fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Jorge Pinto

A intolerável radicalidade da moderação

Nas Gargantas Soltas de hoje, Jorge Pinto nos fala sobre outros posicionamentos.

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Ser-se moderado nos dias que correm é uma missão quase impossível. Desde logo, porque, como já aqui escrevi, o conceito de moderação não tem parado de encolher. Conscientemente, tem-se promovido uma cada vez mais limitada definição do que é a moderação e do que é ser-se moderado. O resultado é o de caracterizar todos os que fujam desta definição como extremistas, radicais ou contrários à boa prática democrática que a moderação promove. 

Em segundo lugar, porque temos assistido a um aprofundar da procura de se agradar exclusivamente ao seu próprio campo ideológico, sendo essa necessidade cada vez mais traduzida numa obrigação de antagonizar quem pensa de maneira (ligeiramente) diferente. Esta procura do purismo de posicionamento leva, forçosamente, a um extremar das posições e ao apagamento de qualquer tipo de nuance. Quem se atreva a tentar uma posição mais colorida num mundo a preto e branco é tratado como “moderado”, leia-se, traidor do radicalismo do (cada vez mais pequeno) nicho que é suposto defender. Voluntária ou involuntariamente, também esta postura contribui para o perigoso estreitar do conceito de moderação. 

Não surpreende o espanto, quando não o choque, com que as declarações sobre o conflito entre Israel e o Hamas do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, foram recebidas, também em Portugal. Guterres, talvez o político português que melhor representa a ideia de moderação, tornou-se subitamente num radical, em alguém que decidiu abdicar, lá está, de ser moderado. A razão? A sua condenação inequívoca dos ataques terroristas do Hamas enquanto relembrava o óbvio: que estes ataques não surgiram do vácuo. 

Embora muitos dos que imediatamente saltaram dos seus sofás para atacar as declarações de Guterres não tenham sequer ouvido o seu discurso na íntegra, a sua posição enquanto Secretário-Geral da ONU não poderia ser mais moderada. Aliás, a solução dos dois Estados tal como preconizada pela ONU, por mais difícil que possa parecer no presente, deve continuar a ser a proposta que nos guie. Defender a liberdade do povo palestiniano e o seu direito à autodeterminação, o final de todas as atrocidades cometidas pelo mais, esse sim, radical governo israelita e aceitar as fronteiras como defendidas pela ONU é ser-se moderado. É ser-se verdadeiramente moderado. 

Num artigo recentemente publicado no Público, Alexandra Lucas Coelho escrevia que se tornou radical dizer a verdade – aquela verdade, como a escritora se refere às declarações de Guterres. Do mesmo modo, e indo para lá da questão palestina, parece ter-se tornado radical ser moderado. E esse é um dos grandes problemas que temos pela frente. Se queremos garantir uma democracia saudável, a moderação, no seu sentido mais amplo, tem de ter lugar. 

Mas ser-se moderado não significa encontrar um pretenso quase-neutro ponto intermédio entre duas posições antagónicas; tampouco significa forçar pontes entre ideologias e perspetivas irremediavelmente díspares e que estarão em conflito. Nem significa procurar aliados ou procurar agradar a todos a todo o custo. Ainda assim, e em contraponto com o posicionamento purista acima referido, ser-se moderado não implica a alienação automática e imediata de potenciais aliados pelo simples facto de pensarem de forma ligeiramente diferente. A moderação e a nuance tornam-se assim condições essenciais para o reforçar da democracia. 

Num mundo cada vez mais de extremos – e em particular extremos reacionários, quando não abertamente fascistas – a moderação pode servir propósitos progressistas. Assumir que a moderação é, por definição, reacionária, é desistir à partida de uma das mais importantes lutas políticas da nossa era. E essa é uma luta que nós, progressistas, mais ou menos radicais, podemos também abraçar: a de radicalizar a moderação. Olhando para o passado, essa parece ser uma luta que vale a pena travar. Temos de voltar a fazer com que seja moderado defender a autodeterminação dos povos, que seja justa a justa redistribuição da riqueza, que seja moderado pedir que aqueles que mais contribuíram para as alterações climáticas tenham agora um maior contributo para a sua resolução, que seja moderado defender a vida, toda a vida, e que deixar que morram tantos seres humanos às portas do nosso continente é um crime que não podemos permitir. No fundo, é com a radicalidade da moderação que poderemos criar a hegemonia de que tanto precisamos. 

-Sobre Jorge Pinto-

Jorge Pinto é formado em Engenharia do Ambiente (FEUP, 2010) e doutor em Filosofia Social e Política (Universidade do Minho, 2020). A nível académico, é o autor do livro A Liberdade dos Futuros - Ecorrepublicanismo para o século XXI (Tinta da China, 2021) e co-autor do livro Rendimento Básico Incondicional: Uma Defesa da Liberdade (Edições 70, 2019; vencedor do Prémio Ensaio de Filosofia 2019 da Sociedade Portuguesa de Filosofia). É co-autor das bandas desenhadas Amadeo (Saída de Emergência, 2018; Plano Nacional de Leitura), Liberdade Incondicional 2049 (Green European Journal, 2019) e Tempo (no prelo). Escreveu ainda o livro Tamem digo (Officina Noctua, 2022). Em 2014, foi um dos co-fundadores do partido LIVRE.

Texto de Jorge Pinto
Fotografia de Luís Catarino
*As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.*

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

26 Dezembro 2024

Partidas e Chegadas

19 Dezembro 2024

Que fome é esta?

12 Dezembro 2024

Israel will fuck you all

29 Novembro 2024

Tirar a cabeça da areia – parte II

21 Novembro 2024

(In)Suficiência do Direito Internacional e Segurança Humana

14 Novembro 2024

Nascimento

29 Outubro 2024

A solidão enquanto projeto, a mutualidade enquanto demanda

22 Outubro 2024

Não é complicado

15 Outubro 2024

Entre o Amor e a Rejeição: O Impacto da Família na Saúde Mental Negra LGBTQIA+

10 Outubro 2024

O México de Paul Leduc e arte polémica de “exergue – on documenta 14” no Doclisboa

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Assessoria e Escrita de Comunicados de Imprensa

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

16 Dezembro 2024

Decrescer para evitar o colapso

O crescimento económico tem sido o mantra da economia global. Pensar em desenvolvimento e em prosperidade tem significado produzir mais e, consequentemente, consumir mais. No entanto, académicos e ativistas pugnam por uma mudança de paradigma.

22 Julho 2024

A nuvem cinzenta dos crimes de ódio

Apesar do aumento das denúncias de crimes motivados por ódio, o número de acusações mantém-se baixo. A maioria dos casos são arquivados, mas a avaliação do contexto torna-se difícil face à dispersão de informação. A realidade dos crimes está envolta numa nuvem cinzenta. Nesta série escrutinamos o que está em causa no enquadramento jurídico dos crimes de ódio e quais os contextos que ajudam a explicar o aumento das queixas.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0