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O (n)amor(o) não dói

A violência no namoro diz respeito a “qualquer tipo de ato de violência pontual ou continuada que seja exercida sobre outra pessoa com quem existe ou existiu uma relação amorosa”, como afirma Sofia Henriques, Técnica de Apoio à Vítima da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Contudo, em 2023, este tópico e a sua identificação ainda abrem portas à subjetividade. O Estudo Nacional Sobre Violência no Namoro – Violência no Namoro em Portugal: Indicadores de Vitimação e Conceções Juvenis, realizado pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) no âmbito do Projeto ART’THEMIS+*, demonstra que o não reconhecimento de algumas formas de violência é recorrente entre os jovens, bem como a sua legitimação.

Texto de Redação

©Beatriz Mota

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A amostra do estudo é composta por 5916 participantes, com idades entre os 11 e os 25 anos, sendo que 54,8% pertencem ao sexo feminino, 44% ao masculino e 1,4% dizem respeito a outras identidades.[1] O relatório da UMAR evidencia um total de 67,5% de jovens que não percecionam como violência no namoro pelo menos um dos quinze comportamentos questionados. “Controlo”, “Violência psicológica”, “Violência sexual”, “Perseguição”, “Violência através das redes sociais” e “Violência física” são algumas das formas de violência que não foram identificadas como tal pelos inquiridos, destacando-se o “Controlo”, que não é encarado como violência no namoro por 53,1% dos participantes.

Integrada no quadro legal do crime de violência doméstica no artigo 152º do Código Penal, a violência no namoro constitui um crime público punível com uma pena máxima de cinco anos de prisão. Em alinhamento com os dados do relatório da UMAR, Sofia Henriques menciona a normalização de vários comportamentos, como “ciúmes excessivos”, “manipulação” e “invasões de privacidade” que são muitas vezes “romantizados”. No que diz respeito à violência psicológica, é mais difícil de identificar e de atuar, já que as próprias vítimas têm dificuldade em reconhecer o que constitui um ato de violência. A dificuldade em provar este tipo de atos e ainda a vergonha, a humilhação e a falta de apoio que a vítima pode sentir, inibindo-a de apresentar queixa, também representam, segundo a técnica, obstáculos à atuação. Neste sentido, salienta o papel fundamental de familiares e amigos no processo de identificação do problema. Por outro lado, à violência física não está tão associado um mar de dúvidas, especialmente quando esta deixa marcas visíveis.

©Beatriz Mota
A violência no namoro está mais associada a jovens”. No entanto, o problema “pode abranger qualquer tipo de pessoa

Através de um estudo empírico realizado em fevereiro através de inquérito anónimo com o objetivo de recolher dados para a reportagem, foram inquiridas 53 pessoas, com idades compreendidas entre os 16 e os 64 anos. No que diz respeito ao género, 77,4% dos inquiridos pertencem ao sexo feminino, enquanto 22,6% fazem parte do masculino. A “violência no namoro está mais associada a jovens”. No entanto, o problema “pode abranger qualquer tipo de pessoa em qualquer tipo de relacionamento, entidade de género, raça ou etnia”, ressalva a técnica da APAV Sofia Henriques. Apesar da amplitude etária dos participantes, 69,8% da amostra possui idades entre os 16 e os 25, pelo facto de o inquérito ter sido divulgado na rede social Instagram, mais utilizada pelas camadas mais jovens.

Quando inquirida acerca da sua experiência, 34% da amostra alega já ter sofrido algum tipo de violência física e/ou psicológica no namoro e 77,4% conhece alguém que já passou por uma situação semelhante. De acordo com o estudo da UMAR, 65,2% dos jovens que já namoraram admitem ter experienciado pelo menos um dos indicadores de vitimação. 45,1% e 44,6% dos participantes, respetivamente, afirma já ter sofrido violência psicológica e controlo por parte dos seus pares. No que diz respeito à forma de violência, destacam-se o “insultar durante discussão/zanga”, o “proibir de estar ou falar com pessoa amiga ou colega”, o “procurar insistentemente”, o “insultar através das redes sociais/Internet”, o “pressionar para beijar” e o “magoar fisicamente sem deixar marcas”.

Todos podem ser vítimas

A certeza de que existe uma maior taxa de mulheres enquanto vítimas de violência é comum às diferentes partes. A técnica de apoio reconhece que a APAV recebe mais denúncias por parte de mulheres e, “até mesmo a nível estatístico, é realmente o que prevalece”, reitera. No que toca ao estudo empírico, todos os inquiridos reconhecem este facto, porém alguns afirmam que poderá estar relacionado com “a menor denúncia nos casos em que a vítima é homem”. Sofia Henriques admite que, apesar de a APAV receber cada vez mais queixas por parte de homens, “ainda existe um estigma” quanto a este aspeto, já que “muitos homens que são vítimas têm receio de falar sobre este tema mais abertamente, o que impede a identificação deste tipo de comportamentos como violência”, explica.

