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Entrevista a Nuno Centeno: “A cultura é a maior arma que um país pode ter ”

A entrevista estava marcada na recente Galeria Nuno Centeno, localizada na Cooperativa dos Pedreiros. O…

Texto de Carolina Franco

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A entrevista estava marcada na recente Galeria Nuno Centeno, localizada na Cooperativa dos Pedreiros. O espaço carrega, por si só, um imenso peso histórico. A Cooperativa foi fundada em 1914 por um grupo de operários que iniciaram a sua relação enquanto construíam o edifício da Estação de São Bento, no Porto. Desde aí, foram construindo outros edifícios de igual importância para a cidade, como, por exemplo, o da Câmara Municipal. A Cooperativa foi premiada com medalhas e distinções ao longo da sua existência, graças à mestria de quem ali trabalhava a pedra. Obra do acaso — ou não —, Nuno Centeno acabou por fazer daquela a sua casa e aí instalar a galeria de arte, onde dessacralizar e democratizar são os verbos de ordem.

Se em tempos o espaço pertenceu aos operários que viram o seu esforço ser reconhecido, o edifício ganha hoje uma nova vida com um galerista que foi conquistando o seu lugar no mundo das artes. Distinguido pelo Artnet como um dos 10 vendedores de arte mais respeitados na Europa, incluído pela revista Appollo na seleção 40 under 40, e com o Prémio de Melhor Stand na feira de arte Frieze New York de 2018, Nuno Centeno tem 40 anos e possui uma das maiores galerias no Porto, na qual programa, pinta, monta e vende obras de arte, com tudo o que isso implica. Estudou para ser artista no Brasil, mas percebeu que não era esse o seu caminho.

Recebeu o Gerador com Tobias, o seu cão, no espaço repensado pelo arquiteto André Gonçalves, que mantém a traça original do tempo em que pertencia aos pedreiros. Uma receção efusiva de Tobias deu a entender o que Nuno mais tarde viria a confirmar: naquela galeria, a regra é quebrar as regras. A exposição de Lydia Okumura serviu de preâmbulo para a viagem que se seguia, com paragem na gruta onde expõe os livros de artista da Artist Book Gallery (uma galeria dentro da galeria e que pretende valorizar os livros de artista como peças únicas), no espaço em que expõe obras dos artistas que representa, no pátio com vista para toda a cidade e, por fim, no escritório onde nos sentámos para conversar. Com uma peça de Mauro Cerqueira a refletir o perfil de Nuno, a entrevista tornou-se numa conversa entre duas pessoas de gerações diferentes sobre o circuito artístico, o papel de uma galeria e a importância de democratizar a arte.

Reflexo de Nuno na peça de Mauro

Gerador (G.) Um assunto em que tocam frequentemente quando te entrevistam é a tua relação com o teu pai (o artista Sobral Centeno). Mais do que cresceres a acompanhar o teu pai, até que ponto estares rodeado de artistas te foi dando sensibilidade para hoje saberes como trabalhar com eles?

Nuno Centeno (N.C.) – Acho que isso foi fundamental na medida em que crescer rodeado de artistas me tornou mais apto para trabalhar com os artistas no futuro — que é agora o meu presente — de uma forma muito informal, descontraída e até com alguma facilidade. O facto de ser filho de um artista também me ensinou que o facto de estar no campo da arte é uma coisa a longo prazo, em que temos de ter muita perseverança, saber resistir ao tempo com muita paciência e, acima de tudo, estar preparado para constantes altos e baixos. Quem segue uma carreira na arte, está constantemente num sobe e desce, e acho que ser filho de um artista ensinou-me, sobretudo, a perceber que isto é uma maratona, e claro que me permitiu perceber melhor como é que as coisas funcionam de uma forma muito intuitiva.

G. – Nesse tempo, o mercado e o próprio circuito da arte em si deviam ser completamente diferentes do que são atualmente. Se calhar agora também sentes outro tipo de pressões que não existiam na altura...

