laboral) não tenha de assumir um papel ativo ao longo do processo.”

De resto, estão previstas penalizações para as empresas que estabeleçam falsas relações de trabalho independente. O Código do Trabalho dita que esteja em causa uma contraordenação muito grave, arriscando a empresa uma coima até 61 200 euros. Além disso, sendo reconhecido o contrato de trabalho, o trabalhador tem o direito de ver reconhecida a sua antiguidade e de receber, por exemplo, os subsídios de férias e Natal.

Passar de dependente a independente

Passar de trabalhador dependente a trabalhador independente pode ser legal e resultado, por exemplo, de uma mudança das circunstâncias, mas há também situações que serve para camuflar o verdadeiro contrato de trabalho, surgindo, então, o falso recibo verde.

Neste caso, o trabalhador poderá opor-se e, se o empregador, ainda assim, cessar o contrato, pode mesmo “lançar mão de uma impugnação, com vista a atacar o procedimento de cessação e os motivos em que o mesmo assentou, reclamando a sua reintegração ou, em alternativa, uma indemnização”, avisa Luís Branco Lopes.

E acrescenta: “Caso exista alguma pressão em obter a anuência do colaborador para esta passagem, a questão pode ser reportada à ACT e aos tribunais, enquadrando-se o caso, potencialmente, como uma evidência de prática de assédio, com todas as consequências daí advenientes.”

Proteção para os independentes

Mesmo que a relação de trabalho independente seja verdadeira, a proteção social oferecida a esses trabalhadores tende a ser inferior, pelo que têm surgido no mercado de trabalho português soluções. É o caso da Pro Nobis, uma cooperativa de freelancers, que permite a esses trabalhadores terem uma situação equiparada ao contrato de trabalho.

“Não há relação de subordinação em relação à cooperativa, mas a Pro Nobis inscreve estes profissionais como trabalhadores por conta de outrem. Mensalmente, conforme a faturação que um profissional vai fazendo, são calculados os salários que são declarados ao Estado, tal como acontece com as empresas unipessoais. Os cooperadores vão, assim, contribuindo para a Segurança Social e construindo as suas carreiras contributivas enquanto trabalhadores dependentes”, salientam Michelle Chan e Camila Reis.

Atualmente, a Pro Nobis já abrange 300 cooperadores. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, havia em 2022 mais de 700 mil trabalhadores por conta própria em Portugal.

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