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Da Emílio Braga à Viarco, o estacionário português continua de boa saúde e recomenda-se

É possível que nem sempre tenhamos noção do papel que o estacionário ocupa na cultura…

Texto de Carolina Franco

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É possível que nem sempre tenhamos noção do papel que o estacionário ocupa na cultura portuguesa. Esteve por perto nos momentos mais banais do nosso dia-a-dia, mas reencontrá-lo nos dias que correm pode trazer uma sensação de nostalgia que nos transporta para as memórias dos momentos mais simples, mas que recordamos com um sorriso. O lápis da tabuada que queríamos usar na escola e que mantínhamos às escondidas no porta-lápis, o caderno da mercearia que visitávamos pela mão dos nossos avós, o livro de atas que avistávamos ao longe e que nos parecia esconder histórias, ou a sebenta que utilizámos para treinar a escrita - todos eles têm uma história por trás, narrada em português.

Na Revista Gerador de janeiro juntámos algumas das marcas responsáveis pelo venda e/ou fabrico do estacionário que faz parte do imaginário da infância dos millenials, da vida inteira dos seus pais e avós, e que se mantém vivo numa época em que a predominância digital o podia contrariar. Hoje falamos-te um pouco mais sobre a Emílio Braga, a Viarco, a Papelaria Fernandes e a Firmo, as casas que resistiram ao tempo ou se reinventaram e continuam a produzir aquilo que melhor sabem fazer.

Emílio Braga

Emílio Braga fundou a fábrica a que deu nome em Lisboa no ano de 1918 / Fotografia cedida pela marca

Fundada em 1918 na Rua Nova do Almada, a Emílio Braga começou por vender cadernos para fins contabilísticos ou comerciais e, de acordo com A Vida Portuguesa, “viria a ser considerada por essa época uma das melhores papelarias da cidade”. Distinguiu-se pela “encadernação de galocha” e deixou marcado um selo de qualidade que começou pelos cadernos pretos e vermelhos e se estendeu a todos os produtos que foram sendo feitos durante um século.

António Spínola, o atual diretor da marca que se mantêm na mesma família desde a sua fundação, garante que o segredo para se manterem vivos “é a carolice”, “porque é um trabalho muito demorado, com uma mão de obra muito grande, e que é dispendioso”. "Nós já passámos por vários altos e baixos. Já passámos pela primeira e segunda grandes guerras, pelo Estado Novo; por muita coisa, sempre. A empresa foi reestruturada há dois anos e neste momento somos meia dúzia de pessoas. Fazemos das tripas coração para que o negocio continue”, conta.

Atualmente a Emílio Braga produz cadernos de diferentes cores com o método de "encadernação de galocha" / Fotografia cedida pela marca

Para evitar uma banalização do produto, não o distribuem “em qualquer lado”, seja em Portugal ou no estrangeiro. Além dos cadernos que assinam em nome próprio, fazem “outros personalizados”, como “os livros da Federação Portuguesa de Futebol, do Turismo de Portugal, da Autoridade Tributária ou da Segurança Social”, com a condição de que “todos têm a chancela Emílio Braga”. “Disso não abdicamos”, justifica António Spínola.

Ainda que os cadernos da Emílio Braga ocupem uma posição de destaque no mercado nacional, atualmente 70% da produção da fábrica é para exportação. De Los Angeles e Nova Iorque a Seul, têm pontos de venda um pouco por todo o mundo, com um foco maior “nos Estados Unidos e em Inglaterra”.

À qualidade dos produtos que se mantém desde a fundação da marca juntam-se hoje outros fatores a ter em conta. “Cada vez trabalhamos mais na biodegradibilidade dos produtos; todos são reciclados ou recicláveis, as linhas de coser os livros passaram de nylon para poliester e algodão, e tentamos reduzir ao máximo o impacto na natureza”, conta o diretor.

António Spínola garante que “não há dois livros iguais” e que todos eles contam histórias de um trabalho feito com afinco e dedicação. É aí que começa a primeira parte de uma narrativa que se completa na hora em que um caderno é preenchido com as memórias de alguém.

Podes saber mais sobre a Emílio Braga, aqui.

Viarco

A história de Portugal no último século podia ser contada através de lápis da Viarco / Fotografia cedida pela marca

A Viarco é a única fábrica de lápis na Península Ibérica. Para quem não se move dentro da indústria, este dado é o suficiente para que se consiga entender a importância que ocupa no mercado e na memória coletiva. Tudo começou pelas mãos de Manoel Vieira Araújo, que registou a marca no ano de 1936 e decidiu transferir a fábrica de lápis de Vila do Conde para São João da Madeira, uma localidade associada ao fabrico de chapéus.

