Do Programa Europa para os Cidadãos ao Programa Direitos e Valores
O Programa Europa para os Cidadãos vigorou no período 2014-2020 com o objetivo global de aproximar a União Europeia dos cidadãos. Contribuir para a compreensão pelos cidadãos da União Europeia, da sua história e diversidade e promover a cidadania europeia e aprofundamento das condições da participação cívica e democrática por parte dos cidadãos foram os seus objetivos mais importantes. Ao financiar projetos, o programa Europa para os Cidadãos contribuiu para incentivar a participação dos cidadãos europeus em todos os aspetos da sua comunidade, permitindo-lhes participar na construção de uma Europa mais próxima e mais democrática.
Agora, mais do que nunca, é importante que os cidadãos se façam ouvir e que participem na conceção das políticas da União. Os projetos apoiados no programa Europa para os Cidadãos reuniam forçosamente algumas características. Desde logo, a igualdade de acesso. O programa foi desenhado para ser um instrumento acessível a todos os cidadãos europeus, sem qualquer forma de discriminação: sexo, origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade e orientação sexual. Deviam igualmente promover a transnacionalidade, mas com dimensão local, uma característica que pode ser alcançada através da combinação de diferentes fatores: do tema, procurando debater uma questão europeia numa perspetiva local ou da natureza dos promotores do projeto, ao desenvolvê-lo e implementá-lo através da cooperação de várias organizações parceiras provenientes de diferentes países participantes. Também o diálogo intercultural e linguístico foi igualmente um dos pontos mais relevantes, procurando promover a aproximação dos cidadãos europeus de nacionalidades e de línguas diferentes, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de uma identidade europeia de respeito, dinâmica e multifacetada. Este não era um programa europeu desenhado diretamente para acolher projetos “culturais”, no entanto, na implementação dos seus objetivos, a cultura foi um dos veículos privilegiados.
Os projetos culturais baseados em iniciativas da sociedade, ao explorarem metodologias originais, inovadoras e acessíveis, provam ser eficazes para reforçar um sentido de pertença e partilha da história e dos valores comuns da União. O programa Europa para os Cidadãos permitia também o acesso a um vasto leque de beneficiários, designadamente organizações sem fins lucrativos, incluindo organizações da sociedade civil, instituições educativas, culturais ou de investigação o que viabilizou a inclusão do setor cultural e criativo. Portugal conseguiu, com sucesso, aprovar e liderar alguns dos projetos que melhor expressam esta relação virtuosa. Dois exemplos: O Projeto Europeu coordenado pelo instituto de Comunicação da NOVA FCSH – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, que visou criar um arquivo online de histórias de cidadãos europeus com experiências e memórias de relação com países e culturas africanas. A recolha, edição, partilha de histórias pessoais e coletivas sobre a ligação de cidadãos europeus com o continente e culturas africanos, com raiz em memórias de diáspora, origem étnica, experiências quotidianas e ligações culturais foi o objetivo do projeto Afro-European Narratives. O projeto foi ao encontro das novas gerações afrodescendentes, para quem a ligação a África é, sobretudo, da ordem de uma pós-memória, transmitida pelas comunidades e gerações mais velhas, mas também pelas imagens e discursos predominantes nos media.
O envolvimento num processo enunciativo e narrativo pretendeu favorecer o encontro com uma voz própria e valorizar a dimensão intercultural destas experiências de cidadania europeia. O consórcio foi coordenado pelo CIC.DIGITAL NOVA e teve como parceiros a AFROLIS – Cultural Association / Audioblog (Lisboa) e a RAMag – Associación Cultural Radio Africa / Radio Africa Magazine (Catalunha). O legado da música experimental produzida no Bloco de Leste até à queda do Muro de Berlim foi o foco do projeto Unearthing the Music: Creative Sound and Experimentation under European Totalitarianism. Ao longo de mais de um ano, esta iniciativa procurou música feita atrás da Cortina de Ferro entre 1957 e 1989, ano em que caiu o Muro de Berlim. Foi desenvolvido pela OUT.RA, a associação que organiza o Festival de Música Exploratória do Barreiro, com parceria da revista avant-garde britânica The Wire. O resultado pôde ser visto numa conferência no Goethe Institut, em Lisboa, estando agora disponível num arquivo online. Além disso, promoveu a publicação de um livro de textos e entrevistas dos nomes abordados no projeto e uma compilação discográfica com temas inéditos de artistas alemães, polacos, ex-jugoslavos e húngaros.
E o futuro? O que nos reserva? O Programa Europa para os Cidadãos vai ter continuidade no Programa Direitos e Valores que já mereceu o acordo do Parlamento Europeu e dos Estados-Membros da União Europeia. Este programa, com uma dotação de mais de 1500 milhões de euros para o período de 2021-2027, incluirá as áreas cobertas pelo Programa Europa para os Cidadãos, e será o maior programa de sempre da União para a proteção dos seus valores, da democracia, do Estado de direito e dos direitos fundamentais. O objetivo geral do Programa Direitos e Valores é defender e promover os direitos e valores consagrados nos tratados da UE, nomeadamente através do apoio a organizações da sociedade civil, apoiando sociedades abertas, democráticas e inclusivas. Cidadania e cultura europeias estarão de novo interligados, pois ambos contam com uma história comum sobre diversidade cultural, memória e valores. Assim, tal como no anterior programa, o setor cultural e criativo pode e deve participar ativamente envolvendo os cidadãos com a sua história, com os direitos e valores comuns, consciencializando ou desenvolvendo formas criativas de superar desigualdades e de lutar contra todas as formas de intolerância e discriminação, afinal a construção Europeia é uma obrigação de todos nós.
-Sobre Francisco Cipriano-
Nasceu a 20 de maio de 1969, possui grau de mestre em Geografia e Planeamento Regional e Local. A sua vida profissional está ligada à gestão dos fundos comunitários em Portugal e de projetos de cooperação internacional, na Administração Pública Portuguesa, na Comissão Europeia e atualmente na Fundação Calouste Gulbenkian. É ainda o impulsionador do projeto Laboratório de Candidaturas, Fundos Europeus para a Arte, Cultura e Criatividade, um espaço de confluência de ideias e pessoas em torno das principais iniciativas de financiamento europeu para o setor cultural. Para além disso é homem para muitas atividades: publicidade, escrita, fotografia, viagens. Apaixonado pelo surf vê̂ nas ondas uma forma de libertação e um momento único de harmonia entre o homem e a natureza. É co-autor do primeiro guia nacional de surf, Portugal Surf Guide e host no documentário Movement, a journey into Creative Lives. O Francisco Cipriano é responsável pelo curso Fundos Europeus para as Artes e Cultura – Da ideia ao projeto que pretende proporcionar motivação, conhecimento e capacidade de detetar oportunidades de financiamento para projetos artísticos e culturais facilitando o acesso à informação e o conhecimento sobre os potenciais instrumentos de financiamento.