Mais um dia de pantufas. Já nos começamos a fartar desta “sina” que se abateu sobre a comunidade e nos vai tornando a pouco e pouco cada vez mais parecidos com os “bibelots” das nossas estantes.
Na tentativa de expulsar maus pensamentos e romper a monotonia cinzenta do confinamento vale -nos o trabalho na cozinha, que permite entreter, ocupar o corpo e o espírito e - depois de tudo (bem) feito - ainda por cima encantar o paladar da família.
O pensamento positivo da semana revolve desta vez em torno de um pedaço de carne que começou por ser imortalizado noutras latitudes mais frias, lá para as ilhas britânicas, mas que acabou por ser adotado mais ou menos por todo o lado.
Falo do “Roastbeef”, rosbife para os amigos. É uma parte do lombo ou da vazia (a parte de baixo do lombo) de um animal novo, que – idealmente – depois de cortada a peça e arranjada no talho, não apresente na balança mais do que um quilo a um quilo e meio.
Nas minhas previsões faço o almoço lá para as duas da tarde, e dá logo para aconchegar o estômago até à deita. Truques de sobrevivência que têm a ver com o empatar do tempo à nossa disposição...
Para a tarde pode ser que haja uma decisão revolucionária (própria desta época do ano) e os resistentes decidam ir ao cinema. A sala é limitada, o écran liliputiano, mas que isso não nos impeça de ver algum dos bons filmes disponíveis nas plataformas de “streaming”.
Se estiverem a navegar num mar de nostalgia façam como eu e revejam “Lawrence da Arabia” em cópia (digital e de alta definição) recentemente restaurada. O deserto todo por dentro de nossa casa em quase quatro horas de excelente cinema.
Não se esqueçam de tirar a areia das pantufas e de lavarem os copos, depois do filme acabar. Admito que o calor tórrido do deserto tenha provocado graves “alcances” na garrafita do Gin e na reserva de águas tónicas do estabelecimento familiar…
Rosbife à minha moda
Uma vazia pequena e tenra. Mandamos limpar, mas conservando alguma gordura.
Começamos por fazer no almofariz uma pasta de barrar: com alho esmagado, pimenta preta em grão e flor de sal. Esfrega-se muito bem a carne com essa pasta, sendo que podemos passar os alhos pelo espremedor dos ditos, mas para mais sabor deite-se no almofariz um ou dois dentes apenas esmagados com a faca grosseiramente.
Põe-se ao lume um tacho de fundo grosso (ferro ou alumínio fundido). Para dentro do tacho irão duas colheres de sopa cheias de banha de porco (de porco de bolota é a melhor) e outras duas de manteiga gastronómica, que pode ser das que já se encontram aromatizadas com salsa.
Deixamos a gordura aquecer muito bem e depois introduz-se o rosbife bem barrado para selar a carne com os seus sucos vitais lá dentro.
Com um garfo grande viramos de todos os lados até a peça de carne ficar bem marcada, mas não repassada.
Retiramos ao fim de uns 10 minutos (ou menos) a estufar – virando sempre - e fatiamos de imediato para servir no momento. Para quem não gosta da carne em sangue podem passar-se as fatias num pouco do molho que ficou no tacho.
Normalmente acompanho com puré de batata.
Mas se o dia estiver de “ananases” deixem esfriar a vazia inteira, fatiem em frio com uma faca elétrica e acompanhem com uma salada russa.
Um vinho adequado para o rosbife deve ser um tinto novo, mas com caráter e corpo. Recomendo o Quinta da Gaivosa, colheita de 2015. Um grande vinho do douro e de Alves de Sousa, a um preço (adequado) de cerca de 35 euros.
-Sobre Manuel Luar-
Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses. Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.