N.C. – Mudam os jogadores, mas o jogo é o mesmo. Se nós acharmos que fazer arte é responder às mesmas questões de sempre, mas com novas ferramentas, ser galerista acaba por ser igual; é tentar encontrar soluções de hoje para problemas que sempre existiram. Eu tento perceber o que é que hoje, no século XXI, pode ser uma galeria de arte, preservando os valores do passado. Também cresci rodeado de galeristas, e há pormenores dos galeristas antigos que me interessam particularmente, por exemplo, a forma como eles lidavam com os artistas e com determinadas situações, a forma de trabalhar daqueles a que hoje chamamos velha guarda. Acho que esse estilo deve ser readaptado por nós com mais frescura e com as ferramentas do nosso tempo e de acordo com o que estamos a viver. Ser filho de artista proporcionou-me relações com artistas, curadores e galeristas históricos, e isso, de alguma forma, mesmo que inconsciente, trouxe-me vantagens e foi uma mais-valia.

G. – E qual é o papel de uma galeria de arte em 2019?

N.C. – Nós não somos uma instituição cultural, somos um negócio privado que vive com todas as dificuldades de um negócio privado que esteja associado à cultura. Não temos a mesma missão que um museu, uma instituição ou um centro cultural, mas eu tenho uma missão para comigo que passa por integrar no mercado nacional artistas internacionais que me parecem interessantes para o nosso público, e que isso venha a enriquecer a comunidade artística. Também me interessa integrar artistas nacionais numa escala internacional, e essa é a parte mais difícil e que requer mais trabalho, mais perícia, mais habilidade. Eu tento fazer isso pondo os nossos artistas nacionais lado a lado com os internacionais e, dessa forma, dar-lhes visibilidade numa espécie de efeito de ressonância. Agora, o que é que é ser galerista em 2019? Acho que só vamos conseguir responder a isso daqui a muitos anos quando olharmos para trás e virmos o que está a acontecer hoje, tal como iremos saber o que é o contemporâneo (que é aquilo que estamos a viver hoje). Podemos analisar o modernismo, mas analisar o contemporâneo só daqui a uma série de anos, portanto acho que ainda é cedo para dizer o que é uma galeria de arte contemporânea nos dias de hoje. Eu limito-me a fazer o meu trabalho e a mostrar a artistas da nova geração alguns artistas dos anos 70 e 80 que estamos a redescobrir; portanto, andamos sempre nesse jogo de perceber o passado e tentar ir percebendo o presente para descobrir o futuro. Por isso é que também tenho alguns artistas dos anos 70, como é o caso do Philippe Van Snick, do Silvestre Pestana, e da Lydia Okumura, lado a lado com nomes muito atuais que também estão a ter um reconhecimento muito interessante, como o Mauro Cerqueira.

G. – Achas que também há espaço na tua galeria para jovens artistas, ou é demasiado arriscado apostares em pessoas mais novas?

N.C. – Sem dúvida. Eu comecei a minha carreira com artistas jovens, e grande parte da minha vida, em termos profissionais, foi dedicada a jovens artistas. Acompanhei muitos artistas da minha geração, crescemos e trabalhamos juntos, portanto, acho que em parte já cumpri o meu papel.

Apesar de já não o ver como parte fundamental da galeria, este ano vamos ter dois artistas jovens, praticamente no início de carreira; uma delas é a Carolina Pimenta, uma artista muito interessante que vai expor em maio com curadoria do Julião Sarmento, e que é uma das grandes apostas que tenho para 2019. Portanto, continuo a fazê-lo, apesar de a galeria neste momento se estar a consolidar de uma forma mais séria. Na verdade, eu não pretendo ser uma galeria grande; pretendo ser uma galeria sólida, estável, a trabalhar do Porto para o mundo, atravessando todas as fronteiras.

G. – Há pouco dizias que não consegues saber qual é o papel de uma galeria em 2019. Mas sabes qual é o papel da tua galeria e de que forma está a fazer a diferença no circuito artístico do Porto neste momento?

N.C. – É uma grande mais-valia estarmos localizados no Porto. Acho que esta distância entre o Porto e Lisboa está a acabar porque temos um país tão pequeno que quando pensamos numa escala global tanto faz estar numa cidade ou na outra, é exatamente igual. Numa escala nacional, fará diferença estar em Lisboa porque está tudo mais centralizado lá, no entanto, numa escala internacional, isso é irrelevante. Penso até que se torna mais atrativo a galeria estar aqui no Porto porque acaba por ser a segunda cidade de Portugal com muitas características e qualidades interessantes. É uma cidade mais pequena do que Lisboa, mas talvez mais acolhedora, com esta proximidade mais íntima entre o rio e o mar, e eu acho que se torna um grande atrativo para os artistas internacionais. O Porto começa a ser uma segunda grande opção para toda esta geração de investidores internacionais e pessoas que querem vir viver para Portugal; primeiro descobrem Lisboa e depois vêm para o Porto.

