Numa entrevista dada ao Gerador em outubro do ano passado, Mariana Bragada explicava que “Nós Somos”, uma das faixas de Mónada, o primeiro EP de Meta, o seu projeto a solo, foi criada para “honrar os ancestrais”. Agora que lançou o seu videoclipe, juntou-se a Ana Marta, que o realizou, para conversar sobre o seu processo de criação.
Mariana e Ana Marta nasceram as duas em Bragança, estudaram no mesmo curso durante o ensino secundário e tiraram a mesma licenciatura, na mesma faculdade. Ainda antes de o saberem, estavam ligadas pela ancestralidade do seu território e pelos interesses em comum — e Mariana acredita que talvez por isso tenham acabado por se encontrar. Quando Mariana lançou a sua primeira música original, “It’s Time”, no Soundcloud, Ana Marta convidou-a para a gravar ao vídeo, para integrar a seleção de um canal de Youtube coletivo do qual fazia parte, “New Age Creators”. “Acho muito bonito como a relação das duas foi crescendo com o tempo”, partilha Ana Marta.
“[Gravar ao vivo a “It’s Time”] foi um momento muito especial para as duas e estou muito grata por ter continuado a florescer desde aí. Desde a criação de vídeos ao vivo à gravação de videoclips e até às nossas próprias viagens internas, tem sido muito especial poder partilhar este crescimento com alguém com uma visão tão bonita e genuína e que usa o seu poder e arte para elevar os outros também”, diz Mariana. A partir da colaboração em “It’s Time” foram encontrando pretextos para criar juntas, que resultam hoje em memórias que ambas guardam com carinho — da gravação de “Saudade”, música que integra Mónada, no terraço da casa de Ana Marta (com direito a reclamação de um vizinho), até ao videoclipe da mesma em Grijó de Parada, a aldeia de Mariana, e na Praia de Espinho.
“Tem sido uma viagem bonita, poder ver a evolução da Mariana como artista, estar ao lado dela nesse processo, e podermos criar juntas coisas que dão forma à sua música e aos seus projetos. E mesmo para mim, tem sido uma evolução também, poder ir criando com ela, e poder experimentar e criar sem limites”, diz Ana Marta.
Para “Nós Somos” uma das maiores referências visuais foi “Festa, Trabalho e Pão em Grijó de Parada”, um documentário de Manuel Costa e Silva, do qual utilizaram imagens de arquivo. Mariana conta que “já conhecia este documentário” por ser na sua aldeia, e que achou “que era o elemento visual que fazia mais sentido para se unir à música “Nós Somos”, e para honrar também a própria inspiração de onde surgiu a música e a letra”. Uma vez que acha necessário “acrescentar a perspetiva artística e contemporânea a estes arquivos e devolver essa inspiração”, acrescentou-lhe uma homenagem à energia feminina, “que merece ser valorizada e reconhecida como uma força essencial da criação”, convocando mulheres que a inspiram para o vídeo.
A gravação com essas mulheres foi feita apenas numa manhã de sábado, em janeiro, na qual também compareciam através das suas obras Mariana Castro, Inês Cavaco e Joana Dafon. “Foi um momento especial, esse dia de gravações, e senti mesmo que alguma força maior pairava no ar - poder estar ali com uma presença forte feminina, muitas mulheres juntas que construíram e deram forma a este vídeo, de uma forma orgânica e espontânea, foi muito especial”, diz Ana Marta.
Tanto na gravação como na edição, o processo foi sendo colaborativo: “fomos construindo as duas em separado, e depois em conjunto, numa tarde”. “Para nós é um processo bonito, entusiasmamo-nos ao ver as coisas ganhar forma, ou quando alguma coisa inesperada funciona mesmo bem, ou um plano fica mais forte, vibramos as duas com isso. Acaba por acrescentar sempre mais ao vídeo ter o olhar e sensibilidade das duas, do que se fosse só uma de nós a fazer, é uma coisa que nos dá gosto fazer em conjunto também”, completa.
“O poder e força feminina” é, para Ana Marta, “um grande fio condutor neste vídeo”. Numa lógica de sororidade, quiseram mostrar que “mulheres juntas têm muita força, mas que também são um sítio seguro, onde podemos ser vulneráveis e recair umas sobre as outras e nos apoiarmos mutuamente”. Para o ilustrar existem “imagens de cooperação feminina”, em que “mulheres arranjam o cabelo umas às outras, em que cabem no ombro uma da outra, dão as mãos”.
Além da sororidade entre mulheres que não têm uma ligação familiar direta, quiseram convocar “o lado ancestral, de que cada mulher carrega consigo os saberes da sua mãe, da sua avó, das suas ancestrais”; “é um pouco lembrar de onde vimos, e toda a força que isso carrega, de conhecer as nossas raízes e termos os pés bem firmes no chão, e ao mesmo tempo de levar essa força e saber para a frente, e preservar o poder de criação da mulher, e as suas histórias e tradições”.
Este é o segundo videoclipe de Meta para o disco Mónada. Ao Gerador conta que gosta de “olhar para a parte visual como um complemento, outra nova história” que pode “bordar em conjunto com a música e que a possa elevar também”. Deste último fica a força da “representação da mulher nas suas várias formas de existência— forte, vulnerável, trabalhadora, zeladora, criadora, destruidora, mãe, filha” e o poder de criar em conjunto.