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A “Criada Zerlina”, recria-se no Teatro Aberto

A Criada Zerlina, é a primeira encenação de João Botelho. Interpretada por Luísa Cruz, a…

Texto de Raquel Rodrigues

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A Criada Zerlina, é a primeira encenação de João Botelho. Interpretada por Luísa Cruz, a partir da obra de Hermann Broch (1950), habitará no Teatro Aberto, entre 11 de Fevereiro e 1 de Março.

A interpretação, com a qual Luísa Cruz foi reconhecida com o Prémio Globo de Ouro de Melhor Actriz de Teatro em 2019, ano em que a peça estreou no Centro Cultural de Belém, foi um desafio lançado por este último, cujo convite foi realizado por Luísa Taveira.

Trata-se de um monólogo de uma criada, Zerlina, que, já velha, revê o que viveu, sempre a partir de outros, da família que servia, procurando, neste movimento, reconhecer-se, reclamar a sua existência, ao tactear os limites entre si e o mundo. Porque tem acesso à intimidade dos senhores, aos cantos mais escuros e escondidos, vai revelando os segredos a um interlocutor, o senhor A., que não está em cena “para dar uma dimensão ainda mais solitária. Ou seja, independentemente de estar ali ou não, esta mulher tem que falar para ela própria não se esquecer daquilo que viveu, daquilo que é, que podia ter sido, e não foi pela sua condição de criada, que é de servidão”, explica a actriz. A invisibilidade da sua presença, com uma história silenciada desde a juventude, pois era criada também na casa da geração anterior, tornou-a espelho da figura feminina que detém o poder, a baronesa Elvira, com a qual só ela sabia que competia.

A partir do corpo, da voz e da sexualidade, esta mulher abre o seu lugar, rompendo-o do contexto, interrompendo a diluição. Uma vida a ouvir procura alguma compensação, agora, num tempo de fala, que a constitui sujeito. Contudo, só ela e o senhor A., cujo tipo de existência é incógnito, veem esta reconstrução que a palavra, enquanto representação, permite.  A voz é a “ressonância do corpo”. “Falar é o resultado daquilo que estamos a pensar”, reflecte Luísa Cruz. Fá-lo, ora de forma bruta, rude, com os gestos, as expressões e a entoação, que correspondem ao estereótipo das criadas e das mulheres que partilham esta classe social, ora com uma suavidade, profundidade e poesia, numa atitude filosófica, fechando os olhos para ler melhor a memória. É o amor que desperta esta última postura, embora, também nesta dimensão, se encontre na sombra da senhora baronesa, “porque tudo é partilhado, tudo é dividido, tudo é servil”, até mesmo o amante, o senhor Juna. Até as cartas que não são para Zerlina, mas para a baronesa, são por ela, primeiramente, lidas. Até a criança, Hildegarda, filha da relação extraconjugal de Elvira com Juna, é por ela educada.

Simultaneamente, está presente a questão do poder. Para além de mostrar que sabe de tudo, sentir-se mais próxima dos homens da família, pelos quais diz ter sido desejada, considera-se uma espécie de rede que sustenta a casa. Situa-se como responsável pela concretização da justiça para com o juiz conselheiro, no contexto da traição por parte da sua esposa. Também o erotismo passa pelo desejo de fusão, de pertença, de ser tocada afectivamente. Zerlina sinaliza a procura de Juna pelo seu prazer, referindo que o prazer deste estava em dar-lho. Então, aquela que sempre satisfez, esteve ao serviço, experimenta, pelo amor, uma elevação, provinda do reconhecimento, sentindo-se olhada, importante e querida. Contudo, posteriormente, é aí traída e ferida.

Sabe tudo e, naquele momento, na escuridão do quarto de A., quer saber de si. Porém, tendo em conta o seu percurso, congrega outras vozes na sua garganta, criando um “jogo”, como vê a actriz, ao “dizer o que o outro está a pensar, o que o outro está a dizer, o que pensa antes de falar e o que eu pensei porque ele não disse nada”.

Neste discurso não sabemos o que é ficção. Os outros chegam-nos a partir de uma única personagem. A única certeza que poderemos ter é que fala a partir de si e que procura resgatar-se da solidão, que é sempre um vazio à nossa volta, salvar-se, o que passa por recriar-se, e aí chega ao pano de fundo do humano, a identidade como narrativa.

A Criada Zerlina, por Luísa Cruz. Teaser 1, Centro Cultural de Belém

A Criada Zerlina, por Luísa Cruz. Teaser 2, Centro Cultural de Belém

A Criada Zerlina, por João Botelho. Teaser 3, Centro Cultural de Belém

A Criada Zerlina, por João Botelho. Teaser 4, Centro Cultural de Belém

Sabe mais aqui.

Texto por Raquel Botelho Rodrigues
Fotografia cedida pelo Teatro Aberto

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