O que eu tenho para dar à cidade é uma galeria que não tem propriamente uma missão cultural, mas que ocupa um importante espaço cá no Porto porque, neste momento, somos mais do que uma galeria. Somos um espaço onde as pessoas podem passar uma tarde ou um dia, pesquisar livros de artista, estar no nosso acervo e contactar com as obras de uma forma diferente, ou simplesmente vir cá tomar café ou beber um chá connosco.

G. – Interessa-te abrir as portas à cidade e a quem simplesmente tiver vontade de entrar? No fundo, dessacralizar o papel de uma galeria.

N.C. – Essa, sim, talvez seja a minha missão. Eu penso nisso todos os dias: quero desmistificar aquela inacessibilidade que normalmente existe ao entrar numa galeria, que é uma coisa demasiado intelectualizada. Pode ser uma espaço cultural para todos.

Nós estamos abertos a toda a gente, a todo o tipo de públicos, e queremos democratizar o acesso à galeria tendo as portas abertas. Até agora conseguimos ter inaugurações com cerca de 300 pessoas (o que é muito raro numa galeria de arte) e com públicos ligados a todas as áreas culturais, e acho que é aí que se nota que estamos a fazer um trabalho que é bom também para cidade. Acho que a própria galeria (Nuno Centeno) foi pensada para quebrar uma série de barreiras entre o espaço privado da galeria e o espaço do visitante, portanto quem anda aqui está sempre a ver quem está no escritório, e nós estamos a vê-los a eles. Essa foi uma decisão importante no projeto de arquitetura, que o nosso escritório e o acervo se integrassem na galeria.

G. – Estando na Cooperativa dos Pedreiros acabas por procurar algum tipo de relação com os teus vizinhos da Rua da Alegria, ou até da Cooperativa?

N.C. – Há pouco tempo veio cá um grupo muito interessante, que eram os trabalhadores da Cooperativa dos Pedreiros que tinham trabalhado aqui há décadas. Eles ficaram muito emocionados ao ver o espaço, onde eles tinham trabalhado uma vida toda, transformado numa galeria de arte com paredes brancas, tudo limpo, mas de certa forma com a estética do espaço brutalista do tempo em que eles cá trabalharam. Eles tinham feito um almoço de encontro dos trabalhadores aqui no edifício da Cooperativa e ouviram dizer que isto se tinha tornado numa galeria de arte, então vieram cá todos e ficaram surpreendidos.

Também estou a tentar que esta rua se torne um bocado mais atrativa. Agora na Rua da Alegria abriram imensos negócios, porque uma galeria traz sempre novos públicos e faz com que pessoas que nunca se tinham deslocado a um determinado local passem a ir lá para a visitar. Normalmente o que acontece é que primeiro mudam-se as galerias, depois os ateliês dos artistas, os arquitetos, e mais tarde as primeiras lojas. É muito frequente ver primeiro as comunidades artísticas a mudarem-se para um sítio e acabares por ver esse sítio a tornar-se parte da gentrificação. No nosso caso, estamos a 10 minutos a pé da Câmara Municipal do Porto, isto é, no coração da cidade.

G. – Achas que a significação que se dava à Rua Miguel Bombarda já se está a perder?

N.C. – A Rua Miguel Bombarda foi muito importante para mim e para a cidade, mas as coisas mudam. É uma rua que continua a ser muito interessante, com uma série de lojas e negócios que também são relevantes, mas de uma forma natural as galerias começam a localizar-se noutras partes, o que é muito bom porque se começa a expandir e reativar outras partes da cidade. Pessoalmente, eu sinto que a cada 6/7 anos preciso de mudar, então estou sempre à procura de criar novas situações que sejam atrativas para mim e para a galeria. A mudança de bairro foi uma delas.

G. – Recentemente foste distinguido pela Appollo e pela Artnet. Sentes que a imprensa continua a ter relevância no mundo da arte para dar credibilidade?

N.C. – Acima de tudo para dar credibilidade, sim. Essas distinções foram muito importantes para a galeria, antes de mais porque me motivaram imenso e foram um incentivo para continuar, porque ter uma galeria é uma atividade mesmo difícil.

