fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Miguel Honrado

Persona

O mundo inteiro detrás de uma máscara. Elemento doravante obrigatório, simulacro do medo, superfície acutilante…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

O mundo inteiro detrás de uma máscara. Elemento doravante obrigatório, simulacro do medo, superfície acutilante que nos separa, inexoravelmente do outro, impedindo a simbiose e a partilha.

Boca e nariz ausentes truncam a identidade, sublinhando o olhar como dispositivo de vigilância e foco de toda a angústia.

Acontece, deste modo, a redução do que temos de mais singular - a uma homogeneidade orwelliana. Por outro lado, todavia, a máscara protetora projeta na superfície do rosto, sem subterfúgios ou artifícios sociais e de circunstância, a realidade dura e objetiva que testemunhamos.

Mais de que um mecanismo de dissimulação, como culturalmente nos habituámos a considerar, a máscara converte-se no símbolo assumido de, por um lado o expurgar da alteridade em nós, erigindo um muro, limitando a expressão, dificultando o diálogo, esse constructo tão caro ao desenvolvimento da cultura ocidental; por outro, da afirmação de um repli sur soi, de uma escuta interior que subitamente se impõe ao “ensurdecedor ruído do mundo”.

Neste sentido, à realidade pandémica, sanitária, eminentemente orgânica corresponde uma simultânea e paradoxal afirmação e apagamento do eu, numa asfixia atual defendida em nome de uma libertação futura.

Que marcas deixará no seio de uma cultura construída sobre e através da palavra? Que brechas abrirá no edifício milenar do logos? Que novas realidades imporá aos comportamentos, aos corpos e ao espaço social?

É facto que a máscara foi utilizada com diversos fins desde os primórdios da história humana, mesmo em situações sanitárias semelhantes, mas talvez seja inédita a consciência planetária da sua utilização e, sobretudo, a sofisticação no seu uso como elemento, a um tempo, sanitário e confinante.

Estaremos acaso testemunhando uma segunda derrocada de Babel? À lenta, mas certeira e progressiva anulação da diversidade? À inexorável imposição de uma voz única, surda e dissecada dos seus cambiantes singulares, retóricos, afetivos?

Certo é, porém, que a máscara, a sua existência ou inexistência, o radical absoluto que transporta, têm, curiosamente, precipitado a queda de muitas máscaras, desde a sobrevivência de um sistema económico que se reputava gloriosamente eterno, à hipocrisia e venalidade de um sistema democrático doente revelando a sua impotência quanto ao controlo do potencial destrutivo desse mesmo sistema.

Será, então, a máscara nesta definitiva entrada no segundo Milénio da nossa era, um símbolo de redenção ou de renovação? De simples sobrevivência ou de afirmação da vida?

Que máscara escolheremos doravante: a do “mundo onde já não existe rosto” ou, em oposição, a que substitui a velha pela nova realidade?

Os papéis que, até agora, representámos diante dos outros, já não bastam para, uma vez mais, dominarmos o terror da morte!  

Homem de Shurupak, filho de Ubaru-tutu, destrói a tua casa, constrói um navio. Abandona tuas riquezas, despreza os haveres, salva a vida! Transporta para a nave toda a sorte de semente de vida!

(da Epopeia de Gilgamesh)

-Sobre Miguel Honrado-

Licenciado em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e pós-graduado em Curadoria e Organização de Exposições pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa/ Fundação Calouste Gulbenkian, exerce, desde 1989, a sua atividade nos domínios da produção e gestão cultural. O seu percurso profissional passou, nomeadamente, pela direção artística do Teatro Viriato (2003-2006), por ser membro do Conselho Consultivo do Programa Gulbenkian Educação para a Cultura e Ciência – Descobrir (2012), pela presidência do Conselho de Administração da EGEAC (2007-2014), ou a presidência do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II (2014-2016). De 2016 a 2018 foi Secretário de Estado da Cultura. Posteriormente, foi nomeado vogal do Conselho de Administração do Centro Cultural de Belém. Hoje, é o diretor executivo da Associação Música, Educação e Cultura (AMEC), que tutela a Orquestra Metropolitana de Lisboa e três escolas de música.

Texto de Miguel Honrado
Fotografia de Estelle Valente

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

9 Julho 2025

Humor de condenação

2 Julho 2025

Não há liberdade pelo consumo e pelas redes sociais

25 Junho 2025

Gaza Perante a História

18 Junho 2025

Segurança Humana, um pouco de esperança

11 Junho 2025

Genocídio televisionado

4 Junho 2025

Já não basta cantar o Grândola

28 Maio 2025

Às Indiferentes

21 Maio 2025

A saúde mental sob o peso da ordem neoliberal

14 Maio 2025

O grande fantasma do género

7 Maio 2025

Chimamanda p’ra branco ver…mas não ler! 

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

Shopping cart0
There are no products in the cart!
Continue shopping
0