fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Miguel Honrado

Margina(lia)

Algum tempo decorreu sobre o dia em que tive o privilégio de visitar a nova…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Algum tempo decorreu sobre o dia em que tive o privilégio de visitar a nova “Casa Fernando Pessoa” a convite da sua diretora, Clara Riso.

Este emblemático espaço cultural da cidade persiste na minha memória, como de resto, a maior parte dos equipamentos geridos pela EGEAC, a empresa municipal de cultura de Lisboa. Memória de sete anos de um projeto inolvidável, realizado num contexto político memorável, no qual tive o orgulho de intervir entre 2007 e 2014.

O privilégio de que vos falo está, naturalmente, relacionado com a restruturação desta casa / museu/galeria/biblioteca e naturalmente com o seu novo discurso expositivo.

Desde logo, o início da visita propõe-nos uma viagem à heteronímia, a um tempo, profunda, lúdica e pedagógica. Para além do princípio forçosamente presente da unidade e da fragmentação, saímos deste primeiro trecho com a clara compreensão da vastidão dessa “galáxia”. Todo o ambiente que nos envolve, todavia, não se furta ao jogo, e ao ancestral divertimento de ser múltiplo.

O percurso iniciado e iniciático prossegue num segundo trecho, todo ele dedicado à biblioteca do poeta. Aí, numa impressionante recriação cenográfica mergulhamos em todo o ecletismo intelectual do poeta. Após sermos colocados, no primeiro momento da visita, no passo periclitante entre literatura e vida, neste, que se lhe segue, a escrita eleva-se a instrumento magno para a compreensão e apropriação do mundo. Tudo é nota, inscrição, pensamento, registo e reflexão, nesta marginália em que o livro se converte em laço indelével entre escritor e leitor.

Num terceiro momento, entramos no espaço da intimidade através de uma memorabilia de momentos domésticos e documentos familiares. Nele, somos investidos na vida vivida de Pessoa, desde a infância em Durban ao regresso a Lisboa, e à existência nómada e “sem qualidades” do poeta cruzando a cidade. A féerie que domina os dois primeiros momentos de visita é ancorada aqui num espaço supostamente “real” que é, outrossim, o de uma “geografia sentimental” feita de uma trama de vultos e objetos.

O final desta notável viagem detém-se no momento mítico da criação, precisamente diante da cómoda alta onde a 8 de março de 1914 a epifania aconteceu. A marca mais fascinante deste epílogo — que é naturalmente também um prólogo que nos transporta diretamente ao início do percurso — é a da reflexão sobre a obra de arte como um processo aberto em permanência. A cómoda mítica que nos evoca o inigualável momento da criação artística “antes de qualquer tempo”, revela, em simultâneo, um legado que foi dado a compilar, estruturar, compreender, revelar às gerações vindouras, designadamente a todos aqueles que dela se apropriando, se converteram  inexoravelmente em seus coautores.

Deste “descentramento” surge súbita e poderosa a aporia do posicionamento do artista perante a obra, a um tempo, centro e margem, potência e ato.

A Casa Fernando Pessoa, após algum tempo “fora de portas” é devolvida à cidade apresentando um novo percurso expositivo, razão maior para a sua visita; tal não esgota, porém, a experiência proposta. São também dignos de legítima nota, o espaço de exposições temporárias e, coroando o todo, o belíssimo espaço de biblioteca — indubitavelmente uma, entre muitas outras razões, para querer estar, deambular, permanecer…

-Sobre Miguel Honrado-

Licenciado em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e pós-graduado em Curadoria e Organização de Exposições pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa/ Fundação Calouste Gulbenkian, exerce, desde 1989, a sua atividade nos domínios da produção e gestão cultural. O seu percurso profissional passou, nomeadamente, pela direção artística do Teatro Viriato (2003-2006), por ser membro do Conselho Consultivo do Programa Gulbenkian Educação para a Cultura e Ciência – Descobrir (2012), pela presidência do Conselho de Administração da EGEAC (2007-2014), ou a presidência do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II (2014-2016). De 2016 a 2018 foi Secretário de Estado da Cultura. Posteriormente, foi nomeado vogal do Conselho de Administração do Centro Cultural de Belém. Hoje, é o diretor executivo da Associação Música, Educação e Cultura (AMEC), que tutela a Orquestra Metropolitana de Lisboa e três escolas de música.

Texto de Miguel Honrado
Fotografia de Estelle Valente

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

9 Julho 2025

Humor de condenação

2 Julho 2025

Não há liberdade pelo consumo e pelas redes sociais

25 Junho 2025

Gaza Perante a História

18 Junho 2025

Segurança Humana, um pouco de esperança

11 Junho 2025

Genocídio televisionado

4 Junho 2025

Já não basta cantar o Grândola

28 Maio 2025

Às Indiferentes

21 Maio 2025

A saúde mental sob o peso da ordem neoliberal

14 Maio 2025

O grande fantasma do género

7 Maio 2025

Chimamanda p’ra branco ver…mas não ler! 

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

Shopping cart0
There are no products in the cart!
Continue shopping
0