Todos esses prémios e distinções motivaram-me não só a não desistir, mas também a perceber que vale a pena porque, como te dizia no início, este é um trabalho que exige tanta persistência que é importante que de vez em quando estas coisas aconteçam. Porque é muito fácil estar na arte e desistir; é comum as pessoas que estão envolvidas em arte se manterem no meio apenas por alguns anos, é difícil resistir ao tempo. Só com muita perseverança e com muita noção de todas as dificuldades.

Além disso, os prémios também foram excelentes porque me ajudaram a estabelecer uma relação de confiança entre clientes e galeria, artistas e galeria; a criar esses pontos de fortalecimento.

G. – Pois, esse reconhecimento a nível internacional também te ajudou com clientes e colecionadores...

N.C. – Sim, ajudou muito. Em Portugal, temos alguns compradores, mas colecionadores temos muito poucos. Esse reconhecimento reforçou as relações que eu já tinha com compradores, mas também me trouxe muito público novo; não necessariamente compradores ou colecionadores, mas algo mais interessante ainda — um público novo que pode ser trabalhado e se pode tornar cliente ou apenas visitante.

Tudo o que nós queremos é que o negócio possa continuar, que seja autossustentável. Não se procura grandes ambições para além disso numa galeria hoje em dia, como acontecia noutros tempos; se o negócio for sustentável, já é muito bom. O meu principal objetivo é continuar.

G. – Dizes que há poucos colecionadores em Portugal. Não sei se consegues ajudar a desmistificar também a figura do colecionador, que acaba por ser muitas vezes confundida com a de comprador.

N.C. – Uma coisa é o colecionador, outra é o comprador. O comprador adquire obras por motivos pessoais e decorativos, o colecionador tem uma missão pessoal em adquirir memórias do contemporâneo e vai vivendo com essa obsessão (quase compulsiva) de colecionar e comprar para ter em casa, mas quando já não tem espaço continua a comprar. E depois há a missão que um colecionador pode ter, que é comprar com um olhar afinado, de acordo com algumas características com as quais ele se identifica na forma de fazer arte. O comprador compra de uma forma esporádica, ou porque gostou ou simplesmente para decorar a casa. E a galeria vive dos dois. Existem poucas galerias que vivam só de colecionadores e as que o fazem estão numa posição muito volátil; a galeria precisa do colecionador, do comprador e do visitante, e se conseguir reunir estes três elementos é perfeito.

G. – E como é que vais criando relações com os teus clientes?

N.C. – Nós vamos criando uma relação de fidelização com confiança, transparência e, no fundo, de amizade. E uma programação diversificada também é importante para que as pessoas queiram voltar sempre.

Eu evito fazer uma programação com exposições que sejam muito semelhantes entre si; a próxima que vou ter aqui na galeria é de um artista muito mais urbano, que procura a beleza no caos e com relações à história da arte do contemporâneo: o Adriano Costa, um brasileiro com quem fiz a primeira mostra [dele] na Europa, através da minha galeria. É importante a diversidade na programação sempre com coerência; eu sou uma pessoa que gosta de várias formas de fazer arte, de várias formas de estar na arte e tento que isso transpareça na minha programação, que não é tão técnica, é mais um reflexo daquilo que eu sou.

Como eu estudei para ser artista, acredito que ser artista é (ou deveria ser) um ato de liberdade e ser galerista também o deveria ser. Não quer dizer que se consiga isso, porque às vezes também nos tornamos reféns do próprio sistema. E acredito que é isso que torna a minha galeria diferente, o facto de ser um espelho daquilo que eu sou e com o qual muita gente se pode identificar também.

G. – Ou seja, tentas não ceder a qualquer tipo de pressão ou moda do mercado da arte?

N.C. – Eu sou naturalmente influenciado pelo mercado porque vivo constantemente nesse mercado e faço feiras internacionais. Portanto, sim, sou naturalmente influenciado e acabo por fazer coisas que vão ao encontro do que é a arte atual, mas não sou refém disso. A arte atual também me vai inspirando para pensar no que é o reflexo do que vivemos hoje e em novas formas de fazer arte. Hoje está toda a gente muito mais ligada à arte post-digital, new media, e isso também me inspira para fazer coisas novas. Vou construindo o que faço com referências históricas e contemporâneas, e é mesmo isso que define o meu tipo de programação.

