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A nova Vida Portuguesa do estacionário português (também) foi escrita por Catarina Portas

Em qualquer conversa que se possa ter sobre estacionário com as fábricas que se mantêm…

Texto de Carolina Franco

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Em qualquer conversa que se possa ter sobre estacionário com as fábricas que se mantêm no ativo, há sempre um ponto que vai acabar por as ligar: A Vida Portuguesa. A marca criada por Catarina Portas surge em novembro de 2004 -  inicialmente sob o desígnio de Uma Casa Portuguesa, e desde maio de 2007 com o nome por que a conhecemos hoje - , a partir de uma investigação jornalística sobre produtos portugueses. Numa década resgatou marcas dos tempos dos nossos avós e tornou-se o lugar com a maior concentração de “antigos, genuínos e deliciosos produtos de criação portuguesa”.

Das pastas dentífricas Couto às cerâmicas da Bordalo Pinheiro, dos sabonetes Ach. Brito ou Confiança aos Bordados de Viana do Castelo, dos chocolates Arcádia ou Regina às mantas alentejanas, A Vida Portuguesa (AVP) é, mais do que uma montra de produtos nacionais, um projeto de preservação de memória. No estacionário reúne as clássicas Viarco, Emílio Braga, Firmo, os cadernos Flecha da Papelaria Fernandes e nomes contemporâneos como o estúdio Serrote que, inclusive, produz alguns cadernos em exclusivo para as lojas AVP.

Quem trabalha no fabrico de estacionário há décadas não poupa elogios ao trabalho de Catarina Portas pelo mapeamento e projeção que permitiu a marcas que com a abertura ao mercado europeu pareciam desaparecidas, mas estavam apenas silenciadas. Ana Almeida, responsável pela comunicação d’A Vida Portuguesa, contextualiza: “Como eram fábricas que trabalhavam com métodos muito artesanais, com outro tipo de preço e timings de entrega, desapareceram dos circuitos tradicionais de comércio. As pessoas também alteraram muito os hábitos; deixaram de ir a papelarias, passaram a ir hipermercados ou a cadeias e por causa do tamanho destes produtores, e eles não chegavam a esses canais. Aconteceu com a papelaria, mas também com a perfumaria e os produtos alimentares.”

Quando Catarina Portas pensou a marca pretendeu “reunir os objetos num lugar só e criar um projeto que tem que ver com identidade, com memória, mas também criar um canal alternativo para estas marcas poderem estar presentes”."Se estes produtos resistiram ao tempo e a um mercado que era muito hostil, alguma qualidade tinham de ter. E é mais uma questão de olhar para eles de outra maneira, o projeto tem muito a ver com isso. Até porque sempre estiveram aí”, explica a responsável de comunicação.

Os portugueses como público-alvo de um mercado que também lhes pertence

Ana explica que “o primeiro target foram sempre os portugueses” e que “mesmo hoje em dia uma parte muito significativa do público d’ AVP são turistas, mas o target é o nacional”. "Não é que o publico turístico não nos interesse, mas acho que há algo bastante claro para todas as pessoas que trabalham n’ A Vida Portuguesa: isto é interessante para os turistas porque é interessante para os portugueses. Ou seja, o cliente que nós queremos cativar é aquele que conhece bem os produtos, que sabe a diferença entre estes e outros, que os valoriza, que gosta deles É sobretudo porque têm uma historia, têm qualidade, têm conteúdo; porque se destacam. E os turistas vêm à procura de produtos genuínos, com qualidade, e que as pessoas realmente utilizam, que fazem parte da verdadeira memória afetiva dos portugueses”, conta.

A Viarco é uma das marcas presentes nas lojas A Vida Portuguesa

Dos clientes “mais hipster” que procuram produtos alternativos aos que estão à venda nas grandes superfícies aos “mais idosos que têm saudades dos produtos”, “a ideia é trabalhar muito transversalmente esses públicos”. Para ambos há uma preocupação central: preservar a memória.

O estacionário como escape num mundo cada vez mais digital

Se em algumas fases da vida utilizar cadernos e lápis continua a ser essencial, noutras o mesmo já não acontece. Das tarefas mais simples como notar ideias, fazer listas de compras ou organizar a agenda até outras mais complexas, como fazer atas ou registar os movimentos dentro de uma mercearia, o papel começou a ser substituído pelo digital. Mas o papel continua lá, “sobretudo para coisas especiais” - defende Ana Almeida.