O estudo nacional da UMAR conclui que “o género masculino apresenta maiores níveis de legitimação para todas as formas de violência no namoro quando comparado ao género feminino”. Os comportamentos associados à violência psicológica são os que registam maior diferença entre o género feminino e o masculino, em particular o de “insultar durante uma discussão/zanga”, sendo que 21,7% das raparigas e 41,3% dos rapazes não reconhece este tipo de comportamento como violento.  No que diz respeito à legitimação da violência sexual, um total de 21,4% das raparigas e de 40,9% dos rapazes legitimam o comportamento de “pressionar para beijar à frente das/os amigas/os”.

Os indicadores de vitimação apresentam “números preocupantes entre jovens, nomeadamente quanto a comportamentos de violência psicológica e de controlo”, segundo o relatório da UMAR, sendo que 48,5% das raparigas, 39,8% dos rapazes e 70,7% de outras identidades admitem já ter sofrido algum dos indicadores de violência psicológica questionados. Quanto ao controlo, 46,4% do sexo feminino, 41,3% do masculino e 74,1% de outras identidades reportam já ter vivenciado alguns desses comportamentos. Seguem-se a perseguição, a violência através das redes sociais, a violência sexual e a violência física. O estudo conclui que, à exceção da violência física, existem maiores percentagens nos indicadores de vitimação entre as jovens do sexo feminino. No que diz respeito a jovens que se identificam com outras identidades, são evidenciados valores percentuais mais elevados.

E além do género, existirão outros fatores a considerar? Na opinião de Sofia Henriques, o fator financeiro pode ter influência, já que, numa situação de dependência, poderá ser um argumento utilizado pelo agressor de forma a manipular a vítima. Porém, a APAV tenta sempre “explorar todos os recursos”, já que “não acredita que a falta de posses económicas ou a dependência económica impeçam a pessoa de sair dessa situação”, reitera. Quando inquirida acerca deste tópico no estudo empírico, cerca de 62% da amostra afirma que o fator social e económico têm influência, sobretudo pelo facto de pessoas com menos posses “poderem ter menos educação sobre o tema”.

O fator urbano é ainda algo a considerar, já que nas cidades “há mais campanhas de sensibilização para o tema”, afirmam os participantes. A técnica de apoio à vítima reconhece que os residentes de áreas mais pequenas e/ou rurais “têm menos acesso a certo tipo de serviços e recursos” e “muitas vezes podem ser mais velhas”, por isso “a nível da mentalidade pode existir uma maior normalização desse tipo de comportamentos”. Com o objetivo de colmatar tais desigualdades, a APAV possui vários gabinetes espalhados por todo o território nacional, incluindo as ilhas. Possui ainda equipas móveis que se deslocam a grandes zonas com menor densidade populacional e uma linha de apoio à vítima gratuita que pode assegurar a confidencialidade e o anonimato, informa Sofia Henriques.

Onde está a ajuda?

Situações de humilhação, controlo, ciúmes e manipulação são relatadas por uma fonte anónima, em resultado do estudo empírico, que só ganhou consciência de tais comportamentos representarem violência após a relação ter terminado. “Chamou-me oferecida por ir de vestido a um evento com as minhas amigas”, “pedia-me o telemóvel imensas vezes para ver se o estava a trair”, “aparecia de surpresa quando estava com as minhas amigas”, “nas festas ficava abraçado a mim e não me deixava dançar com outras pessoas” – são alguns dos relatos da mesma fonte.

O número de casos como o descrito é a evidência de que várias vítimas não reconhecem casos de violência. Por ser um crime público, qualquer pessoa pode apresentar uma denúncia e, por isso, Sofia Henriques realça a importância dos olhos atentos de quem rodeia uma possível vítima. No estudo empírico, a APAV, a GNR, a PSP e a COOLABORA foram os nomes mais mencionados no que diz respeito a entidades a recorrer em caso de violência no namoro. ISMAI, CIG e Casa Qui são outros exemplos dos muitos postos do país aos quais se pode pedir ajuda. Dos inquiridos que revelam já ter sofrido uma situação de violência no namoro, vários relatam ter pedido ajuda a familiares, amigos e também professores.

No caso da APAV, o apoio “não depende da apresentação de queixa”, explica a técnica, pois a ajuda é realizada através da transmissão de algumas estratégias e informações à vítima ou a terceiros que pretendam ajudar, por exemplo, como iniciar um processo-crime ou a transmitir um plano de segurança à vítima.

Além da violência no namoro, a APAV apoia vítimas de mais de 72 tipos de crimes e dispõe de apoio jurídico, psicológico e social. A instituição sem fins lucrativos possui ainda várias redes especializadas, como a Unidade de Apoio à Vítima Migrante e Discriminação, a rede CARE que presta apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual e a Rede de Apoio a Familiares e Amigos de Vítimas de Homicídio e Vítimas de Terrorismo.


*Projeto de Prevenção Primária da Violência de Género em contexto escolar, financiado pela Secretaria de Estado de Igualdade e Migrações.

[1] Os restantes 0,8% correspondem aos inquiridos que não responderam.

*Esta reportagem foi escrita por uma aluna de Mestrado em Audiovisual e Multimédia na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), no âmbito da parceria com a ESCS Magazine.

Texto de Beatriz Mota
Revisão de Mariana Céu e Matilde Ramos
Agradecimentos Sofia Henriques, Técnica de Apoio à Vítima da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV)

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