Pensar em Viarco é lembrar, inevitavelmente, o icónico lápis da tabuada, que, aliás, ainda se mantém à venda. “É o lápis que as pessoas mais reconhecem como um elemento ligado à infância. É frequente ouvirmos nas visitas à loja ou às exposições “Faz-me lembrar da minha infância” ou “Eu tinha um destes na escola primária” “, explica José Vieira, o atual proprietário. Apesar de “não ser o lápis que faz mais dinheiro”, “é um dos mais cónicos, seguramente”.

Num exercício complicado, mas ao qual responde com grande naturalidade, José elege os quatro lápis “mais icónicos” da Viarco: "o lápis da tabuada, o lápis de cor azul que era usado no tempo da censura, o lápis de carpinteiro, e aquelas caixinhas de lápis da escola primária que A Vida Portuguesa comercializa”. "Em termos de memória coletiva, esses são os 4 mais icónicos, o que não significa que sejam os mais importantes em termos de vendas”, explica.

Tal como aconteceu com grande parte das empresas de estacionário, a Viarco passou por vários períodos de crise, sobretudo “com a entrada da União Europeia e nossa saída da ditadura, porque tudo o que vinha de fora era bom”. “Nós tínhamos estado a viver décadas de censura e fechados ao exterior, o que significa que algumas empresas, quando vieram para Portugal, tiveram o caminho todo aberto. Vinham com meios e organização, marketing e bons produtos. O fabricado em Portugal deixou de ser uma coisa importante, não era sinónimo de qualidade e nós fomos perdendo mercado, competitividade, reconhecimento”, contextualiza José Vieira.

Apesar de todas as dificuldades, a Viarco foi renascendo a cada queda e apostando em produtos que com o tempo se foram distinguido no mercado, como tem acontecido com a ArtGraf. “Acabamos por ter quase duas personagens: uma é a da arte, do design e da inovação, e a outra é a da tradição, que apela à memória afetiva”. Dos lápis de cor Color Add, o código de cores para daltónicos criado por Miguel Neiva, às aguarelas da ArtGraf até aos clássicos lápis da tabuada, a Viarco atua em diferentes frentes sempre com uma preocupação em mente: trazer um valor acrescentado à comunidade.

Os materiais ArtGraf consistem em aguarela de grafite / Fotografia cedida pela marca

Podes saber mais sobre a Viarco através do site oficial da marca ou, caso queiras mergulhar a fundo na sua história, através deste episódio de "Fabrico Nacional", uma série documental conduzida por Catarina Portas.

Firmo

Os cadernos azuis da Firmo tornaram-se um clássico do estacionário português / Fotografia de A Vida Portuguesa

Foi “pela mão de três irmãos” que surgiu a Firmo, no ano de 1951. O caderno azul ou a agenda Condor são clássicos que facilmente conseguimos associar às memórias do tempo em que se viam um pouco por toda a parte, mas os quase 70 anos de vida não tornaram complicados encontrá-los facilmente no mercado.

A partir da fábrica de Vila Nova de Gaia fabricam-se diferentes produtos de papelaria, sob o olhar atento de Rui Carvalho, o administrador da empresa, neto de um dos três fundadores. Em entrevista ao Observador a propósito do 65º aniversário, o administrador recordou o seu avô Manuel, que “era professor primário” e “também era sócio de uma papelaria”. “Certo dia, com os dois irmãos, o Artur e o Firmino, resolveram criar uma empresa que, ao mesmo tempo, tivesse o lado industrial e o de distribuidora. Na altura do Estado Novo os professores primários não podiam dar o nome às sociedades. Então a empresa ficou: Firmino dos Santos Carvalho. (…) Depois, com a ida para a Rua Camões, na Baixa, acabaria por se alterar o nome para Firmo”, contou na mesma reportagem, em entrevista a Tiago Palma.

Rui Simões assumiu os comandos da empresa em 2011, quando a empresa voltou a pertencer à família Santos Carvalho, depois de ter estado nas mãos da marca francesa Antalis. É pela qualidade que continua em cena, e é nesse sentido que, na mesma reportagem Rui Carvalho sublinha a importância da passagem de testemunho intergeracional: “O que eu sinto é que os pais vêm a reboque dos filhos, ou os filhos a reboque dos pais, e estes preferem sempre gastar mais algum dinheiro no início do ano e saber que aquele caderno vai durar”, diz a Tiago Palma.

