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Opinião de Helena Mendes Pereira

São Vicente cá fora: outras formas de intervir na cidade

Nas imediações do Panteão Nacional e mesmo em tempo de pandemia, Lisboa pensa e atua…

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Nas imediações do Panteão Nacional e mesmo em tempo de pandemia, Lisboa pensa e atua sobre o seu espaço público. Por estes dias, no plano do visível, a intervenção artística de Alberto Rodrigues Marques, Henrique Palmeirim e Hugo Castilho liga os conceitos de arte, sustentabilidade, criatividade e inovação e pretende sensibilizar para desafios urbanísticos, climáticos e de circularidade local, tomando-se a arte como ação comunicante e potenciadora do envolvimento das comunidades nas causas que são de todos.

A intervenção deste grupo de artistas, recém-formados pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, insere-se no SUSHI, projeto de adaptação climática, que envolve seis centros históricos da Europa do Sul, sendo a equipa de Lisboa constituída pela Lisboa E-Nova e pela FCT/UNL. O projeto cobre a área histórica de Alfama e Graça e está focado na resolução dos desafios ambientais e socioeconómicos que têm conduzido a um processo de gentrificação, desertificação e descaracterização do bairro. A Câmara Municipal de Lisboa e a Junta de Freguesia de São Vicente são naturalmente parceiros deste projeto em que o dstgroup assume o papel de mecenas, integrando nele as suas marcas MOSAIC e zet gallery, cabendo a esta última a sua coordenação artística e de comunicação. No enquadramento do Acordo de Paris (2015) sobre alterações climáticas, 197 países assumiram o compromisso de reduzirem, de forma significativa, as suas emissões de gases de efeito de estufa (GEE). Parte das medidas passa por planos de mitigação que estão relacionados com a energia renovável e a eficiência energética. Contudo, sabemos que mais de metade dos GEE – 68% -  estão relacionados com os sistemas de produção de alimentos e materiais: 29% relacionados com a produção de produtos industriais; 20% com a produção de alimentos e produtos florestais e 18% com a construção de edifícios. É na consciência desta realidade e acreditando no potencial da economia circular para enfrentar as alterações climáticas que tiramos proveito simbólico deste factos para o desenho de uma intervenção artística que se desenrola em quatro atos.

SÃO VICENTE CÁ FORA executa-se, assim, através deste ExPlano que tem como propósito a dinamização do espaço público, no estreito diálogo com a comunidade de moradores, sem-abrigo e turistas que o habitam quotidianamente, mais perene ou efemeramente. Os artistas, representados pela zet gallery, estão assim alinhados com os objetivos acima expostos e com o programa global de Lisboa Capital Verde Europeia e é nesse alinhamento que nos propõem quatro atividades-chave: explanar, extender, extrapilhar e expectar.

Em explanar, a ação parte da leitura do conceito: fazer a explanação de algo, explicar minuciosamente, tornando plana ou clara determinada matéria. Recorrendo, simbolicamente, a andaimes cedidos pelo dstgroup, a instalação circunda a fonte da escadaria da Calçada do Cascão, que se constituem como uma nova esplanada, ou seja, um novo ponto de encontro (ainda que condicionado nos tempos que vivemos) para os diferentes membros da comunidade. Os andaimes foram pintados de branco e cobertos com pedaços de lonas publicitárias, agora reutilizadas, e que assumem a forma de peças de roupa maximizadas e ajustadas à plasticidade dos artistas. O objetivo é incentivar a recolha e partilha de roupa em segunda mão, reduzindo a produção e o impacto da indústria têxtil. Simbolicamente, estabelece-se também uma ligação aos estendais de roupa, forma sustentável da gestão quotidiana, ao contrário das soluções mais tecnológicas, e que se constituem como uma marca identitária de várias cidades e muito em particular de centros históricos como Lisboa, como Alfama. É destas novas esplanadas que partimos para a segunda ação, extender, que considera o conjunto de ruas, becos e vielas da Calçada do Cascão como um estendal gigante destas peças de roupa sugestionadas pela intervenção artística. A ação exige a colaboração da comunidade na cedência de pontos de apoio para este grande estendal, no recurso às suas janelas e varandas, ou seja, a estruturas já existentes. Do grande estendal partimos para uma ação que escuta o bairro, usando o trapilho para desenhar funções ou infraestruturas que a comunidade tenha interesse em ver alterados ou construídos, tais como um corrimão para apoio aos mais velhos ou um cesto de basquete que faça a delícia dos mais novos. O terceiro ato é, então, extrapilhar e é o último de natureza mais efémera, uma vez que a ação se conclui com uma inscrição mais perene. Numa fachada emparedada, que pode simbolizar o ponto suspenso de tantos outros edificados urbanos, os nossos artistas contarão uma história e darão a vida do interior de uma casa: juntarão vida ao bairro, cidade à cidade. SÃO VICENTE CÁ FORA conclui-se, assim, com expectar: uma pintura mural que recupera o branco já usado na uniformização dos andaimes e que depois se adensa com a cor em elementos simbólicos e que procuram transmitir algumas das mensagens do projeto ambiental, propriamente dito.