“O caderno já não é só utilitário, é um objeto de culto pessoal para qualquer coisa que vais fazer. Antes um caderno era para escrever, para tirar notas, e se hoje as pessoas podem fazer isso no telemóvel ou no computador, estes objetos acabam por ser catalisadores para a criatividade. O digital é potencialmente infinito, portanto se calhar um objeto finito na mão também obriga a ter uma relação um bocado diferente com ele.”

O gosto pelo estacionário de Catarina Portas potenciou a venda destes produtos, mas também a criação de produtos AVP com o selo de marcas como a Emilio Braga (EB) ou a Viarco. A partir do espólio de papelaria de Catarina - que agrega “coisas que foi comprando em feiras ou antiquários ao longo dos anos, como papéis de embrulho com uma série de padrões” - criaram-se os primeiros cadernos em parceria com a EB, cujos nomes homenageiam alguns artistas portugueses como Amália, Tony ou Iglésias. Com a Viarco o processo de parceria foi diferente, uma vez que se recriaram os estojos individuais, a dúzia de lápis de grafite e as caixas de lápis de cor “do antigamente”.

"Amália" é um de sete cadernos da primeira parceria AVP x EB

Tanto com a Emílio Braga como com a Viarco as parcerias foram-se renovando e, lado a lado, resultaram em produtos de merchandising das exposições de Sarah Affonso, no ano passado. “Fomos contactadas pelas herdeiras da Sarah Affonso. As herdeiras tinham o espólio e iam abrir duas exposições sobre a avó - como também já tinham feito algo importante com o avô -, a Gulbenkian ia apoiá-las e davam acesso ao espólio de desenhos, ilustrações e até quadros, para fazermos material baseado na obra da Sarah Affonso, para ser merchandising de exposição”, recorda Ana.

Daí surgiram reproduções dos cadernos de vogais, uma série de cadernos com o primeiro desenho conhecido da pintora, feito quando tinha 12 anos, uma caixa de lápis de cor da Viarco com ilustração de Sarah Affonso para a primeira edição d' A Menina do Mar, de Sophia de Mello Breyner, entre tantos outros. “Curiosamente quando fomos numa das visitas a um estúdio da Sarah Affonso e do Almada Negreiros, numa casa que eles tinham em Bicesse, estava lá uma caixa de lápis igual a esta da Viarco, mas antiga. Aí fez ainda mais sentido”, partilha.

Um dos três conjuntos da série de cadernos ilustrados também parte da primeira edição do livro   A Menina do Mar

Das parcerias ao estacionário em nome próprio

Nas prateleiras da secção de papelaria d’ A Vida Portuguesa encontram-se produtos clássicos, alguns feitos através de parcerias, mas também “algumas coisas fora do baralho” e que partem do Gabinete de Design da marca. São exemplo disso os conjuntos Nota Bem, ideais para listas, e o Plano Semanal, este último “uma espécie de agenda perpétua, que é feita numa gráfica da zona do Intendente pelo senhor Jorge”.

Este processo de parceria com os fornecedores, alguns deles habitantes da zona circundante dos escritórios da marca, funciona, grande parte das vezes, num primeiro momento. Só depois se pensa no que é possível fazer nesse determinado lugar. Ana conta que o Plano Semanal, “um best-seller”, “foi criado no Gabinete de Design depois do momento em que conhecemos o Sr. Jorge”. “Esta é uma maneira nossa muito comum de trabalhar: primeiro percebemos o fornecedor e o que é que ele faz, e depois é que vemos o que lhe vamos pedir. Não vamos com a coisa toda montada”, explica.

O Plano Semanal foi pensado pelos designers da marca e funciona bem com quem se dá mal com agendas

A partir desta relação próxima com os objetos, A Vida Portuguesa relembra que o apelo ao analógico pode trazer ideias inesperadas, uma organização do pensamento que não acaba com a bateria e um (novo) encontro com nós mesmos. “Ao fazer essa cultura do objeto damos a entender que se calhar em vez de termos muitos objetos mais vale ter um especial. Estabelecer novas relações com os objetos, voltar a pegar neles, é aliciante para as pessoas, e a partir daí podem surgir outras coisas. Os objetos também podem, de alguma maneira, recalibrar a nossa relação com as coisas”, conclui.

A Semana do Estacionário Português continua até à próxima sexta-feira. Podes juntar-te a Ana Almeida e aos criadores do estúdio Bulhufas hoje, na Central Gerador, às 19h30 para uma conversa, e reler a reportagem sobre marcas clássicas do estacionário nacional, aqui.

Texto de Carolina Franco
Fotografia de A Vida Portuguesa

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