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Opinião de Shenia Karlsson

Voltar para o Brasil. Um “mal” necessário?

Nas Gargantas Soltas de hoje, Shenia Karlsson nos fala sobre o percurso do imigrante.

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“Pois é, decidimos mesmo retornar. Sabe, ela (a filha de 13 anos) não se habitua no ambiente escolar, não falam com ela por ser brasileira e ainda negra já sabe né?!, muito tímida, retraiu-se ainda mais e agora a ignoram por completo. Vamos ter que retornar porque ficou insustentável, ela está deprimida, sente saudades dos primos, e esse meu trabalho não ajuda, não me estimula em nada, além de pagar mal é só grosseria e estresse”.

                                                                                           M.,39 anos, brasileira vive em Faro

O sonho da imigração nem sempre tem um final feliz. Diariamente, milhares de pessoas pelo mundo decidem deixar seus países de origem pelos mais diversos motivos e os números não param de crescer. Segundo o relatório International Migration 2020 Highlights, um departamento específico das Nações Unidas, estima-se que existem mais de 281 milhões imigrantes pelo mundo e de acordo com a Agência Frontex, em 2022 a União Europeia estimou um aumento de 64% de  entrada de imigrantes especialmente irregulares, um aumento substancial se comparado aos anos anteriores. 

Em Portugal não tem sido diferente, o SEF em 2022, registrou a presença de mais de 750 mil brasileiros em terras lusitanas, perdendo somente para a comunidade Indiana. O sonho brasileiro de viver em Portugal atrai por diversos fatores tais como língua, clima, familiaridade, acordos diplomáticos e claro, os laços coloniais e consanguinidades que nos uniu por séculos. No entanto, o que tenho notado é uma enorme frustração quando esse projeto não sai da maneira idealizada. Mesmo diante a tantos pontos positivos, os fatores negativos vividos do dia a dia faz com que tudo torna-se impraticável ao dar continuidade à experiência de imigrante num país europeu.

Este artigo não é sobre índices e muito menos sobre estatísticas, e sim sobre experiências únicas de imigrantes que um dia decidem sair de seus países de origem e com o tempo e diante dos desafios, sentem o desejo de retornar. Contudo, esse retorno é condenado socialmente visto que esse movimento pode ser encarado como um fracasso e consequentemente, o sentimento de vergonha pode dificultar essa decisão.

“Nossa, eu fiquei tão chateada quando eu falei para minha amiga que queria voltar, ela disse: voltar para o Brasil, tem certeza?! Com uma cara de chocada, como se fosse a coisa mais terrível do mundo. Eu falei: estou cansada destas atitudes das pessoas sabe, fico muito chateada, espero apoio e não reprovação. Cada um com sua história”

                                                                                                T., brasileira, 29 anos em Oslo

Existem muitas nuances que definirão o futuro de quem quer viver fora, algumas questões que têm caráter pessoal e variantes externas as quais podem estar totalmente fora do controle de cada um. Devemos considerar que nem todas as pessoas têm o perfil de imigrante, ou seja, características individuais que facilitam a adaptabilidade em outro país tais como personalidade, facilidade de construir novas alianças, flexibilidade, acesso, recursos financeiros e intelectuais, língua, raça, gênero e afins. Em contrapartida, a falta de componentes facilitadores poderá tornar a experiência um tanto desagradável, e o resultado pode ser desastroso. 

Muitas pessoas migram com um plano de curto período e acabam por tornar a estadia longa quando a experiência é razoavelmente bem sucedida. Entretanto, eu como uma profissional da psicologia que me dedico a pesquisar  e atender o público migrante, tenho notado em minha clínica um aumento exponencial de pessoas que perderam aquela chama inicial, e acabam por questionar sua presença no país escolhido. Perguntas tais: Sou feliz aqui? O que estou fazendo aqui?Ainda vale a pena o sacrifício? Devo voltar para casa?

“Estou perdida, abdiquei de minha profissão e tudo que construí, uma carreira bem sucedida e um salário que sonhei a minha vida inteira. Mas eu queria casar, viver isso sabe, não queria ficar solteira, sabe como é a mulher negra no Brasil. Não sinto apoio suficiente do meu marido e ele não consegue entender o quão difícil é para mim”.

A., 43 anos, brasileira em Estocolmo

Diante de tantos desafios e um extremo cansaço, várias pessoas vivem o sentimento de FRACASSO, e que pode acarretar sensação de vazio de sentido e a questão pulsante e muitas vezes não verbalizada é: tá valendo a pena? Ademais, aliado ao sentimento de fracasso vem a VERGONHA visto que existe um social que condena veemente essa tal desistência. O retorno é considerado como fraqueza e incapacidade, pois ouve-se por aí histórias de vitórias, sendo este o ideal de todo imigrante. 

Na terapia colocamos na mesa os prós e os contras, pois é aquele ditado popular “quem sabe a quentura da panela é a colher que mexe”. Cada pessoa deve com o terapeuta construir outras possibilidades e o mais importante, saber o limite que cada um suporta, o quão é importante permanecer ou retornar ao país de origem. Um plano deve ser traçado e tudo bem calculado para que um possível retorno não seja uma outra experiência frustrante. Daí deve-se avaliar o perfil de cada pessoa, especialmente quando envolve outros membros da família. 

Não há absolutamente nada de errado em retornar ao Brasil, o que eu observo é que em muitos casos é realmente um mal necessário. Relatos de saudades de sentir-se livre, profundamente feliz, de ter saudades de coisas pequenas, cheiros, sabores e de sentido de vida enchem o espaço psicoterapêutico. O processo da imigração pode ser circunstancial e cumprir seu papel por um período de tempo e, caso seja prolongado, costuma tornar-se uma vivência insuportável em que a pessoa passa a questionar sua própria existência e esse é o perigo. 

Se porventura a angústia aumentar e o desconforto tornar-se insuportável, hora de mover-se, claro, como toda segurança e  bom senso que a decisão exige. Se voltar é o melhor para si, volte sem culpa, não há fracasso e vergonha quando o assunto é nosso bem estar

- Sobre a Shenia Karlsson -

Preta, brasileira do Rio de Janeiro, imigrante, mãe do Zack, psicóloga clínica especialista em Diversidade, Pós Graduada em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Mestranda em Estudos Africanos no ISCSP, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda no Instituto da Mulher Negra de Portugal, Co fundadora do Papo Preta: Saúde Mental da Mulher Negra, Terapeuta de casais e famílias, Palestrante, Consultora de projetos em Diversidade e Inclusão para empresas, instituições, mentoria de jovens e projetos acadêmicos, fornece aconselhamento para casais e famílias inter racias e famílias brancas que adotam crianças negras.

Texto de Shenia Karlsson
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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