G. – E com o passar dos anos há uma pressão cada vez maior do mercado, que acaba por determinar o que os artistas vão criar?

N.C. – Se eu falar de um modo mais geral, sim, há. Tanto no que toca a galeristas como a artistas em relação àquilo que o mercado espera e quer, há uma pressão grande que obriga muita gente a querer estar na moda e a ceder a essas tais pressões relativas ao mercado atual. Mas também não consigo julgar se está certo ou se está errado. Nós hoje somos tão rápidos, tão vertiginosos, tão voláteis em termos de tendências que, se calhar, ser artista hoje, analisando com distância daqui a algum tempo, vai ser responder a essa banalidade. Há muitos artistas hoje que respondem a essa banalidade do presente.

G. – Podes nomear alguns?

N.C. – Eu vou falar de dois casos de artistas meus, um nacional e o outro internacional. O Mauro Cerqueira é um artista do Porto que tem vindo a analisar e a testemunhar esta passagem através de transformações urbanísticas, sociais, económicas, utilizando, por exemplo, objetos de uma arqueologia contemporânea, resgatados de sítios com uma tipografia recentemente fechada, e trabalhá-los em narrativas que refletem exatamente a mudança dos nossos tempos e que espelham o que estamos a viver hoje. Ele fala de questões locais que são altamente globalizáveis. Por outro lado, temos o caso do Dan Rees, que responde a todas as questões do contemporâneo através de meios muito diversificados e usa sistemas muito simplificados para fazer uma arte, através de processos conceptuais, que se finaliza num produto atual com referências históricas. Ele utiliza as galerias de arte como veículo de uma exportação de ideias que tem sobre valores da atualidade.

G. – E há lugar nas galerias para arte com um caráter mais político ou ativista?

N.C. – A minha galeria sempre teve um conteúdo extremamente político. Aliás o Mauro, o Adriano e grande parte dos artistas que se iniciaram comigo tinham um conteúdo bastante político. O Blake Rayne é outro artista que cria mecanismos de sabotagem à própria prática da arte que ele faz, e nessa tentativa de sabotar surge a obra dele. O Silvestre Pestana é outro artista que usava a sua arte de uma forma quase radical para se expressar na sua época e também traz essa memória para a galeria. Portanto sim, há espaço para isso na minha galeria, mas neste momento interessa-me mais ter artistas que falem, cada um, sobre situações diferentes e ter um caráter mais transversal. No início esse era um fator decisivo na minha galeria, mas neste momento já não me interessa tanto explorá-lo.

Mas sabes o que é que eu acho? Se és artista, já és altamente político. Se te estás a manifestar, já estás a olhar para as coisas banais de uma forma diferente, acabas por ser sempre politizado e podes expressá-lo de muitas formas diferentes.

G. – A verdade é que todas as peças que estão nas galerias têm como finalidade serem vendidas. Achas que existe algum tipo de arte que não caiba na galeria, nesse sentido?

N.C. – Eu acho que há público para tudo. Pode demorar, mas há sempre a pessoa certa para cada obra de arte, e isso é uma questão de tempo; pode demorar dois dias ou dois anos. Estou há 12 anos nisto, e há uma coisa incrível em que tenho reparado: às vezes uma obra está três anos na galeria e de repente aparece alguém que a acha incrível e quer saber mais sobre o artista, quando até lá ninguém tinha pegado nela.

Uma coisa curiosa é que quando preparamos uma exposição e achamos que vai ser muito comercial nem sempre vende, e, quando apostamos em coisas mais experimentais, até acabamos por vender muito bem. Portanto, não há regras para aquilo que vai resultar e que não vai resultar, mais vale fazer uma programação com aquilo de que gostamos e depois ir analisando se resulta.

Há espaço para todos e falando nisso, há uma coisa com que nunca me preocupei. Eu não olho para as outras galerias como concorrência porque cada um faz o seu trabalho, há propostas diferentes; e tento ver sempre o lado positivo disso, quanto mais galerias abrirem melhor. O público que for lá vai transitar para mim mais tarde ou mais cedo, e o meu vai transitar para as outras, as coisas vão fluir. É importante que existam muitas instituições, muitos espaços culturais, muitos espaços experimentais, muitas galerias, porque isso vai criar uma rede muito mais vasta de possibilidades.

