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Opinião de Paula Cardoso

Fundadora da comunidade digital “Afrolink”, que visibiliza profissionais africanos e afrodescendentes residentes em Portugal ou com ligações ao país, é também autora da série de livros infantis “Força Africana”, projetos desenvolvidos para promover uma maior representatividade negra na sociedade portuguesa. Com o mesmo propósito, faz parte da equipa do talk-show online “O Lado Negro da Força”, e apresentou a segunda temporada do “Black Excellence Talk Series”, formato transmitido na RTP África. No mesmo canal, assume, desde Outubro de 2023, a apresentação do magazine cultural Rumos. Integra ainda o Fórum dos Cidadãos, que visa contribuir para revigorar a democracia portuguesa, bem como os programas HeforShe Lisboa e Bora Mulheres, de mentoria e empreendedorismo feminino. É natural de Moçambique, licenciou-se em Relações Internacionais e trabalhou como jornalista durante 17 anos, percurso iniciado na revista Visão. Assina a crónica “Mutuacção” no Setenta e Quatro, projeto digital de jornalismo de investigação, é uma das cronistas do Gerador, e pertence à equipa de produção de conteúdos do programa de televisão Jantar Indiscreto. Em Março de 2023 foi apontada pela revista de negócios “Success Pitchers” como uma das “10 Mulheres Líderes Mais Inspiradoras do Empreendedorismo Social”, distinção que sucedeu à indicação, em 2022, pela Euclid NetWork, como uma das “Top 100 Women In Social Enterprise” da Europa de 2022.

Que fome é esta?

Nas Gargantas Soltas de hoje, Paula Cardoso reflete sobre os apagamentos da História, a partir do documentário “Os 47’s – depoimentos que ficaram”, centrado nos períodos de fome que, na década de 40, devastaram Cabo Verde.

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Reconhecemos um e outro nome, ouvimos falar de alguns episódios, mas o que sabemos efectivamente sobre a História dos países africanos que foram ocupados por Portugal?

A cada nova leitura, conferência, ou conversa, continuo a espantar-me com o tanto que há por conhecer e reconhecer, e – mais do que isso – com o software de desinstalação do passado produzido pelo sistema, que se especializou em apagar, silenciar, desconversar e manipular.

Leia-se as declarações do presidente da Assembleia da República, proferidas no passado dia 3, na cerimónia da tomada de posse da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial.

Qual dono da verdade, Aguiar-Branco avisou que “o combate à discriminação e ao racismo faz-se aqui e agora, não a discutir a História e as suas vicissitudes”, nem a “julgar preceitos do passado, à luz dos critérios do presente”, ou “alimentando revoltas e ressentimentos”, e “virando portugueses contra portugueses”.

Incapaz de ouvir para além da sua bolha, a exemplo do que acontece com a generalidade dos nossos decisores políticos, o ex-ministro da Defesa e também da Justiça prefere fingir que os crimes cometidos por Portugal no passado eram preceitos da época.

Bastaria ler um pouco do tanto que tem sido publicado por historiadores e outros especialistas para perceber a fragilidade desse argumento. 

Se Portugal agia apenas em consonância com o tempo que se vivia, porque é que sentiu necessidade de ir mascarando as violências desumanizantes do regime colonial, escudando-se, a determinada altura, no outrora desprezado Lusotropicalismo de Gilberto Freyre?

Se tudo o que aconteceu lá atrás era aceitável, porque é que o país insiste em ocultar massacres e outras atrocidades do império no ensino da História? 

Porque é que, já na altura, o regime fez de tudo para negar o massacre de Wiriamu, em Moçambique, e, ainda hoje, essa barbárie continua por reconhecer?

Recordemos, por exemplo, como o pedido de desculpas apresentado em 2022, pelo então primeiro-ministro António Costa – por esse “acto indesculpável que desonra a nossa História” –, acabou esvaziado num chorrilho de críticas.

Mais recentemente, vimos também como a discussão sobre reparações históricas evidenciou a dificuldade de um debate sério sobre o passado.

Afinal, vamos reparar o quê, se, à luz da narrativa que se fabricou, Portugal foi um destemido pioneiro da globalização, que “deu novos mundos ao mundo”?

À falta de iniciativa e coragem para reparações profundas, comecemos por reparar nas fontes que não consideramos, e até desdenhamos, quando estamos a analisar a História. 

Vejo nesse exercício uma oportunidade de libertação do bafio dos “novos mundos”, e encontro no documentário “Os 47’s –depoimentos que ficaram”, da cineasta cabo-verdiana Artemisa Ferreira, uma excelente ferramenta para perceber a tragédia das políticas de desumanização.

A mim permitiu-me conhecer outro capítulo da história do horror colonial: os períodos de inanição extrema que, na década de 40, devastaram Cabo Verde, sob a mais vil cumplicidade do regime colonial.

Além dos testemunhos de sobreviventes, o filme recupera documentos que nos ajudam a compreender como a máquina colonial de ocultação da verdade deixou uma população inteira entregue à sua sorte, condenando-a à morte.

O peso desta História é, ainda hoje, tão difícil de suportar, que, numa das apresentações do documentário, no passado dia 5 de Dezembro, no Seixal, Artemisa partilhou como a palavra “fome” se tornou impronunciável.  

Mas importa nomeá-la e, com “Os 47’s - depoimentos que ficaram”, a também professora universitária ajuda a romper um longo silêncio, imposto de forma assassina pelo regime colonial, e, com os anos transformado num tabu nacional. Para quebrar a partir do grande ecrã. 

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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