No dia 14 de novembro de 2020 e após cerca de cinco semanas de trabalho no terreno, Alberto Rodrigues Marques, Henrique Palmeirim e Hugo Castilho dão a intervenção por concluída. Ao longo destas cinco semanas, fazendo uso das novas tecnologias, a Lisboa E-nova levou também a cabo um conjunto de conversas e oficinas que abordaram temas como a circularidade, a energia, a horticultura ou a mobilidade sustentável. O projeto inicial previa que esta nova esplanada fosse o palco privilegiado destas oficinas e conversas, mas com a evolução menos positiva da situação pandémica, as ações foram relegadas para o digital, ficando a intervenção artística reservada ao impacto multissensorial e às experimentações individuais ou de pares que por ali passam e que vivem este bairro de Lisboa.

Na expetativa da zet gallery e do dstgroup, este é mais um projeto em que nos envolvemos com o objetivo de testar novas formas de intervenção na Pólis, tendo a arte como grande foco de ação desencadeadora de reflexões sobre os grandes temas do nosso tempo.

-Sobre Helena Mendes Pereira-

É curadora e investigadora em práticas artísticas e culturais contemporâneas. Amiúde, aventura-se pela dramaturgia e colabora, como produtora, em projetos ligados à música e ao teatro, onde tem muitas das suas raízes profissionais. É licenciada em História da Arte (FLUP); frequentou a especialização em Museologia (FLUP), a pós-graduação em Gestão das Artes (UCP); é mestre em Comunicação, Arte e Cultura (ICS-UMinho) e doutoranda em Ciências da Comunicação, com uma tese sobre a Curadoria enquanto processo de comunicação da Arte Contemporânea. Atualmente, é diretora geral e curadora da zet gallery (Braga) e integra a equipa da Fundação Bienal de Arte de Cerveira como curadora, tendo sido com esta entidade que iniciou o seu percurso profissional no verão de 2007. Integra, desde o ano letivo de 2018/2019 o corpo docente da Universidade do Minho como assistente convidada. É formadora sénior e consultora nas áreas da gestão e programação cultural. Com mais de 12 anos de experiência profissional é autora de mais de 80 projetos de curadoria, tendo já trabalhado com mais de 200 artistas, nacionais e internacionais, onde se incluem nomes como Paula Rego (n.1935), Cruzeiro Seixas (n.1920), José Rodrigues (1936-2016), Jaime Isidoro (1924-2009), Pedro Tudela (n.1962), Miguel d’Alte (1954-2007), Silvestre Pestana (n.1949), Jaime Silva (n.1947), Vhils (n.1987), Joana Vasconcelos (n.1971), Helena Almeida (1934-2018), entre tantos outros. É membro fundados da Astronauta, associação cultural com sede e Guimarães e em 2019 publicou o seu primeiro livro de prosa poética, intitulado “Pequenos Delitos do Coração”.

Texto de Helena Mendes Pereira
Fotografia de Lauren Maganete

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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