Mab.ko quer que o legado da sua arte seja a capacidade das pessoas sonharem através da sua “paixão e sensibilidade”. Esta artista plástica nasceu e formou-se na França, mas foi ao Norte de Portugal que decidiu chamar casa. Recentemente, venceu a Mostra Nacional de Jovens Criadores (MNJC), na categoria dedicada à escultura, com a obra Totem, cinco peças de tamanho humano concebidas como “objetos de proteção, emblemas sagrados, que convidam à contemplação”.
Marion Flore Konirsch, 30 anos, estudou arquitetura, mas decidiu migrar para as artes plásticas, tendo assumido o nome artístico Mab.ko, que resulta, explica a própria, da contração do seu nome e apelidos. Hoje segue um protocolo de trabalho bidimensional, no qual o desenho, os padrões e as formas arquetípicas são, nas suas palavras, fundamentais. O seu corpo de trabalho integra principalmente séries de objetos e pinturas, "que são tanto o aparelho, como a própria arte".
Em entrevista por escrito ao Gerador, Mab.ko fala sobre os seus estudos em arquitetura e como estes impactaram a sua linguagem enquanto escultora, revela como decorre o seu processo artístico e conta que mensagem pretende levar às pessoas com as suas peças.
Gerador (G.) – Formou-se em arquitetura, mas hoje é artista plástica. Como é que se deu essa transição?
Mab.ko (M.) – Sempre tive atração pelas artes plásticas, desde criança. Paralelamente à escola de arquitetura, estudei artes aplicadas e fiz um intercâmbio numa escola de belas-artes. Depois de formada, trabalhei no mundo da arquitetura, desenvolvendo projetos: design de espaços, ilustração e marcenaria. Em Portugal, aproveitei a oportunidade e estou, de facto, a fazer o que sempre sonhei.
G. – Os seus estudos em arquitetura impactam de alguma forma a expressão artística que assume hoje? De que modo?
M. – Adorei estudar arquitetura. Aprendi muito e sobre várias matérias, [como] história, sociologia, urbanismo. Acostumei-me a ver projetos, paisagens e formas urbanas [como] fonte de inspiração para o meu trabalho. Desenvolvi um processo de pesquisa e reflexão, que uso até hoje.
G. – Como é que decorre o seu processo artístico?
M. – Sigo um protocolo de trabalho bidimensional, no qual o desenho é o meio fundamental. Geralmente, inicio com linhas, padrões e formas geométricas em preto e branco, tal como um arquiteto. De uma forma ritualista/sistemática, cada pesquisa de desenho resulta numa coleção de ilustrações. Daí, surgem séries de objetos tridimensionais de cerâmica ou de papel-cartão em diferentes escalas. Estes objetos são tanto o instrumento como a própria obra de arte, provenientes de projeções diretas das ilustrações. Desenvolvo também séries de pinturas em acrílico, pastel e tinta, dando, assim, outro corpo montado às minhas ilustrações.
G. – Nas suas obras, abundam padrões, e as cores parecem ter um significado a descobrir. Que importância têm estes dois elementos na sua linguagem?
M. – Uso padrões e cores com o meu próprio vocabulário. Num processo de repetição, deformação e sobreposição, surgem objetos da mesma linguagem.
G. – Falemos da Totem, a obra que lhe mereceu agora uma distinção. São esculturas feitas de papel, areia e acrílico. Antes de mais, porque escolheu estes materiais?
M. – Como arquiteta, acostumei-me a usar papel na realização de modelos. Tanto o papel cartão, como a areia e o acrílico são materiais baratos e flexíveis, que me dão liberdade no processo criativo. Desenvolvo as minhas esculturas adicionando camadas, sem conhecer a forma final delas no início do processo.
G. – Cada escultura é única, mas o que faz com que dialoguem entre si e formem um grupo coeso?
M. – O meu método de trabalho não se baseia numa única obra, mas na construção de uma série. As minhas esculturas são elaboradas na dinâmica de pesquisas e criações, sempre com uma linguagem em comum entre as peças.
G. – As silhuetas geométricas fazem lembrar estruturas arquitetónicas. É um reflexo dos seus estudos em arquitetura?
M. – Sim, busco inspiração nas formas arquitetónicas de diversas culturas. Das mais antigas às mais contemporâneas. Viajei por diferentes países, onde descobri uma variedade imensa de paisagens, formas e padrões, que são referências para o meu imaginário.
G. – Por outro lado, diz que estas esculturas foram concebidas como emblemas sagrados. De que modo?
M. – Sempre gostei de objetos sagrados, pois, apesar de serem objetos, trazem na sua imagem a história de um imaginário popular, alterando a perceção e o comportamento das pessoas. Gosto de perceber como diferentes escalas, formas, cores e padrões podem levar as pessoas a diferentes interpretações de um mesmo objeto.
G. – Portanto, para quem se deparar com a Totem, que mensagem pretendeu transmitir com esta obra?
M. – Gosto que, quando as pessoas veem o meu trabalho, se conectem com as suas próprias experiências. Sejam lembranças de uma cultura, país, estilo… Assim sendo, não pretendo transmitir uma mensagem pessoal, mas ser a fonte de reflexão para cada um.
G. – Estudou na França, mas hoje vive no Porto. Porque escolheu Portugal para criar raízes?
M. – Em 2014, durante o meu intercâmbio na Universidade Federal do Rio de Janeiro, conheci o meu companheiro, que é luso-brasileiro. Escolhemos morar em Portugal por ser um país bom para construirmos a nossa vida e os nossos projetos.
G. – França é emblemática pelo seu meio artístico. Como compara as oportunidades que são oferecidas lá com as que estão disponíveis em Portugal?
M. – Na França, o meio artístico já é muito reconhecido e valorizado. Porém, em Portugal, trabalhando em diferentes ateliês, encontrei diversas oportunidades de desenvolver o meu trabalho, além de aproveitar a colaboração com outros artistas.
G. – Quais os seus próximos passos enquanto artista?
M. – Continuar a desenvolver o meu trabalho, participar em exposições e candidatar-me a outros concursos. Recentemente, no Porto, criamos e registamos uma associação artística e cultural: a MACS. Estamos a trabalhar no projeto de um sítio para exposições e eventos culturais, bem como num espaço de criação para artistas e artesãos.
G. – Por fim, qual o seu objetivo máximo enquanto artista? Que legado quer deixar?
M. – Criar e viver da arte é o meu projeto de vida. Encontro-me, realizo-me ao criar formas do meu imaginário particular. Se puder fazer com que as outras pessoas percebam e sonhem através da minha paixão e da minha sensibilidade, será o maior legado da minha arte.