G. – Falas dessa importância de existirem muitos espaços culturais e há pouco dizias que, apesar de não teres as obrigações de uma instituição, sentes que faz parte da tua missão desmistificar o que é uma galeria. Qual é o limite entre a tua galeria e um espaço institucional?

N.C. – Eu não tenho tanta responsabilidade como eles. O espaço institucional tem uma responsabilidade para com todos nós. Na minha galeria, não temos isso porque tecnicamente somos um negócio. Essa responsabilidade é para comigo. Moralmente é diferente, sinto que tenho a responsabilidade de dar o meu melhor para o público, mas na técnica não o tenho de fazer.

O museu tem uma missão cultural para com o país, e eu aqui também o tenho por opção. Acho que todos devíamos sentir esse dever porque a cultura é a maior arma que um país pode ter; um país sem cultura é um país sem identidade, sem memória. Imagina um país que não tenha pintores, escritores, arquitetos, filósofos, designers... é um país pobre. E eu acho que é uma consciência que todos devemos ter, de que devemos contribuir culturalmente uns para os outros. Essa missão a nível pessoal, em perpetuar a cultura, eu tenho-a; e se há coisa que mais gozo me dá em ter uma galeria é saber que eu estou a contribuir culturalmente para todos e, ao mesmo tempo, a enriquecer-me a mim próprio com o que faço através da cultura.

Se reparares, a cultura é o que fica. Olhas para qualquer país e encontras pontos de distinção porque tem um grande arquiteto, um grande filósofo, um grande artista e ao visitares esses países é disso que vais à procura. É muito importante que o governo perceba isso e que tenha consciência do poder da cultura para todos nós... e que as pessoas também tenham um engajamento maior com as artes visuais, a dança, o cinema, tudo isso.

 G.  E isso não acaba por acontecer porque as pessoas acham que não é para elas, e as artes continuam associadas a uma ideia de elitismo?

N.C. – Claro que sim, e mudar isso é um papel das instituições culturais. Criou-se esse mito de que a arte é demasiado elitista e que não é para todos, e eu tento fazer a minha parte com a galeria, democratizando e fazendo com que as pessoas se sintam confortáveis aqui. Uma das coisas que eu mais gostei nesta localização foi exatamente isso, saber que me me ia permitir fazer uma galeria que é quase uma instituição, não o sendo. É quase entre uma galeria e uma Kunsthal, de uma forma pequenina e informal. Eu espero mesmo que ninguém sinta medo de entrar aqui e invisto muito tempo a falar com pessoas que às vezes vêm cá e não têm nada que ver com a arte, mas querem saber mais, tentando estimular o lado mais sensorial delas. É muito interessante pensar que a arte também serve para nos alimentar de estímulos.

G. – Em resumo, qual é que achas que é o teu papel enquanto Nuno Centeno?

N.C. – É de promotor cultural, sem dúvida. Aquilo que eu já fiz durante estes anos todos em que me dediquei a isto, sem fins de semana nem férias, acaba por refletir isso; desde trazer artistas cá, introduzi-los ao nosso mercado e aos nossos públicos, e até apresentá-los a outros artistas, para que eles sejam um contributo entre si, na expectativa de que os vai enriquecer a todos. E, claro, tenho sempre o sonho de conseguir exportar os nossos artistas para fora, que é extremamente difícil porque as próprias instituições e os colecionadores portugueses deviam ter um papel mais ativo. O Estado também apoia mais a internacionalização dos nossos artistas, mas é preciso muito mais. É necessário um investimento enorme do nosso país. Quanto a mim, sempre cresci a querer pôr Portugal no mapa internacional das artes e é esse o meu grande objetivo enquanto galerista.

A galeria de portas abertas

Quando a conversa acabou, Nuno e Tobias acompanharam-nos até à saída da galeria. Com alunos das escolas nas redondezas a conversar junto ao muro e vizinhos a passar na rua, as portas ficaram abertas; como Nuno quer que estejam sempre.

A exposição de Lydia Okumura está patente na Galeria Nuno Centeno até ao dia 2 de março. Sabe mais sobre a galeria aqui, e acompanha as novidades a par e passo, aqui.

Texto de Carolina Franco
Fotografias de João Ribeiro

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