Tudo começou em São Paulo, em 2018, pelas mãos da jornalista de arte Julia Flamingo. Ao trabalhar como repórter e crítica na revista Veja São Paulo, entre 2015 e 2017, percebeu o papel que o jornalismo pode ter para desmistificar os códigos do universo da arte contemporânea e para conquistar novos públicos. Foi dessa vontade que nasceu Bigorna, o projeto que hoje alimenta a partir de Lisboa.
À medida que ia fazendo o seu trabalho jornalístico surgiam questões recorrentes: “Como levar novos públicos aos espaços culturais? Como despertar o interesse de um público geral pela arte por meio do jornalismo? Como mostrar que a arte contemporânea não é um bicho de sete cabeças e está muito mais próximo da nossa realidade do que muitas pessoas imaginam?” Quando percebeu que conseguia respostas e ferramentas para as pôr em prática, decidiu criar o Bigorna, a plataforma que quer "ajudar a desmistificar a arte contemporânea e, ao mesmo tempo, ajudar as pessoas a criarem suas próprias opiniões sobre obras de arte, artistas, eventos polémicos, acontecimentos que são manchetes no mundo todo… mesmo que essa pessoa não tenha estudado anos de história da arte e não seja um frequentador assíduo de exposições”.
O subtítulo escolhido por Júlia, “um olhar generoso sobre a arte atual”, reflete não só a visão do projeto mas também a gestão do seu conteúdo. "Meu grande foco é trazer o didatismo sem que ele venha acompanhado de um tom professoral e académico. Além disso, todo o conteúdo em texto, vídeo ou podcast está ligado a coisas que estão acontecendo, mas são atemporais. Então, mais do que a cobrir um evento como uma feira de arte, meu interesse é explicar o que é uma feira de arte e qual é a diferença entre uma feira e uma bienal, por exemplo. Mais do que noticiar a programação de um festival de videoarte, quero mostrar o que é a videoarte, para que ela serve e qual a diferença entre videoarte e cinema. O público-alvo é qualquer pessoa que se interessar”, explica Julia ao Gerador.
Se à partida Bigorna pode ser uma ponte entre o Brasil e Portugal através da arte, o objetivo do projeto acaba por ser “mais abrangente”: “criar conexões com o que está a ser produzido no mundo todo”. Agora a estudar Culture Studies, no mestrado da Universidade Católica de Lisboa, Julia conta que quando morava em São Paulo recebia “menos informação sobre o cenário da arte português” do que gostaria, mas agora que cá vive sente que “quanto mais puder levar a arte e os artistas portugueses para o Brasil, melhor”. Acaba por ser uma troca generosa entre o que vê e o que quer dar a ver.
Por muito que os contextos artísticos de Portugal e do Brasil possam ser muito diferentes em Portugal e no Brasil - “no que concerne a oferta de eventos de arte nos dois países, a políticas culturais, ao ensino académico, à dificuldade em ganhar visibilidade enquanto artista ou curador, e também na formalidade do mercado” - há um ponto de convergência que Julia consegue apontar: “o facto de que nos dois países o cenário da arte contemporânea é muito fechado”. "Quem circula pelos museus e galerias são sempre as mesmas pessoas, que são os profissionais do meio, os colecionadores ou os espectadores que já frequentam os espaços culturais há um bom tempo”, explica. Esse motivo é, na verdade, “o que dá cada vez mais fôlego” ao Bigorna.
Para questionar e levar a arte contemporânea a novos públicos, Julia conta com uma equipa de quatro pessoas que se dividem entre São Paulo, Lisboa e Paris. Sofia Saleme, a diretora de arte - o seu braço direito e, por sinal, sua irmã - que, em São Paulo, produz vídeos, gere redes sociais, pensa em temas e “o que mais você imaginar”; Isabella Bianchin, a designer responsável pelo novo site, que também é brasileira, vive em Lisboa, e conheceu Julia numa das visitas guiadas do Bigorna; e finalmente as jornalistas Laura Rago, que escreve a partir de São Paulo, e Luana Ferrari, que comunica através de Paris.
O Bigorna não vive apenas no online - a sua relação com o mundo físico até acaba por ser um dos seus trunfos - mas, neste momento, acaba por ter se de cingir ao seu site e às redes sociais. Julia conta que já antes do período de isolamento social “era um problema chamar a atenção do público para o conteúdo online” e que “agora, com todas as ofertas maravilhosas e criativas que existem na internet, ficou ainda mais concorrido”. Ainda assim, acredita que “todo mundo tem mais tempo para parar para ler e, mais do que isso, têm disponibilidade para construir um pensamento crítico, não aceitar tudo o que lê e assiste, e fazer sua própria curadoria do que vale a pena consumir, acreditar e tomar para si como válido”.
“O conteúdo do Bigorna está muito voltado a mostrar como a arte e os artistas nos apontam novas formas de viver. Queremos mostrar como muitas obras que estão sendo feitas hoje nos ajudam a olhar questões atuais como a Covid-19, a ascensão da direita, a crise de imigração, as crises climáticas, etc, de outra(s) maneira(s). O Bigorna mostra como a arte fala sobre a nossa realidade, sobre nossos medos e incertezas, e nos propõe novas maneiras de viver em sociedade”, remata Julia.
Com Bigorna, Julia Flamingo trabalha todos os dias para provar que a arte contemporânea não está apenas ao acesso de alguns e que pode ser uma ferramenta para fazermos leituras sobre os nossos tempos - e outros que já passaram. Podes saber mais sobre e acompanhar o Bigorna, aqui.