O Plano de Recuperação e Resiliência “Recuperar Portugal, Construindo o Futuro” (PRR) deveria ser uma oportunidade para a dinamização de uma recuperação sustentável da sociedade no período pós-pandemia, tendo em conta prioridades europeias tão relevantes e decisivas para o futuro, em particular, o Pacto Ecológico Europeu.
Existe um mundo novo pleno de possibilidades que pode ser potenciado pelos avanços conseguidos nos últimos anos na área das energias renováveis, da mobilidade sustentável, da agroecologia, do repensar da conceção dos produtos no sentido de fomentar a sua durabilidade, reparabilidade e possibilidade de reutilização e reciclagem.
Mais ainda, áreas como a cultura ou o desporto deveriam ser fortemente apoiadas, porque durante o confinamento se percebeu a relevância de mudarmos de paradigma sobre os nossos objetivos de qualidade de vida e de dinamizarmos um maior bem-estar de toda a sociedade, em linha com um verdadeiro desenvolvimento sustentável. Assim, os projetos apoiados deveriam ser diferenciadores.
Precisamos de uma visão mais ambiciosa em termos de futuro e de mudança e infelizmente o PRR que esteve em consulta não correspondeu aos objetivos, incluindo mesmo componentes e projetos que não devem ser alvo de financiamento, por não estarem suficientemente justificados ou por serem incoerentes com o pilar da Transição Verde, ou ainda cujo apoio financeiro deve ser reponderado na sua aplicação ou no volume de investimento alocado.
É lamentável que o Governo tenha decidido levar a consulta pública com um prazo muito curto, um documento de síntese e com falta de elementos que ainda estão a ser elaborados, tornando este plano de difícil avaliação e este exercício de consulta quase inútil. A pressa é inimiga da qualidade e de boas decisões, e quando estão em causa opções estruturais para o nosso país, o desejo de Portugal ser o primeiro a ver o seu PRR aprovado à escala europeia não é necessariamente uma vitória. E o facto é que é extraordinariamente difícil avaliar o impacto de um plano e as suas medidas sem conhecer custos nem como serão medidos os resultados, para além dos graus de especificação das diferentes componentes ser muito diferente. Mais ainda, após as expectativas do documento “Visão estratégica para o plano de recuperação económica de Portugal 2020-2030” a proposta de PRR, que o operacionaliza) é um documento que se encontra pouco estruturado, alternando entre descrições vagas do que se pretende concretizar em alguns projetos, talvez a maior parte, e descrições com algum pormenor que permitem perceber o alcance das medidas, parecendo uma amálgama de propostas apressadas dos diferentes Ministérios e das Regiões Autónomas.
Em contexto de emergência climática, o Plano de Recuperação e Resiliência peca também por não ter uma ligação meta europeia relativa às emissões de gases com efeito de estufa, que desde dezembro de 2020, se sabe ser de uma redução líquida de, pelo menos, 55% entre 1990 e 2030, obrigando a uma maior exigência dos compromissos nacionais atualmente existentes. O alinhamento deste plano com o pilar europeu relativo à transição verde parece forçado, ficando-se apenas pelos 33%, não se respeitando, em nosso entender, a obrigatoriedade de mais de 37% das verbas serem utilizadas para este pilar, apesar do Governo afirmar que esse valor atinge inclusive 47%. Os investimentos, para poderem ser considerados, devem ser adicionais, ou seja, para além do obrigatório, representando uma mais-valia, e estarem discriminados para se contabilizar a sua contribuição para o pilar da transição verde.
Por último, o plano não refere a importância do envolvimento de outros atores que não sejam os poderes públicos, onde os agentes culturais poderiam ter também um papel decisivo na mobilização da sociedade rumo a uma maior sensibilização, participação, envolvimento e ação de todas e de todos, corrigindo um rumo que, por agora, não é compatível com um melhor futuro para as próximas gerações. Precisamos de um verdadeiro plano de recuperação e resiliência, que saiba ser uma resposta visionária, mas muito concreta à mudança de que precisamos para melhorar Portugal e o mundo, para lidar com as crises climática, da biodiversidade e/ou dos recursos, para as quais não há, nem haverá vacina, mas deverá haver estratégias do curto ao longo prazo.
-Sobre Francisco Ferreira-
Francisco Ferreira é Professor Associado no Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-NOVA) e investigador do CENSE (Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade). É licenciado em Engenharia do Ambiente pela FCT-NOVA, mestre por Virginia Tech nos EUA e doutorado pela Universidade Nova de Lisboa. Tem um significativo conjunto de publicações nas áreas da qualidade do ar, alterações climáticas e desenvolvimento sustentável. Foi Presidente da Quercus de 1996 a 2001 e Vice-Presidente entre 2007 e 2011. Foi membro do Conselho Nacional da Água e do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Atualmente é o Presidente da “ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável”, uma organização não-governamental de ambiente com atividade nacional.