Durante sete dias e seis noites, um artista, um político eleito e um trabalhador ou habitante local vão partilhar uma casa no bairro da Mouraria. A partir do tema Apropriação, uso e abuso do espaço público: as verdades visíveis e invisíveis da Mouraria, escolhido e identificado em Encontros de Vizinho/as como o mais urgente do território, o grupo vai ter de produzir uma reflexão coletiva que sirva de base para a obra de intervenção artística trabalhada pelo candidato escolhido. Ao Gerador, a coordenadora-geral da Renovar a Mouraria, Filipa Bolotinha, explica que “o coletivo das três pessoas pode decidir seguir com o tema abstrato, grande e lato, que é o tema indicado, mas também pode enveredar por um caminho em que particulariza”.
Para além da partilha, entre os participantes da residência, do espaço, do tempo de trabalho e dos momentos mais informais do quotidiano, a Renovar a Mouraria vai ainda proporcionar atividades diárias de forma a promover o debate sobre a obra e a possibilitar uma experiência imersiva no território. “As pessoas [participantes] vão encontrar outras do bairro e visitar organizações”, esclarece Filipa Bolotinha, “vai haver todos os dias uma atividade que permite potenciar este contacto direto com a Mouraria”.
Sobre os critérios utilizados para escolher o artista, a coordenadora-geral salienta que o candidato deve ter “abertura e flexibilidade para integrar naquilo que vai ser a sua obra, pontos de vista, reflexões e aspetos que vêm de pessoas com uma voz diferente e um lugar diferente na sociedade, quer seja o habitante local quer seja o político”. A “capacidade de adaptação” e a “compreensão de que é uma experiência imersiva de sete dias onde se vai viver e comer com pessoas que não conhecemos” é também destacada. Além disso, a qualidade do trabalho artístico submetido vai também ser avaliada pela equipa da associação e pela curadora do projeto, Paloma Sobrino.
O participante local vai ser escolhido através da realização de entrevistas. “A preocupação ou o critério será perceber se as pessoas têm o perfil, a estabilidade emocional e a capacidade de adaptação necessária a viver durante sete dias numa casa [com estranhos]”, explica Filipa Bolotinha, “a capacidade do habitante local se sentir integrado no grupo também é um foco, [visto que] temos a responsabilidade e a obrigação de garantir que todos se sentem bem e valorizados”. A coordenadora-geral atesta que um dos objetivos é fazer com que a residência seja também um “projeto de cidadania” em que se “juntam pessoas que têm uma voz diferente e capacidades diferentes, no mesmo sítio e em igualdade de circunstâncias”.
O terceiro participante, o político, vai também ser escolhido através da realização de entrevistas. “Enviámos convites diretos para todos os grupos parlamentares com assento na Assembleia da República, exceto o Chega, e para todos os grupos municipais com vereadores eleitos, exceto o Chega”, explica Filipa Bolotinha. Sobre os critérios, a coordenadora-geral realça que é “muito importante a total disponibilidade nestes sete dias, [por isso] tem que haver mesmo uma paragem na sua atividade diária e uma entrega total a residência”. Além disso, a “motivação para sair do gabinete e estar no terreno a ouvir em primeira mão o que as pessoas que vivem nos bairros têm para dizer” também vai ser um dos critérios de seleção.
No site da associação, lê-se que “um diário de bordo documentará o processo de criação e guardará os vestígios dos intercâmbios, dos encontros e das trajetórias de pensamento percorridas” ao longo da experiência. Após a semana de trabalho coletivo, o artista vai ter cerca de três meses para trabalhar na obra de intervenção pública resultante da reflexão comum do trio durante a residência.
A coordenara-geral da Renovar a Mouraria tem a expectativa de que a participação do político eleito possa contribuir para realçar a importância do trabalho no terreno. “[Espera-se] esta consciencialização do político de que há, de facto, um distanciamento da realidade quando se trabalha apenas num gabinete e esperamos que ele possa a ser um porta-voz dessa realidade para junto dos seus pares”, declara. Em relação à participação do local, Filipa Bolotinha espera que com o desenvolvimento deste projeto e com a presença dos participantes, as pessoas sintam que “os seus problemas estão a ser vistos, que os seus problemas estão a ser ouvidos e que há pessoas motivadas e interessadas em fazer acontecer mudança”.
Filipa Bolotinha espera também que a obra consiga dar visibilidade a alguns dos problemas que afetam o bairro da Mouraria. “[A expectativa em relação à] obra do artista é a de que ela dê visibilidade às realidades invisíveis e aos abusos do espaço público que são consequências de vidas muito vulneráveis e frágeis”, explica, “[o objetivo é que a obra consiga] dar visibilidade à complexa problemática pela qual o bairro está novamente a passar”.
A coordenadora-geral conta que algumas das problemáticas que pareciam já ultrapassadas estão a afetar de novo o território. “A Associação Renovar a Mouraria faz 15 anos e a nossa análise é que as coisas estão novamente muito complexas, com novas problemáticas e com a reforma de muitas situações que, entre 2012 e 2014, pareciam estar a ser diluídas”, declara, “hoje em dia, sentimos um bocadinho algum regressar a um pote de problemas sociais, económicos, pessoais, emocionais e mentais gigantescos”.
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