Seja nas grandes superfícies ou n’ A Vida Portuguesa, os produtos da Firmo são vendidos aos que já lhe reconhecem valor pela qualidade que atravessa gerações e aos que querem levar para casa um ícone da papelaria portuguesa, que foge ao típico souvenir. "Das mercearias de bairro aos romances do autor norte-americano, o Caderno Azul (ou "Blue Note") da Firmo já viveu muitas vidas”, quem o diz é A Vida Portuguesa. Certamente viverá muitas mais.

Podes ler a reportagem completa de Tiago Palma para o Observador, “Firmo: do Porto para o mundo (com apeadeiro na memória), aqui.

Papelaria Fernandes

A Papelaria Fernandes tem atualmente oito lojas distribuídas pelo país

A história da Papelaria Fernandes começa em 1891 e atinge os seus anos áureos durante o século XX. Para quem tinha o ritual de comprar o material escolar na Fernandes, a falência que abriu em 2010 não era previsível, mas acabou por determinar o fecho de grande parte das lojas distribuídas por Portugal. Da fábrica do Rato, em Lisboa, foram saindo produtos como os cadernos Flecha, os cadernos de música e a Tabuada do Ratinho, estes últimos que rapidamente se tornaram elementos base do ensino primário.

Atualmente é a Papetarget, a empresa criada em outubro de 2010, a responsável por manter o legado da Papelaria Fernandes. Depois de um período negro de que restaram abertas apenas duas de vinte e duas lojas - a do Rato e a da Rua do Ouro, ambas em Lisboa -, reuniram-se os esforços necessários para começar de novo sem esquecer o que de melhor se fazia no passado. Hoje com cinco lojas em Lisboa, uma em Abrantes, outra na Covilhã e mais uma em Almada, a Papelaria Fernandes continua a atuar junto dos seus diferentes públicos-alvo através de produtos que se tornaram clássicos.

Jorge Leal, o diretor comercial, conta que “além do trajeto de reabertura de lojas” foram “reabilitadas marcas, algumas delas bem históricas, como é o caso dos Ratinhos”. " Nasceram em 1945, com a tabuada, e durante muito tempo existiam quatro títulos de Ratinhos – a Tabuada, a Gramática, o Compêndio e o Mr Ratinho, que é o manual de inglês. Mais tarde, já com a reabertura da Papelaria Fernandes, lançámos o Ratinho AS (lições básicas de economia), o Mestre Ratinho (que são lições básicas de música e o Dr Ratinho (que são noções básicas de saúde). Portanto, a coleção Ratinho neste momento são sete títulos, mas claro que os que se destacam mais são os quatro primeiros, principalmente pela tabuada, porque os nossos avós estudaram por lá e continua a ser a tabuada indicada pelo ministério da educação”.

Os  manuais do Ratinho são desenhados por profissionais de cada uma das áreas que aborda

Ao Ratinho junta-se a sebenta, fabricada pela primeira vez na década de 60, que “tem na capa um estudante universitário tipicamente de Coimbra, com capa e batina” e que hoje “ganha uma nova vida com a onda de revivalismo e o gosto pelo vintage”. “Os turistas que nos visitam acham imensa piada e surge daí a nossa necessidade de traduzir o contexto que temos sempre no produto. É um caderno simples que eles usam muito para esboços, indicações e desenhos que fazem pela cidade”, conta o diretor comercial.

A sebenta, o caderno diário de pena, o caderno de música e os livros flecha “mantêm-se exatamente como os de origem” e “têm características únicas”. Com manuais online e tarefas cada vez mais feitas no computador, a nova vida da Papelaria Fernandes relembra que é importante conectarmo-nos com o mundo real e que há produtos que dificilmente serão substituídos pelos computadores. “Nem tudo é internet”, sublinha Jorge Leal.

Ao longo desta semana falamos-te um pouco mais sobre o estacionário português, tendo como ponto de partida a reportagem “A história do estacionário português escreve-se a lápis em cadernos que duram uma vida", publicada na Revista Gerador 29. Sabe mais sobre a Semana Temática do Estacionário, aqui

Texto de Carolina Franco
Fotografia de Emílio Braga

Se queres ler mais notícias sobre a cultura em Portugal, clica aqui.

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